Abuso infantil, drogas e extorsão: por que Telegram é tão usado para crimes:
- Author, Joe Tidy
- Role, Da BBC News
Há cercanove meses, enquanto fazia pesquisas para uma reportagem, fui adicionado a um grande canal no Telegram focado na vendadrogas.
Em seguida, fui adicionado a um sobre hackers e, depois, a outro sobre cartõescrédito roubados.
Percebi que as configurações do meu Telegram permitiam que as pessoas me adicionassem a seus canais sem que eu precisasse fazer nada,meio a links e mensagensspam (mensagens não solicitadas enviadas a um grande númerousuários) que estavam sendo espalhadas por uma vasta rede criminosa.
Para ver o que aconteceria, mantive as configurações do mesmo jeito por um tempo. Em poucos meses, fui adicionado a 82 grupos diferentes.
Eu finalmente mudei minhas configurações para interromper esse processo, mas, agora, toda vez que entro no Telegram, sou recebido com milharesnovas mensagensdezenasgrupos ilegais extremamente ativos.
A prisão do diretor-executivo bilionário do Telegram na França gerou um debate sobre a moderaçãoconteúdo no aplicativo.
O russo Pavel Durov foi acusadosuposta cumplicidadepermitir que transações ilícitas, tráficodrogas, fraudes e a disseminaçãoimagensabuso sexual infantil se espalhassem porplataforma.
Não há dúvidaque atividades criminosas também ocorremoutras redes sociais, mas meu experimento sugere um problema mais amplo que preocupa autoridades há anos.
Nesta reportagem, mostro exemplosalguns dos grupos aos quais fui adicionado.
Meu Telegram se transformouuma grande loja para qualquer mercadoria ilegal, tudo isso sem eu buscar ativamente novos vendedores.
Todas as imagens foram postadas nos grupos, e alteramos os nomes dos canais para não divulgá-los.
Não ése surpreender que algumas pessoas, como o apresentadorum podcast sobre segurança cibernética Patrick Gray, venham descrevendo o Telegram há meses como "a dark web no seu bolso".
A chamada dark web é uma parte da internet que só pode ser acessada usando softwares específicos e conhecimento especializado.
Desde o lançamento da primeira plataforma nesse submundo virtual — a Silk Road,2011— , há um fluxo constantesites vendendo mercadorias e serviços ilegais.
Ao comentar sobre a prisãoPavel Durov, Gray disseseu podcast Risky Business que o Telegram tem sido um refúgio para o crime há muito tempo.
"Estamos falandomaterialabuso sexual infantil, estamos falandovendasdrogas, estamos falandoníveiscriminalidade dignos da dark web, e eles simplesmente não estão fazendo nada a respeito", disse ele.
Os criminosos gostam da dark web devido ao anonimato que ela proporciona aos usuários — o tráfego da internet é redirecionado ao redor do mundo, escondendo a localização das pessoas e tornando extremamente desafiador identificar quem está por tráscertos nomesusuário.
No entanto, parece que os criminosos também gostam do Telegram.
Pesquisadores da empresasegurança cibernética Intel471 afirmam que "antes do Telegram, essa atividade era predominantemente realizadamercados online hospedadosserviços ocultos da dark web", mas, para criminosos cibernéticosnível mais baixo e menos habilidosos, "o Telegram se tornou um dos destinos online mais populares".
O grupohackers Qilin, que invadiu o sistemahospitais do serviço públicosaúde britânico (o NHS)trocaresgate neste ano, optou por publicar dadosexamessangue roubadosseu canal no Telegram antesseu site na dark web.
O serviçodeepfake usado para criar fotos falsasgarotasidade escolar na Espanha e na Coreia do Sul também opera todo o seu serviço, incluindo o pagamento, no Telegram.
Não há dúvidaque parte dessa criminalidade também ocorreoutras plataformas, como já foi relatado anteriormente.
Alguns dos canais criminosos do Telegram aos quais fui adicionado parecem ter presença no Snapchat, por exemplo, e traficantesdrogas também podem ser encontrados no Instagram, onde negociações provavelmente ocorremchats privados.
No entanto, traficantesdrogas frequentemente anunciam seus canais no Telegram nessas outras plataformas para direcionar as pessoas para lá.
Materialabuso infantil
O Telegram afirma quemoderação está "dentro dos padrões" das plataformasredes sociais. Mas, nesta semana, vimos evidências do contrário, relacionadas a uma áreacriminalidade muito menos visível (e que eu não procurei) — materialabuso sexual infantil.
Na quarta-feira (28/9), a BBC apurou que, embora o Telegram responda a algumas solicitaçõesremoçãoconteúdo feitas pela polícia e outras instituições, a plataforma não participaprogramas voltados para prevenirforma proativa a disseminaçãoimagens e vídeosabuso sexual infantil.
