Carlos Chagas: há 90 anos morria o único cientista a descrever completamente uma doença:greenbets

Chagas não levou o Nobel, mas acabou reconhecido com diversas outras honrarias nacionais e internacionais. Tornou-se membro honorário da Academia NacionalgreenbetsMedicina e recebeu o doutorado honoris causa das universidadesgreenbetsHarvard e Paris.

"Carlos Chagas alcançou grande reconhecimento, no Brasil e no exterior, imediatamente após a descoberta da doença que leva seu nome", diz à BBC News Brasil a socióloga e historiadora Simone Petraglia Kropf, autora do livro Carlos Chagas, um Cientista do Brasil e pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Ela lembra quegreenbetsfiliação à Academia NacionalgreenbetsMedicina "atraiu a atenção da imprensa, que celebrou o grande feito da ciência nacional".

"Em 1911, seus estudos sobre a doença foram destaque no pavilhão brasileiro na Exposição InternacionalgreenbetsHigiene,greenbetsDresden, na Alemanha", acrescenta.

"Em 1912, foi agraciado com o Prêmio SchaudinngreenbetsProtozoologia, concedido pelo InstitutogreenbetsDoenças TropicaisgreenbetsHamburgo", enumera a pesquisadora.

"Ao longogreenbetssua vida, tornou-se membrogreenbetsprestigiadas instituições médicas e científicasgreenbetsvários países, especialmente no campo da medicina tropical, e foi agraciado com importantes prêmios e honrarias."

Mas o não recebimento do Nobel, para o qual foi indicadogreenbets1913 e 1921, ainda é visto por muitos como uma injustiça histórica.

"Acho que foi uma fratura, uma mágoa para a ciência do Brasil. Porque ele tinha chancegreenbetsconseguir, mas uma sériegreenbetstalvez conflitos internos, invejas e algumas coisas nesse sentido fez com que seu nome não fosse o escolhido", comenta à BBC News Brasil a historiadora RitagreenbetsCássia Marques, professora titular na Universidade FederalgreenbetsMinas Gerais (UFMG).

"E ele tinha chances, sim,greenbetsganhar, porque é muito difícil fazer o que ele fez: a identificaçãogreenbetsuma doençagreenbetstodos o seu ciclo, desde o bichinho até todo o desenvolvimento. Isso é muito raro e uma coisa muito importante", completa Marques.

"A descoberta dele foi única […] e mereceria um prêmio Nobel, obviamente", diz à BBC News Brasil a historiadora Ana Nemi, professora na Universidade FederalgreenbetsSão Paulo (Unifesp).

Ela atribui ao contexto hierárquico consolidado entre o norte global e o sul global o fatogreenbetsele jamais ter sido laureado com o prêmio.

"Na época eram outros termos, eram países modernos versus países atrasados. O fato é que existe essa hierarquiagreenbetsproduçãogreenbetssaberes e conhecimentos e é muito difícil quebrar [esta barreira] sendo pesquisadores do sul global", analisa.

Queria ser médico desde criança

Nasceu elegreenbetsOliveira, municípiogreenbetsMinas Gerais,greenbetsuma famíliagreenbetscafeicultores. Quis se tornar médico ainda criança, por influênciagreenbetsum tio. Sua mãe reprovava a ideia — preferia um filho engenheiro.

Formou-segreenbets1902 pela FaculdadegreenbetsMedicina do RiogreenbetsJaneiro, hoje Universidade Federal do RiogreenbetsJaneiro.

Quando pesquisava paragreenbetstesegreenbetsconclusãogreenbetscurso, acabou indo até o Instituto Soroterápico Federal, conhecido como Manguinhos, que era dirigido por Oswaldo Cruz. Foi o primeiro contatogreenbetsambos e o iníciogreenbetsuma amizade.

Chagas não só fezgreenbetspesquisagreenbetsgraduação, sobre o ciclo evolutivo da malária, como ganhou lá o seu primeiro emprego — atualmente é o Instituto Oswaldo Cruz.

Depoisgreenbetsuma breve experiência como clínico no HospitalgreenbetsJurujuba,greenbetsNiterói, Chagas acabou nomeado médico da diretoria-geralgreenbetsSaúde Pública do RiogreenbetsJaneiro.

A partirgreenbets1905, a carreiragreenbetsCarlos Chagas passou a se voltar para o combate a doençasgreenbetscampanhasgreenbetssaneamento. Cruz o convidou para atuargreenbetstrabalhosgreenbetscontrole da malária no interior paulista.

Seu trabalho foi bem-sucedido e acabou servindogreenbetsprotocolo para outras iniciativas pelo país. Ele mesmo se engajou nesse trabalho, posteriormente, no Rio egreenbetsMinas, alémgreenbetsSão Paulo.

Quando trabalhavagreenbetsMinas,greenbets1907, identificou um protozoário no sanguegreenbetsum sagui, batizado por elegreenbetsTripanosoma minasensis.

Na mesma época, um engenheiro que trabalhava na construçãogreenbetsuma ferrovia na região da cidadegreenbetsLassance, perto do Rio São Francisco, contou a ele que havia ali a infestaçãogreenbetsum inseto hematófago chamadogreenbetsbarbeiro.

