Portugueses falando 'brasileiro'? Como variante do idioma usada no Brasil influencia Portugal:f12.bet login
Em Portugal, pode ser “um carrof12.bet logincavalos destinado ao transportef12.bet loginpessoas”, ou uma carruagem,f12.bet loginacordo com a definição do dicionário da Porto Editora.
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Levandof12.bet loginconta a localização da placa, a palavra "trens" se refere às carruagens puxadas por cavalos que fazem passeios com turistas por Sintra.
O episódio faz eco a muitos outros casosf12.bet loginportugueses "puristas" que cada vez mais rejeitam a presençaf12.bet loginvocabulários e construções brasileiras na língua faladaf12.bet loginseu país.
Esse repúdio fica clarof12.bet loginmuitas das reações às notícias e manchetesf12.bet loginjornal que denunciam há alguns anos a influência dos conteúdos produzidos por brasileiros nas redes sociais e no YouTube nas crianças e jovens portugueses.
Enquanto alguns veem a cobertura da imprensa como exagerada e apontam o peso da xenofobia nas visões propagadas, outros fazem coro às queixas e temem que a presença cada vez maior dos vocábulos importados seja sinalf12.bet loginum "apagamento" da cultura local.
Há ainda quem aponte o grande e crescente fluxo migratório - havia 360 mil brasileirosf12.bet loginPortugalf12.bet login2022, segundo o Itamaraty - como outro fator que contribui para isso.
Mas por que a possibilidade da variante usada no Brasil ser encontradaf12.bet loginPortugal provoca tanta indignação entre alguns cidadãos? E qual a verdadeira extensão dessa influência?
Para Fernando Venâncio, linguista português que estuda o tema há décadas, há sim uma presença cada vez maiorf12.bet logintraços importados do outro lado do Atlântico no idioma faladof12.bet loginterras portuguesas. Mas isso não é novidade.
“Desde finais dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, houve uma aquisiçãof12.bet loginbrasileirismos gigantesca”, diz Venâncio, autor do livro O Português à Descoberta do Brasileiro.
Na época, isso foi um reflexo principalmente do sucesso das novelas brasileirasf12.bet loginPortugal, explica o linguista. Agora, há um fenômeno novof12.bet logincurso, que envolve principalmente as crianças e adolescentes.
"Em Portugal, eles veem cada vez mais youtubers brasileiros, às vezes, por muitas horas”, diz Venâncio.
‘Aficionada pelos youtubers brasileiros’
A portuguesa Paula Lourenço é professoraf12.bet loginescolasf12.bet loginensino fundamentalf12.bet loginSintra há 24 anos.
Ela dá aulas para crianças entre 9 e 10 anos e diz que o usof12.bet loginexpressões e palavras brasileiras pelos seus alunos é cada vez mais evidente.
“Neste momento, na escola, tenho um casof12.bet loginum aluno que fala ‘brasileiro’ apesarf12.bet loginos pais serem portugueses”, conta.
A professora relata que esse aluno começou a ser vítimaf12.bet loginuma espécief12.bet loginbullying, com colegas implicando com a forma como ele fala.
"Por fim, descobrimos que ele ficava até altas horas da noite sem supervisão a ver vídeos, principalmente aqueles shorts [vídeos curtos] que são reproduzidos um atrás do outro.”
Segundo Paula, o gosto pelos vídeos produzidos por influenciadores e youtubers do Brasil é compartilhado por praticamente todos os seus alunos.
“Houve um boom principalmente durante a pandemia. Até eu já estou um pouco aficionada pelos youtubers brasileiros, porque comecei a ver para acompanhar o que meus alunos gostam”, diz a professora.
Mesmo nas aulasf12.bet logininglês, a professora Teresaf12.bet loginGruyter nota a repetição dos “brasileirismos”.
“Usamos muito a palavra ‘giro’f12.bet loginPortugal quando queremos falarf12.bet loginuma coisa que achamos engraçada ou interessante. Mas quase não ouço mais. Hojef12.bet logindia, utiliza-se mais ‘é bonitinho’, que é muito mais brasileiro”, conta a portuguesa, que dá aulas principalmente para adolescentesf12.bet loginuma escolaf12.bet loginlínguasf12.bet loginCascais.
Teresa nasceuf12.bet loginPortugal e se mudou para a África do Sul na décadaf12.bet login1990.
“Quando saí do país há 25 anos, estávamos muitos expostos ao português brasileiro através das telenovelas e das músicas", diz.
