Dimas, o 'bom ladrão' que virou o primeiro santo do cristianismo:quick slot

A fuga para o Egito,quick slotpinturaquick slotFra Angelico, século 15

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A fuga para o Egito,quick slotpinturaquick slotFra Angelico, século 15

Em ambos, o trecho prossegue citando que o povo e as autoridades passaram a insultar Jesus. E termina ressaltando que “até os bandidos crucificados com ele o injuriavam da mesma forma”.

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O evangelhoquick slotLucas é o que traz a descrição mais curiosa sobre a interação que Jesus teria tido com os outros dois condenados.

Após enfatizar que o protagonista da história havia sido crucificado no centro, entre "dois malfeitores", o evangelista também cita as zombarias da população e atéquick slotsoldados.

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Mas prossegue a narração incluindo os outros dois crucificados.

"Um dos malfeitores crucificados o insultava: 'Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também!' Mas o outro o repreendeu, dizendo: 'Tu nem sequer tens o temorquick slotDeus, tu que sofres a mesma pena! Para nós, é justo: nós recebemos o que os nossos atos mereceram; mas ele não fez nadaquick slotmal'", diz o trecho.

"E dizia: 'Jesus, lembra-tequick slotmim quando vieres como rei'. Jesus lhe respondeu: 'Em verdade eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso'", complementa a passagem do evangelhoquick slotJoão.

Para a tradição cristã, este criminoso acabou sendo classificado como "o bom ladrão".

E tanto a tradição como pesquisasquick slotalguns evangelhos apócrifos chegaram ao nomequick slotDimas como sendo a identidade deste cidadão.

O Martirológio Romano, o catálogo dos santos considerados oficiais pelo Vaticano, registra-o como o "santo ladrão, chamado Dimas, segundo a tradição". E o define como aquele "que na cruz professou a féquick slotCristo e mereceu ouvir dele estas palavras: 'Hoje estarás comigo no paraíso'".

Canonizado pelo próprio Jesus

"A tradição o faz padroeiro dos prisioneiros, condenados e ladrões arrependidos", conta à BBC News Brasil o pesquisador José Luís Lira, fundador da Academia Brasileiraquick slotHagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará.

Para religiosos e estudiososquick slothagiologias, ele foi o primeiro santo da história.

"É interessante comparar um processoquick slotcanonização com a sagraçãoquick slotSão Dimas", comenta o pesquisador Thiago Maerki, associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.

"Porque ele foi declarado santo pelo próprio Cristo, foi Cristo quem o canonizou. Seguindo essa linha eclesiológica, embora não tenha sido uma canonização nos moldes convencionais,quick slotsagração seriaquick slotcausar inveja a qualquer santo, a qualquer cristão", acrescenta ele.

"Mesmo sendo a inveja um sentimento não aceitável para um cristão, estou falando sóquick slotbrincadeira. Mas ser declarado pelo próprio Jesus é uma coisa única. E São Dimas recebeu isso."

Lira concorda que "a pessoa representada no nomequick slotDimas" deve ser considerada o primeiro santo da história.

"É o bom ladrão. Uma das testemunhas do sacrifício maiorquick slotJesus, a crucificação", diz.

"Ele pediu a Jesus que se lembrasse dele quando estivesse no paraíso e Jesus confirmou que ainda naquele dia ele estaria 'comigo no paraíso'. Podemos dizer que o próprio Cristo o canonizou, o elegeu, levando-o consigo ao seu reino."

Saber quemquick slotfato foi Dimas e se ele existiu mesmo envolve cruzar informaçõesquick slotduas fontes:quick slotum lado, os textos apócrifos que falam um pouco sobre ele — considerando, é claro, que neles é difícil saber onde acabam os fatos e começam os mitos;quick slotoutro, o que se sabe sobre a prática da crucificação na Roma antiga.

Nos apócrifos

"Os evangelhos canônicos não registram seu nome. Somente a tradição e os apócrifos e, a partir dos apócrifos tem muitas histórias sobre ele, mas carecemquick slotcomprovação", ressalva Lira.

"Ele não foi discípulo nem apóstoloquick slotJesus, contudo, na hora áureaquick slotque Jesus disse 'tudo está consumado', ele estava ali bem próximo e, ao contrário do outro crucificado que pedia a Jesus para livrar-lhe da morte, ele pediu a salvação, diríamos, a melhor parte, no que foi atendido pelo próprio Deus filho,quick slotimediato."

Considerando os quatro evangelhos canônicos, é curioso o fatoquick slotque a menção aos dois ladrões não é equivalente.

