O que é déficit primário e como disputa no governo Lula afeta seu bolso:roleta celular

Homem contando dinheiro

Crédito, Reuters

O motivo da discórdia é o chamado resultado primário – diferença entre tudo que o governo arrecada e gasta, com exceção das receitas e despesas financeiras, como os gastos com juros da dívida pública.

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O governo brasileiro tem registrado déficits primários – ou seja, gastado mais do que arrecada – praticamente todos os anos desde 2014 (a única exceção foi 2022).

Isso provocou forte aumento na dívida pública, pois, quando o governo gasta mais do que arrecada, precisa emitir mais títulosroleta celulardívida para cobrir parte das despesas.

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Já quando registra saldo positivo, paga juros da dívida, evitando seu descontrole. A dívida pública hoje estároleta celular74% do PIB e com perspectivaroleta celularalta, segundo projeções do mercado monitoradas pelo Banco Central (BC).

A projeção do governo é fechar este ano com um déficit primárioroleta celularR$ 141,4 bilhões (1,3% do PIB).

A promessaroleta celularHaddad era zerar o romboroleta celular2024 e registrar saldos positivos a partirroleta celular2025, mas especialistasroleta celularcontas públicas e agentes do mercado financeiro sempre manifestaram ceticismos com esses números, devido à dificuldaderoleta celularelevar a arrecadação e à faltaroleta celularmedidas para cortar despesas.

Na visãoroleta celulareconomistas favoráveis a um maior aperto fiscal, é fundamental que o governo volte a registrar resultados positivos nas contas primárias para reduzir o endividamento.

Segundo esses especialistas, um aumento constante da dívida tende a ter reflexos ruins na economia, como aumento dos juros, dólar mais caro e inflação mais alta (entenda melhor ao longo da reportagem).

Já os que defendem uma meta fiscal mais frouxa consideram que limitar os gastos sociais e investimentosroleta celularobras vai enfraquecer a geraçãoroleta celularempregos e a ofertaroleta celularserviços públicos aos mais vulneráveis.

Por enquanto, a revisão da meta estároleta celulardebate no governo. A alteração terá que ser formalizada junto ao Congresso neste ano ou ao longo do próximo.

Apesar da falaroleta celularLula ministro da Casa Civil, Rui Costa, negou na sexta-feira (3/11) que exista um conflito interno.

"Vi alguns artigos (na imprensa) tentando fazer um contraponto entre uma parte do governo que é gastador e outra que é poupador. Não há esse debate, não há essa dicotomia, porque não há nenhuma possibilidaderoleta celularaumentar o gasto, porque o arcabouço não permite", acrescentou o chefe da Casa Civil.

A regra à qual Costa se refere é o novo arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso para substituir o antigo Tetoroleta celularGastos, que limitava o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.

A nova regra permite que as despesas sempre cresçam acima da inflação, mas dentroroleta celularum intervalo que variaroleta celular0,6% a 2,5%, a depender do ritmoroleta celularcrescimento da receita.

O problema enfrentado agora pelo governo é que a receita não está crescendo no ritmo desejado. A se confirmar a expectativaroleta celularuma arrecadação mais fraca no próximo ano, a Fazenda teria que adotar medidas adicionais para cumprir a metaroleta celularzerar o déficit primário, seja segurando mais as despesas, seja aumentando impostos, por exemplo – ambas são medidas impopulares, ainda maisroleta celularum ano eleitoral (o Brasil elege prefeito e vereadoresroleta celular2024).

Haddad já anunciou uma sérieroleta celularmedidas para aumentar a arrecadação, seja com novos tributos (como a taxaçãoroleta celularapostas esportivas ouroleta celularfundosroleta celularinvestimento para super ricos), seja com a reversãoroleta celularalguns benefícios fiscais (descontosroleta celularimpostos). Mas boa parte dessas medidas depende da aprovação do Congresso, processo que tende a ser lento e, nem sempre, exitoso para a Fazenda.

"Se tiverroleta celularantecipar medidas para 2024, eu encaminho (ao Congresso mais propostas). O meu papel é buscar o equilíbrio fiscal, farei isso enquanto estiver no cargo, não é por pressão do mercado financeiro, acredito que Brasil, depoisroleta celulardez anos, precisa voltar a olhar para contas públicas", afirmou, sem detalhar quais seriam as novas medidas.

Tebet com Haddad e Lula

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Para especialista, Tebet (esq.) está sem apoio para medidasroleta celularreduçãoroleta celulardespesas

Economistas especialistasroleta celularcontas públicas consideram correto o esforço do governoroleta celularaumentar as receitas por meio da revisãoroleta celularbenefícios tributários e aumentoroleta celularimpostos sobre os mais ricos. Por outro lado, criticam a faltaroleta celularmedidas para conter os gastos.

Para Gabriel Lealroleta celularBarros, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), o esforço do governo para aumentar as receitas por meio da revisãoroleta celularbenefícios tributários e aumentoroleta celularimpostos sobre os mais ricos está correto.

"Faz sentido a estratégia do Haddad. O problema é que ela tá 100% focada na arrecadação. Não tem nada para melhorar a eficiência e cortar gasto. Como não tem essa perna da despesa, o plano fiscal fica capenga", critica.

Segundo Barros, o Ministério do Planejamento, comandado por Simone Tebet, vem desenvolvendo medidasroleta celularavaliação do gasto público, para melhorarroleta celulareficiência. Mas, naroleta celularavaliação, ainda falta vontade política no governo para implementar essas ações.

Com visão semelhante, a economista Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting, questiona o argumentoroleta celularLularoleta celularque seria preciso mais recursos para obras.