"Mas, desde a minha volta há menosf12.bet login10 anos, começo a notar que todo este mundo dos youtubers e tiktokers [produtoresf12.bet loginconteúdo da rede social TikTok] influenciam muito mais a maneiraf12.bet loginestar e a maneiraf12.bet loginfalar das crianças no geral.”
Graça Rio-Torto, professoraf12.bet loginLinguística da Universidadef12.bet loginCoimbra, vê, no entanto, as novas construções e palavras aprendidas pelas crianças e jovens portugueses como aprendizados positivos.
“Essas palavras novas enriquecem o léxico dessas crianças e não há mal nenhum nisso”, diz ela.
"Mas se os pais portugueses têm preocupação com o fato dos seus filhos estarem a falar mais abrasileirado, lamento. Mas os responsáveis são eles. Não é tanto o contato com colegas brasileiros na escola que fazem com que elas falem assim, mas o númerof12.bet loginhoras que os pais permitem que elas fiquem na internet."
A professora Paula Lourenço concorda: “Essa influência é boa pelos conhecimentos que transmite na área no enriquecimento do vocabulário, da globalização ef12.bet loginconhecer outras culturas”.
“O problema são os casos extremosf12.bet loginque já não sabem utilizar as expressões corretas nem no português do Brasil, nemf12.bet loginPortugal”, afirma Lourenço.
Para a professora, são o uso excessivof12.bet logintelas sem supervisão e o isolamento das crianças e adolescentes que prejudicam o aprendizado e a compreensãof12.bet logintextos.
Venâncio diz que o fatof12.bet loginjovens portugueses usarem expressões brasileiras não deveria ser motivof12.bet loginalarde.
“As crianças deixam sair uma ou outra palavra que ouviram no YouTube, mas é exagero dizer que passaram a falar ‘brasileiro’.”
‘Uma deturpação do português’
Entre os destaques do YouTube que servemf12.bet loginreferência para o sucesso brasileirof12.bet loginPortugal estão os canais dos irmãos Felipe e Luccas Neto, com respectivamente 46 e 42 milhõesf12.bet logininscritos.
Ao mesmo tempo, o canalf12.bet loginhumor Porta dos Fundos atrai o público adulto português há alguns anos.
Para a ex-doutoranda da Universidadef12.bet loginCoimbra na áreaf12.bet loginLinguística Jana Behling, o “impacto do brasileiro” também pode ser notado por meio da popularidadef12.bet logincantores como Marília Mendonça e até da literatura produzida por autores contemporâneos,f12.bet loginItamar Vieira Júnior a livros com conteúdo religioso.
“Coimbra é sempre mais conservadora, mas ainda assim desfila o ‘brasileiro’ no Poetry SLAM, que é uma competiçãof12.bet loginque poetas leem ou recitam um trabalho original”, ressalta.
Esse sucesso não acontece sem conflitos. Apesar dos consecutivos shows esgotadosf12.bet loginPortugal, Luccas Neto já foi repudiado por popularizar na fala portuguesa palavras brasileiras, como "geladeira" no lugarf12.bet login"frigorífico", "ônibus" no lugarf12.bet login"autocarro" e assim por diante.
“Alguns portugueses enxergam essa popularidade como se emporcalhasse a língua europeia”, avalia Behling.
“Isso sem falar nas gírias, típicas do despojamentof12.bet loginqualquer língua, mas que as xenofobias ainda olham com desdém.”
As professoras Paula Lourenço e Teresaf12.bet loginGruyter afirmam ouvir com frequência reclamaçõesf12.bet loginpais sobre as novas expressões adotadas pelos filhos.
“Alguns pais mais tradicionais reclamam ou corrigem os filhos quando os ouvem dizer palavras mais à brasileira”, dizf12.bet loginGruyter.
“Mas tem outros pais que são bastante flexíveis, principalmente na zona do país onde eu vivo,f12.bet loginque existem tantos estrangeiros”.
Lourenço acrescenta que, por outro lado, muitos pais não dão atenção a isso.
“As pessoas estão tão sobrecarregadas com o trabalho que deixam os filhos ficarem horas na frente das telas e não percebem como isso os está influenciando.”
O linguista Xoán Lagares, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), nota que ainda “há muito preconceitof12.bet loginrelação ao português do Brasil porque ele se diferenciaf12.bet loginmuitos pontos, sobretudo na sintaxe do que é a tradição normativa portuguesa constituídaf12.bet loginPortugal”.
“Então, para muitos portugueses, as diferenças são identificadas como erros, como uma deturpação do português”.