"Em Marcos equick slotMateus, dois criminosos foram crucificados com Jesus e ambos o ultrajaram e o insultaram. Diferentemente daquilo narradoquick slotLucas,quick slotque um deles [o que seria Dimas] o defendeu", compara Maerki.

"Já João fala sobre duas pessoas que foram crucificadas com Jesus, mas não faz qualquer menção aos insultos."

O mais antigo registroquick slotque se tem conhecimento do nome do bom ladrão remonta ao século IV. Está no Evangelhoquick slotNicodemos. Ali são apresentados Dimas e também o mau ladrão, Gestas.

"Na verdade, nesse texto ele é chamadoquick slotDisma", atenta Maerki, ressaltando que outras tradições cristãs conferem a ele outros nomes, como Demas, para os coptas, e Rakh, para os ortodoxos russos.

Nesse evangelho, há inclusive menções aos crimes cometidos por ele.

"Diz-se que ele era originário da Galileia e que lá era donoquick slotuma pousada", complementa o pesquisador.

"Ele atacava os ricos, mas se preocupava com os pobres, favorecia os pobres, seria uma espéciequick slotRobin Hood cristão."

"No chamado Evangelho Árabe da Infânciaquick slotJesus ele é Tito e o outro ladrão, Dímaco", conta Maerki, citando o texto apócrifo do século 6.

Neste documento, aliás, está a mais curiosa narrativa incluindo os dois companheirosquick slotexecuçãoquick slotJesus.

"Ele [o evangelho] diz que Tito e Dímaco, juntamente a outros ladrões do seu bando, teriam tentado roubar Maria e José [os paisquick slotJesus], durante a fuga para o Egito [episódio ocorrido logo após que Jesus nasceu, segundo o evangelhoquick slotMateus], mas Tito impediu que isso acontecesse, o que configuraria um prenúncioquick slotque ele era um homem que se tornaria santo", conta o pesquisador.

Segundo a narrativa, o então bebê Jesus teria visto os bandidos e profetizado que, 30 anos mais tarde, os três morreriam juntos, condenados à execução na cruz.

Maerki enfatiza que, conforme esse texto, Jesus teria dito que Tito o "precederia no paraíso".

"Isso é muito interessante", comenta ele.

Crucificação

É preciso lembrar, contudo, que a crucificaçãoquick slotJesus, seja ao ladoquick slotoutros dois considerados criminosos, sejaquick slotoutra configuração, não foi uma exceção. Era o modus operandi condenatório da Roma antiga.

"Crucificar alguém era uma decisão do Estado", frisa à BBC News Brasil o historiador André Leonardo Chevitarese, professor do Institutoquick slotHistória da Universidade Federal do Rioquick slotJaneiro (UFRJ) e autor de, entre outros livros, Jesusquick slotNazaré: o que a história tem a dizer sobre ele.

Este ponto é importante porque, segundo o pesquisador, promove uma leitura que aceita a ideiaquick slotque Jesus tenha sido executado na companhiaquick slotoutros dois.

"A prática das crucificações culminou com a execuçãoquick slot6 mil escravos ao longo da Via Ápia. A médiaquick slotcrucificações na guerra judaico-romana eraquick slot500 pessoas por dia. Então, a ideiaquick slottrês indivíduos crucificados simultaneamente não é estranha, fazia parte da rotina", pondera.

O pesquisador diz que, partindo dos relatos tanto dos evangelhos canônicos quanto dos apócrifos, é possível entender que aqueles três condenados, inclusive Jesus, eram na verdade "bons ladrões".

"Todos foram crucificados sob o argumentoquick slotque eram 'bandidos sociais', ou seja, ao estiloquick slotLampião equick slottantos outros."

Para Chevitarese, se há um problema histórico na menção aos outros dois condenados, isto não reside no fatoquick slothaver ou não crucificações coletivas.

Mas sim no pontoquick slotque a menção ao númeroquick slottrês condenados só aparecequick slotnarrativas da segunda metade do século I, ou seja, muito após a mortequick slotJesus.

"Paulo [cujas cartas são os textos mais antigos, cronologicamente, do Novo Testamento], que escreveu nos anos 50 [do primeiro século], não faz menção a dois outros indivíduos crucificados com Jesus. Ele apenas diz que Jesus havia sido crucificado", salienta o historiador.