Após análises, o médico concluiu que se tratavagreenbetsoutro protozoário, parecido com o que atacava os macacos. Batizou o parasitagreenbetsTrypanosoma cruzi. A descoberta do brasileiro foi publicadagreenbetsuma revista acadêmica alemã,greenbets1909. A notícia repercutiugreenbetstodo o continente europeu.

Nos anos seguintes, Chagas seguiu examinando pessoas atacadas pelo parasita, até compreender na totalidade o complexo ciclo da doença e suas consequências para os humanos.

Não chamava a doença pelo seu nome

A enfermidade acabou chamadagreenbetsdoençagreenbetsChagas, mas o próprio cientista recusava o rótulo. Seguia denominando-agreenbetstripanossomíase americana.

"Além dos conhecimentos sobre a doença que leva seu nome, Carlos Chagas trouxe contribuição científica inovadora também por seus estudos sobre as características biológicas do Trypanosoma cruzi", detalha Kropf.

"Eles elucidaram importantes aspectos da relação entre parasitas e seus vetores, tema que mobilizava a comunidade científica internacional no campo da medicina tropical na época. Seus estudos sobre a transmissão e o controle da malária foram também uma contribuição científica a ser destacada."

Na década seguinte, o cientista dividiu-se entre conferências e eventos acadêmicos, divulgandogreenbetsdescoberta e o envolvimentogreenbetsoutras ações sanitárias pelo Brasil. Esteve na Amazônia, visitando ribeirinhos e buscando compreender as epidemias que assolavam a região.

Três dias após a mortegreenbetsOswaldo Cruz, Chagas foi nomeado seu sucessor na direção do instituto que hoje leva o nome do primeiro. Em 1925, coube a ele recebergreenbetsvisita à entidade o físico alemão Albert Einstein, que visitava o país.

Quando o Brasil foi acometido pela gripe espanhola,greenbets1918, a presidência da República o convidou para que ele dirigisse as açõesgreenbetscontenção da epidemia. Criou cinco hospitais emergenciais e mandou publicar cartazesgreenbetsorientação para a população. Ele ficou envolvido com o caso até o fim da epidemia no Brasil.

Em 1919, foi nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa (1865-1942) como diretor geralgreenbetsSaúde Pública, acumulando este cargo com o do instituto que já dirigia. Sua missão era organizar pública brasileira. Ele centralizou os sistemas sanitários e focou esforçosgreenbetscampanhas para controle e erradicaçãogreenbetsepidemias como a malária e o malgreenbetsChagas.

Marques lembra que o médico teve papel importante também na estruturação das carreirasgreenbetssaúde no Brasil, com a institucionalizaçãogreenbetsescolasgreenbetsenfermagem, por exemplo.

"Dá uma melhor dinâmica para preparar melhor os profissionais para interferir, para intervir e para trabalhar na saúde pública. As enfermeiras são muito importantes. As educadoras sanitárias são personagens novas que incorporam novas tarefas e ganham diploma por isso", lembra ela.

Para a professora, esse movimento passou a criar uma lógica entre os profissionaisgreenbetssaúde "trabalhando mais numa perspectiva da educação,greenbetsprevenção e da promoçãogreenbetssaúde". "Isso é um legado importante do Carlos Chagas", frisa.

"Chagas deixou importante legado como gestor da saúde pública federal, ao implementar serviços e políticasgreenbetssaúde nos vários estados do país, sobretudo nas áreas rurais", diz Kropf.

Ele morreu com apenas 55 anos, vítimagreenbetsum infarto.

Legado

"Apesar do foco nagreenbetspessoa, é importante ressaltar que o reconhecimento conferido a Carlos Chagas foi resultadogreenbetsum trabalho coletivogreenbetspesquisa, que mobilizou outros pesquisadores do InstitutogreenbetsManguinhos", recorda Kropf.

"Além disso, foi um reconhecimento fundamental para mostrar que os cientistas brasileiros não se restringiam a copiar conhecimentos produzidos no exterior, mas que tinham plena capacidadegreenbetsproduzir contribuições científicas originais,greenbetssintonia com a agenda internacional."

Para a socióloga e historiadora, o legadogreenbetsChagas não se restringe "aos conhecimentos científico que produziu", mas também "àgreenbetsvisão mais ampla sobre o compromisso social e político que a ciência brasileira deve assumir,greenbetsbuscagreenbetssoluções concretas para os problemasgreenbetssaúde da população brasileira".

"Ele fazia sempre questãogreenbetsafirmar que a doença que leva seu nome era um exemplo das más condiçõesgreenbetssaúde egreenbetsvida das populações pobres do interior do Brasil e que, por isso, ela e outras endemias rurais deveriam ser consideradas prioridades na agenda política da saúde pública", pontua ela.

"A ciência que vem sendo produzida na Fiocruz desdegreenbetscriação estágreenbetssintonia com essa visão e esse legado, que atualmente se expressam no compromisso da instituição com os valores e nos princípios do SUS [o Sistema ÚnicogreenbetsSaúde, do governo federal]."

Nemi ressalta ainda como importante legadogreenbetsChagas "os passos que foram dados, a partirgreenbetssua pesquisa" para a compreensão e o estabelecimentogreenbetsmétodosgreenbetscontrole e erradicação das doenças tropicais. Ela vê nele alguém que abriu caminhos para "a possibilidadegreenbetsse discutir determinações sociaisgreenbetsdoenças".