Mas, segundo Lagares, especialistaf12.bet loginhistória social e cultural das línguas, não existe uma versão mais correta da língua.
“No caso do português, não há uma gramática oficial. Há uma tradição normativa que se manifestaf12.bet logingramáticas e dicionários”, explica.
Essa tradição temf12.bet loginorigemf12.bet loginPortugal e foi elaborada a partir dos usos consideradosf12.bet loginprestígio no país.
“O que aconteceu é que no Brasil foram se desenvolvendo outros usosf12.bet loginprestígiof12.bet loginrelação à gramática”, diz o professor.
Por isso, vigora hoje no Brasil uma tradição normativa autoral e interpretativa, que pode variar conforme a gramática e a visão dos seus autores.
Para alguns linguistas, as diferenças entre as variedades que se estabeleceram dos dois lados do Atlântico já são tão grandes que deveria haver uma separação definitiva entre o português e o brasileiro.
“Não dá mais para dizer que falamos português do Brasil”, opina a linguista Jana Behling.
“Dou aulaf12.bet login'brasileiro' hojef12.bet logindia, porque algumas pessoas acham o brasileiro mais fácil do que o português. Isso para mim indica uma ruptura.”
Xoán Lagares, porém, afirma que ainda é difícil falarf12.bet loginsuas línguas separadas.
“Em termosf12.bet logindescrição linguística, não há um critério para dizerf12.bet loginque momento duas variantes se tornam línguas diferentes. Esse é um problemaf12.bet loginvárias partes do mundo. Por isso, muitas vezes, é apenas uma questão política.”
‘É uma moda como outra qualquer’
Mas qual a real influência do português do Brasilf12.bet loginPortugal, para além das críticas embutidas nas manchetesf12.bet loginjornais e dos "brasileirismos" denunciados nas redes sociais?
Segundo os especialistas consultados pela BBC News Brasil, é difícil prever o impacto que isso pode ter ao longo do tempo.
Até o momento, há poucas pesquisas publicadas que analisam o fenômeno – e novas expressões, palavras e estrangeirismos surgem e desaparecem nas línguas a todo tempo.
“Alguns youtubers brasileiros têm muita qualidade, e não é por acaso que as crianças assistem e também aprendem com eles”, diz Fernando Venâncio.
“Mas é impossível dizer se esse fenômeno novo vai ter futuro, porque também há alguns youtubers portugueses que estão a aprender bastante com os brasileiros e estão a produzir mais coisas com alguma qualidade.”
Para Xoán Lagares, a influência atual se dá sobretudo na sintaxe e a partirf12.bet loginalgumas construções específicas. Ou seja, não engloba toda a língua.
“É difícil que eles mudem, por exemplo, a colocação pronominal por conta da forma usada no Brasil. Essas coisas demoram e são difíceisf12.bet loginacontecer”, diz.
“Veja no Brasil, onde ensinamos a questão da ênclise e até hoje não se consolidou, muitos alunos precisam ser corrigidos na escola ef12.bet loginredações.”
O linguista afirma ainda que o próprio preconceito demonstrado por alguns portuguesesf12.bet loginrelação à variedade brasileira deve barrar qualquer influência maior.
“Há muitas questões identitárias,f12.bet loginreconhecimento da própria variedade ef12.bet loginlealdade linguística envolvidas”, afirma.
Porf12.bet loginvez, a linguista Graça Rio-Torto avalia que o inglês exerça uma influência hoje mais fortef12.bet loginPortugal do que o português falado no Brasil, sobretudo nas linguagens técnicas e da áreaf12.bet logininformática.
Ela é categórica ao afirmar que o português faladof12.bet loginPortugal não sofrerá mudanças profundas e permanentes a partir dessa influência, ao menos por enquanto.
Para ilustrar seu argumento, ela ressalta que Portugal passou por séculosf12.bet logindominação estrangeira e foi colonizado por árabes e espanhóis.
"Esses fatos tiveram alguma influência sobre a língua, mas não alteraram o rumo principal das mudanças linguísticasf12.bet logincurso”, diz ela.
"Como linguistas, não esperaríamos quef12.bet logintão pouco tempo ef12.bet loginum conjunto numericamente não tão significativo assimf12.bet loginfalantes pudesse ter uma influência decisiva sobre a língua."
Havia essa mesma preocupação, segundo ela, nos anos 1970, quando as novelas brasileiras eram muito populares.
"Também se dizia que muitas construções lexicais e até gramaticais iriam ser introduzidas na variedade portuguesa. