Os brasileiros que ganham R$ 500 por mês para treinar inteligências artificiais:esportebet clube

Gustavo Luizesportebet clubefrente a laptop

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Gustavo Luiz, 19 anos, divide-se entre o cursoesportebet clubeinteligência artificial e o emprego como operárioesportebet clubedados

"Os sistemasesportebet clubeIA requerem muito trabalho humano manual e discreto para funcionarem, o que evidentemente contradiz a narrativa dominante da progressiva e inexorável automação”, diz a socióloga Paola Tubaro, especializada da ciência da computação e professora e pesquisadora do Centroesportebet clubePesquisaesportebet clubeEconomia e Estatística, na França.

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“Por isso, empresasesportebet clubetecnologia e desenvolvedoresesportebet clubeIA não se dispõem a divulgar esse tipoesportebet clubetrabalho, que assim permanece escondido, ou seja, 'fantasma'".

Mas o que faz um operário dos dados?

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"Eles inserem dados para treinar e moderar sistemas e atividadesesportebet clubeIA", explica Rafael Grohmann, professor da Universidadeesportebet clubeToronto que pesquisa o trabalho no mundo contemporâneo.

Esse tipoesportebet clubeatividade ficou conhecida como microtrabalho, pela natureza fragmentada das tarefas envolvidas. O fenômeno é novo, assim como os termos usados para descrevê-lo, diz Grohmann.

“Temos usado muito o termo data workers [operáriosesportebet clubedados,esportebet clubetradução livre do inglês], o que os diferencia dos tech workers [profissionaisesportebet clubetecnologia], que são os responsáveis por produzir, projetar e analisar os dados da IA".

Na prática, esses trabalhadores (de dados) também podem ser chamadosesportebet clube"treinadoresesportebet clubeIA".

Pegue um sistema como o ChatGPT, por exemplo. Os “treinadores” são responsáveis por alimentar o robô com as informações e dados que ele precisa para responder perguntasesportebet clubeusuários, auxiliaresportebet clubetraduções, fazer pesquisas, dentre outras tarefas.

Praticamente todos os sistemasesportebet clubeIA dependem destes operáriosesportebet clubedados. Redes sociais, por exemplo, os contratam para monitorar as postagens e interações e detectar ações que ferem suas regras ou a lei.

Na comparação com uma fábrica tradicional, esses profissionais seriam o chãoesportebet clubefábrica.

"A lógica do que é a classe operária vai mudando com o tempo. Essa é uma nova apresentação do que são os blue-collars [termoesportebet clubeinglês para a classe operária] e os white-collars [os executivos, que estão longe das tarefas manuais]", diz Grohmann.

Quanto ganha um operárioesportebet clubedados?

Homem trabalhando no laptopesportebet clubeambiente escuro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Muitas vezes, os operáriosesportebet clubedados acumulam trabalhos para conseguirem pagar as contas

Os operáriosesportebet clubedados ganham,esportebet clubemédia, R$ 583,71 por mêsesportebet clubeum emprego, segundo a pesquisa Microtrabalho no Brasil: Quem são os trabalhadores por trás da inteligência artificial.

Esses trabalhadores ganham por cada tarefa concluída e não por hora trabalhada. Segundo o estudo, esse valor médio mensal corresponde a cercaesportebet clube15,5 horasesportebet clubededicação por semana.

Segundo um estudoesportebet clube2018 da Organização Internacional do Trabalho realizado com 3,5 mil microtrabalhadoresesportebet clube75 países, a média globalesportebet clubeganho por hora éesportebet clubeUS$ 4,43 (cercaesportebet clubeR$ 24,esportebet clubevalores atuais).

Mas, enquanto nos Estados Unidos o valor é maior,esportebet clubeUS$ 4,70 (cercaesportebet clubeR$ 25), os operáriosesportebet clubedados da África faturam bem menos, US$ 1,33 (cercaesportebet clubeR$ 7) por hora.

No Brasil,esportebet clubeacordo com a pesquisa Microtrabalho no Brasil, o valor giraesportebet clubetornoesportebet clubeUS$ 1,60 (cerca R$ 9).

A pesquisa, conduzida por Tubaro junto com o psicólogo brasileiro Matheus Viana Braz e o sociólogo italiano Antonio Casilli, fez uma radiografia da situação do trabalho fantasma no Brasil.

Esse valor fica muito aquém do que os empregadores prometiam a esses trabalhadores que ganhariam realizando estas funções.

Os 477 trabalhadores fantasmas ouvidos pela pesquisa esperavam receber três vezes isso, cercaesportebet clubeR$ 1,6 mil por mês.