Jesus crucificado entre os ladrões,quick slotpinturaquick slotVeronese, século 16

Crédito, Domínio Público

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Jesus crucificado entre os ladrões,quick slotpinturaquick slotVeronese, século 16. Tradicionalmente, o bom ladrão é o que está à direitaquick slotJesus

Um trio na cruz

"Não estou dizendo que historicamente aquele fato se deu ou não, mas estou dizendo que historicamente o Estado romano podia, sim, crucificar, um indivíduo, três indivíduos, cinco ou dez ou 6 mil", comenta.

Mas quando o olhar se detém minuciosamente nos textos sagrados há discrepâncias e incongruências que botamquick slotxeque a própria existênciaquick slotSão Dimas. "É quando [a autoridade] Pilatos argumenta que faz parte da tradição romana libertar um prisioneiro durante o diaquick slotfesta, à épocaquick slotfesta", atenta Chevitarese, ressaltando que tal "costume" não encontra endossoquick slotoutros documentos antigos.

Na sequência dessa narrativa, são apresentados à multidão Jesus e outro condenado, Barrabás, para que o escrutínio popular escolhesse qual dos dois deveria ser executado e qual ganharia a absolvição. "Este é pontoquick slotpartida", diz Chevitarese.

"Atente para o fatoquick slotque só dois foram chamados para essa escolha, os outros dois [supostamente mortos ao ladoquick slotJesus] não foram chamados. Há, portanto, uma incongruência."

A figuraquick slotBarrabás, o bandido libertado depois da a popular, é ainda mais difícilquick slotser confirmada.

"Nunca encontramos qualquer vestígio ou indícioquick slotque era da tradição romana libertar um prisioneiroquick slotépocaquick slotfesta,quick slotqualquer província romana", salienta.

"Se existiam quatro prisioneiros, Jesus, Barrabás, Dimas e o outro bandido social, por que eles todos não foram perfilados um ao lado do outro,quick slotmodo que o povo pudesse escolher?", questiona o pesquisador.

"Talvez porque nunca tenha existidoquick slotfato essa cena. Um crucificado indo parar diantequick slotalguém como Pilatos, uma autoridade como Pilatos perdendo tempo com esses caras… Isso é pura ficção."

Para Chevitarese, essa passagem "não tem nadaquick slothistória", mas sim é "um discurso antissemita, o momentoquick slotque se constrói a narrativaquick slotquequick slotum lado está Jesus,quick slotoutro Barrabás, o povo judaico". "Nessa passagem está a ideiaquick slotque os judeus mataram o próprio Deus. E daí para a frente é só ladeira abaixo", argumenta.

Considerando tudo isso, o historiador explica que, no âmbito das narrativas neotestamentárias, “quando ocorrequick slotse deparar com um personagem cuja menção não trazquick slothistória pregressa, tampoucoquick slothistória após do fato que justificaquick slotinserção no texto, a probabilidadequick slotele ser um personagem meramente literário é gigantesca".

"Dimas é exatamente isso. Seu nome já é tradição pura. Essa figura, a ideia do bom e do mau ladrão, é literatura, não tem fundo histórico, não tem nada. A ideia é mostrar que até o último segundo Deus tem o poderquick slotsalvar o pecador", contextualiza Chevitarese.

A crucificação,quick slotpinturaquick slotHans Von Tübingen, século 15

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A crucificação,quick slotpinturaquick slotHans Von Tübingen, século 15

Última conversa

Tudo isso precisa ser levadoquick slotconta. Mas considerando que os crucificados sofriam dor e humilhação descomunais, faz sentido imaginar que Jesus tenha conseguido interagir minimamente com dois colegas?

"Eles [os crucificados] estavam cheiosquick slotdores, cãibras, sensações horrorosas, dificuldadesquick slotrespiração, enfrentando a voracidadequick slotavesquick slotrapina. Era um tortura absolutamente violenta, os caras estavam quebrados", diz o historiador.

Mas, neste caso, há um certo lastro histórico para tal comportamento. Chevitarese lembra dos relatos do historiador Flávio Josefo (37-100). Há uma passagemquick slotque, quando Josefo andava por uma áreaquick slotque havia um enorme grupoquick slotcrucificados, acabou intercedendo para que trêsquick slotseu amigos fossem libertados. Corria o anoquick slot69. As autoridades atenderam ao seu pedido.

"Então, por mais macabra que possa ter sido essa conversa, houve uma conversa entre Josefo e seus amigos que estavam sofrendo sob a cruz", afirma o historiador.

Chevitarese também lembra que esse tipoquick slotcomportamento poderia ser observado "ao menos no início das torturas", quando os condenados estariam "lastimando ali suas horas finaisquick slotvida". "E isso não seriaquick slottodo estranho,quick slottodo absurdo", concorda