Dados do Tribunalroleta celularContas da União (TCU) reforçam seu ponto. Segundo relatórioroleta celularoutubro da instituição, 41% das obras tocadas no paísroleta celular2023 com previsãoroleta celularrecursos federais estão paradas. Isso representa 8.603 obras paralisadas, cujo orçamento soma R$ 32 bilhões.

"São obras paradas não por faltaroleta celulardinheiro, é porque são projetos mal desenhados, com um monteroleta celularproblema na execução, que não dão conta das exigências ambientais", ressalta Latif.

O impacto no bolso

Embora o governo mireroleta celularmais crescimento econômico com o aumentoroleta celulargastos, Gabrielroleta celularBarros avalia que a medida pode ter efeito inverso se não vier acompanhadaroleta celularequilíbrio fiscal.

Segundo o economista, a continuidade do aumento da dívida pública tende a elevar os juros no país, o que encarece o financiamento para novos negócios.

Isso acontece da seguinte forma, explica ele: quando os investidores que emprestam dinheiro para o governo cobrir o rombo nas contas públicas veem a dívida aumentando, eles entendem que o risco daquela dívida não ser paga fica maior; com isso, passam a cobrar juros mais altos para comprar os títulosroleta celulardívida pública.

Isso, acrescenta Barros, pode fazer o empréstimo para o governo ficar mais atrativo do que investirroleta celularnegócios mais arriscados, como abrir uma nova empresa ou expandir a produção, diminuindo o recurso disponível para atividades que geram emprego e renda.

Além disso, a taxa básicaroleta celularjuros (Selic) paga pelo governo é referência para os demais juros praticados no país – quando ela sobe, todo o crédito tende a ficar mais caro.

"Quanto mais alta a Selic, que é um reflexo do quão mais ou menos arrumada está as contas públicas, isso afeta negativamente o quantoroleta celularemprego e renda vai ser gerado na economia com investimento produtivo", resume.

"E a percepçãoroleta celularrisco (sobre o endividamento público) também bateroleta celularcâmbio, desvalorizando o real. Com o dólar mais alto, tudo que é importado fica mais caro, aumentando a inflação no país", acrescenta, destacando outro impacto negativo para a economia.

Operário trabalham na construçãoroleta celularuma ferrovia

Crédito, Palácio do Planalto/Delfim Martins

Legenda da foto,

Registroroleta celular2015 da construção da Transnordestina; obra atrasou e até hoje não foi concluída

Mesmo déficitroleta celular0,5% do PIB é meta incerta

A grande dificuldade do governoroleta celularelevar a arrecadação no patamar necessário para zerar o déficit já estava no radar do mercado financeiro.

Mesmo antesroleta celularLula explicitar a intençãoroleta celularrever a meta, o Boletim Focus (levantamento semanal realizado pelo Banco Central) mostrava que a projeção medianaroleta celulareconomistas para o resultado primárioroleta celular2024 estavaroleta celular0,75% do PIB. Depois das falas do presidente, a projeção subiu para 0,80% do PIB.

Apesar disso, a declaração do presidente foi mal recebida no mercado.

Segundo Barros, isso ocorreu porque a discussão sobre a revisão da meta era esperada apenas para o próximo ano. Naroleta celularvisão, a antecipação pode ter o efeito negativoroleta celulardar menos força para Haddad aprovar no Congresso medidasroleta celularaumento da arrecadação.

"Antecipar isso vai afetar a negociação no Congresso e pode fazer com que a revisão (da meta primária) seja por um déficit maior do que poderia ser se fosse feito no ano que vem", avalia.

"Se a arrecadação vier ruim, o governo pode ter que contingenciar (segurar gastos)roleta celularqualquer forma. Por isso, pode ser que esse novo déficit seja fixadoroleta celular1%", acredita Barros.

O economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazendaroleta celularSão Paulo e atualmente sócio da gestoraroleta celularinvestimentos Warren Rena, tem avaliação semelhante.

Ele ressalta que o Projetoroleta celularLei Orçamentária para 2024 encaminhado pelo governoroleta celularagosto para o Congresso prevê R$ 212 bilhõesroleta celularreceitas discricionárias (aquelas que podem ser usadas livremente, não estando atrelada a alguma despesa obrigatória).

Desse total, R$ 168,5 bilhões são receitas condicionadas, ou seja, que ainda dependeriamroleta celularaprovação no Congresso, como o caso da propostaroleta celulartaxar fundos exclusivosroleta celularsuper ricos e aplicações no exterior.

De lá pra cá, apenas uma dessas medidas já foi aprovada, a que devolve à Receita Federal vantagem nos julgamentos do Conselho Administrativoroleta celularRecursos Fiscais (Carf) sobre disputas tributárias com contribuintes – algo que pode render R$ 98 bilhõesroleta celular2024, segundo a Fazenda.

Mas mesmo essa previsãoroleta celularR$ 98 bilhõesroleta celulararrecadação com essa mudança é considerada muito otimista por especialistas, afirma Salto.

Sua projeção, por exemplo, é que o governo vai arrecadarroleta celular2024 R$ 172,3 bilhõesroleta celularreceitas discricionárias (R$ 40 bilhões a menos do que consta na PLOA). Se esse quadro se confirmar eroleta celularfato nadaroleta celulardespesa for contingenciado, haverá um resultado deficitárioroleta celular0,74% do PIBroleta celular2024.

"Logo, se a meta mudasse para um déficitroleta celular0,5% do PIB, não mudaríamos a projeção e o governo continuaria com um cenário apertado, mesmo sob essa meta mais alargada. Acho que os ministros que aconselharam o presidente a mudar a meta para liberar espaço para gastos ou para evitar o contingenciamento, o que dá na mesma, não perceberam esse detalhe das contas", pondera.