O aplicativo não é membro nem do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC), dos EUA, nem da Internet Watch Foundation (IWF), ambos trabalhando com todas as principais redes sociais para encontrar, relatar e remover esse tipomaterial.
Não fazer o suficiente para combater o materialabuso sexual infantil é uma das principais acusações dos promotores da França, onde o dono do Telegram foi preso. Pavel Durov já deixou a prisão, mas não pode deixar a França e deve se apresentar regularmente nas delegaciaspolícia
"No centro deste caso está a faltamoderação e cooperação da plataforma, especialmente na luta contra crimes contra crianças", disse Jean-Michel Bernigaud, secretário-geral da agência francesaproteção infantil, a Ofmin, no LinkedIn.
O Telegram disse à BBC que buscaforma proativa atividades ilegais, incluindo abuso sexual infantil, emplataforma. A empresa também afirma que foram tomadas medidas não divulgadas contra 45 mil grupos apenasagosto.
No entanto, o escritórioimprensa não respondeu a perguntas adicionais sobre qualquer outro ponto mencionado no artigo.
Faltacooperação com a polícia
A moderação é apenas parte do problema do Telegram. A abordagem da empresarelação a solicitações policiais para remover conteúdo ilegal e fornecer provas é outra crítica frequente.
Brian Fishman, cofundador da Cinder, uma plataformasoftware para segurança online, afirmou: "O Telegram é outro nível: tem sido o principal centro do Estado Islâmico [grupo terrorista] faz uma década. Tolera materialabuso sexual infantil. Ignora o envolvimento razoável das autoridades há anos. Não é apenas uma questãomoderação 'leve'conteúdo; é uma abordagem completamente diferente."
Alguns podem argumentar que os recursosprivacidade do Telegram significam que a empresa não possui muitos dados sobre essas atividades para repassar às autoridades. Isso também acontece com aplicativosmensagens ultraprivados, como Signal e WhatsApp.
O Telegram oferece aos usuários os mesmos níveisprivacidade do que os "chats secretos" disponíveisoutros aplicativosmensagens. Eles usam a chamada criptografiaponta a ponta.
Isso significa que a atividade dentrouma conversa é completamente privada, e nem mesmo o Telegram pode visualizar o conteúdo.
No entanto, essa função não é configurada como padrão no Telegram, e parece que a maior parte da atividade no aplicativo - incluindo nos canais ilícitos aos quais fui adicionado - não está configurada como "secreta".
O Telegram poderia ler todo o conteúdo e repassá-lo às autoridades policiais se quisesse, mas afirmaseus termos e condições que não o faz.
"Todos os chats e grupos do Telegram são privados entre seus participantes. Não processamos nenhuma solicitação relacionada a eles", diz os termos e condições da empresa.
A abordagem fria do Telegramrelação às autoridades policiais é algo que me foi mencionadocoletivasimprensa por policiais frustrados.
As autoridades francesas destacaramsuas declarações sobre as acusações contra Pavel Durov que, historicamente, a polícia da França e a da Bélgica enfrentaram uma "quase total faltaresposta do Telegram a solicitações legais".
Autoridadesoutros países, incluindo a Alemanha, também têm sido vocalmente críticasrelação à faltacooperação do aplicativo na remoçãoconteúdo ilegal.
Liberdadeexpressão
Apesartoda a crítica à abordagem do Telegramrelação à moderação, há alguns temem que a prisãoDurov seja um momento preocupante.
A organizaçãodireitos digitais Access Now afirma que está acompanhando os acontecimentos com grande preocupação.
Em uma declaração, o grupo que defende uma "internet livre" disse que o Telegram "não é um modeloresponsabilidade corporativa" e que já criticou o aplicativo muitas vezes no passado.
No entanto, a Access Now alerta que "a detençãofuncionáriosplataformas que as pessoas usam para exercer seus direitos à liberdadeexpressão ereunião pacífica, sem uma demonstrável conformidade com os princípios dos direitos humanos, pode resultarcensura excessiva e pode reduzir ainda mais os espaços cívicos".
O próprio Telegram afirmou repetidamente que "é absurdo afirmar que uma plataforma ou seu proprietário sejam responsável pelos abusos nessa plataforma".
Elon Musk, bilionário e proprietário do X (anteriormente Twitter), condenou a prisão e a descreveu como um ataque à liberdadeexpressão. Ele está pedindo a liberaçãoDurov.
Alguns dos criminosos nos grupos do Telegram dos quais agora sou membro também estão pedindo a liberaçãoDurov, com imagens#FreeDurov (#LibertemDurov,tradução livre), amplamente compartilhadasinglês e russo.