Pelo ganho bem abaixo do esperado, eles costumam acumular empregos, por vezes na mesma área, e conseguem com as múltiplas jornadas chegar a uma renda mensal médiaesportebet clubeR$ 1,8 mil.

O pesquisadoresportebet clubeinovação e ciênciaesportebet clubedados Mauro Zackiewicz,esportebet clube50 anos, que tem um doutorado nesta área, conta que trabalhou por pouco menosesportebet clubeum mês para uma fabricanteesportebet clubecelulares recebendo documentos, como áudios triviais, conversas curtas e, por vezes cenasesportebet clubefilmes ou novelas.

“Tinhaesportebet clubecorrigir tudo, provavelmente para alimentaresportebet clubedados um sistemaesportebet clubereconhecimentoesportebet clubevoz, mas nem chegaram a me contar para o que fazíamos aquilo", conta ele.

"Ganhava pouca coisa, dava apenas para a subsistência, e nem tinha contrato, o que é, digamos assim, curioso para uma grande empresa."

A pesquisa Microtrabalho no Brasil constatou que 66% dessa forçaesportebet clubetrabalho só ganha o suficiente para pagar as contas mais básicas.

A grande concorrência entre esses trabalhadores é um fator que contribui para os salários baixos, explica Tubaro.

"As plataformas querem garantir mãoesportebet clubeobra suficiente para atender picosesportebet clubedemandas. O resultado é que, na maior parte do tempo, há excessoesportebet clubetrabalhadores e, por consequência, muita competição entre eles", explica a socióloga.

Isso significa que, na prática, os operáriosesportebet clubedados não conseguem bater as metas estabelecidas pelos empregadores e, como são remuneradosesportebet clubeacordo com isso, ganham valores reduzidos por cada hora trabalhada.

Quem são os trabalhadores fantasmas?

Gulherme sorrindo para fotoesportebet clubeárea externaesportebet clubecasa

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Guilherme Graper, 24 anos, conta que seus ganhos no setor variam muito

A pesquisa Microtrabalho no Brasil constatou que há muitas pessoas com diploma universitário fazendo esse tipoesportebet clubeserviço.

Dos quinze participantes selecionados para entrevistas, como uma amostra representativa do setor, treze eram formadosesportebet clubecursos variados, como direito, administração, ciências da computação e fisioterapia.

Seteesportebet clubecada dez trabalhadores deste mercado têm entre 18 e 35 anos, segundo o estudo. De cada cinco, três são mulheres.

A maioria mora nos Estadosesportebet clubeSão Paulo (28,8%), Rioesportebet clubeJaneiro (12,6%) e Minas Gerais (9,7%).

O estudante Gustavo Luiz,esportebet clube19 anos, se divide entre o cursoesportebet clubeinteligência artificial da Universidade Federalesportebet clubeGoiás, e o emprego como operárioesportebet clubedados.

“Estou trabalhado no desenvolvimentoesportebet clubeum sistemaesportebet clubeIA para analisar sentimentos expressosesportebet clubetextos e frasesesportebet clubeportuguês”, conta ele.

“Esse modelo vai receber dados e tentar encontrar padrões, comoesportebet clubesentimentos,esportebet clubecomentários nas redes sociais.”

Por ser um fenômeno detectado mais recentemente, não há dados precisos sobre o aumento da demanda por esse tipoesportebet clubetrabalho no Brasil.

Mas ofertas do tipoesportebet clubeplataformasesportebet clubetrabalho, como a rede social LinkedIn, têm se multiplicado. Para começar a trabalhar com isso, normalmente basta se cadastraresportebet clubeum site e seguir as orientações.

Guilherme Graper,esportebet clube24 anos, conta que trabalhaesportebet clubeuma plataforma da Amazon, mas contratado por outras empresas.

"Por exemplo, tem uma demandaesportebet clubecolocar nomesesportebet clubemédicos nesse sistema para treinar uma IA para pesquisar por médicosesportebet clubetoda a internet", explica.

Os ganhos variam muito. Guilherme diz que já chegou a tiraresportebet clubeum mês apenas R$ 300, mas também já ultrapassou a casa dos R$ 5 mil. Em média, ele calcula que ganha cercaesportebet clubeR$ 2 mil mensais.

Trabalhadores terceirizados do ‘Sul global’

Na maioria dos casos, as empresas que contratam trabalhadores fantasmas prestam na verdade serviços para outras bem maiores.

Gigantesesportebet clubetecnologia, como Meta (do Facebook e Instagram) e a OpenAI (do ChatGPT) subcontratam os seus operáriosesportebet clubedados.

"Trata-seesportebet clubeuma realidade do Sul Global [termo que designa países mais pobres, a maioria localizada no hemisfério sul]. São trabalhadores na Venezuela, na Colômbia, no Quênia", ressalta Grohmann.

Apesaresportebet clubeestarem distantes dos maiores centros mundiaisesportebet clubetecnologia, como o Vale do Silício californiano, usualmente os operáriosesportebet clubedados treinam IAsesportebet clubepropriedade das grandes marcas do setor.

"A distância não é somente geográfica, como também linguística e cultural. Geralmente, essa distância leva a reduçãoesportebet clubecustos para as empresas do Vale do Silício, mas resultamesportebet clubebaixa qualidade", comenta a socióloga Paola Tubaro.

Tanto a terceirização quanto a faltaesportebet cluberegulamentação da profissão levam também, segundo Tubaro, a "práticas sob condições indesejáveis, com precariedade, baixos pagamentos, faltaesportebet clubereconhecimento, informalidade e, comoesportebet clubecasosesportebet clubemoderaçãoesportebet clubeconteúdoesportebet cluberedes sociais, riscos à saúde mental".

"Os moderadoresesportebet clubeconteúdo das redes sociais ainda estão expostos a riscos psicológicos", completa Tubaro.

Isso por efeito do contato diário com imagensesportebet clubecrueldade, crimes e outras atrocidades que são detectadas pelo algoritmo dessas plataformas e, depois, repassados para avaliação humana.

Homem sentadoesportebet clubemesa dianteesportebet clubetela virtual mostrando conversa com chatbot

Crédito, Getty Images

É aí que atuam os moderadores: no pente fino do que pode ou não ser publicadoesportebet cluberedes sociais.

Já há, contudo, iniciativas que visam regulamentar esse trabalho. É o caso do projeto global Fairwork, coordenado pelo instituto Oxford Internet e pelo Centroesportebet clubeCiências Sociais WZB Berlin.

Presenteesportebet clube38 paísesesportebet clubecinco continentes, inclusive no Brasil, a organização denuncia abusos relacionados aos trabalhadoresesportebet clubedados, alémesportebet clubepropor soluções.

Em todo o mundo, a Fairwork afirma ter convencido 64 empresasesportebet clubetecnologia a implementar um totalesportebet clube300 mudançasesportebet clubepolíticas internas, comoesportebet clubesalários mínimos para a categoria.

A organização é influente principalmente na Europa, mas também tem presença no Brasil, onde tem atuadoesportebet clubeprol da criaçãoesportebet clubeleis para regularizar essa categoriaesportebet clubetrabalhadores.

A Fairwork destacaesportebet clubeseu site que está "envolvida com o grupoesportebet clubetrabalho tripartido do governo (brasileiro) que procura elaborar um projetoesportebet clubelei para proteger os direitos dos trabalhadores".

Alémesportebet clubeatuar no Congressoesportebet clubefavoresportebet clubeleis que garantam mais direitos trabalhistas, a organização produz relatórios que denunciam o cenário no Brasil.

O documento, divulgadoesportebet clube2023, apontou que,esportebet clubeuma análiseesportebet clubeonze empresas do setor, apenas duas conseguiam garantir ao menos um salário mínimoesportebet clubepagamento a estes trabalhadores.

Tubaro avalia que estas iniciativas podem ajudar a combater condiçõesesportebet clubetrabalho que são consideradas precárias.

A pesquisadora destaca como bons exemplos leis recentemente aprovadas na Alemanha e na França e que, segundo avalia, "exigem que pelo menos as grandes empresas exerçam a devida diligência no respeito dos direitos humanos e laborais ao longoesportebet clubesuas cadeiasesportebet clubeabastecimento".

Trata-seesportebet clubeum problema global. A Fairwork produz relatórios sobre os cenários para os microtrabalhadoresesportebet clube36 países, tantoesportebet clubedesenvolvimento, como Argentina, Quênia e Índia, quanto desenvolvidos, como França e Estados Unidos.

Segundo um desses relatórios, 16% dos trabalhadores americanos realizam alguma formaesportebet clubemicrotrabalho, mesmo que como renda secundária. É o país que lidera o ranking neste quesito.

Dentre a atuaçãoesportebet clubetreze empresas nos Estados Unidos, apenas 3 alcançaram os critérios estabelecidos para serem consideradas como ambientesesportebet clubetrabalho justos.

"Há custos globais para esse rápido desenvolvimento e pelo aumento da presença da IA", afirma o pesquisador Rafael Grohmann. "Mas há especificidades para cada país e isso exige atenção".

Em países como os Estados Unidos, esses trabalhadores costumam atuar mais, por exemplo, como motoristasesportebet clubeUber.

"As tarefas mais precárias, como asesportebet clubemoderaçãoesportebet clubeconteúdo, costumam ser terceirizadas para nações da África, da Ásia e da América Latina", diz Grohmann.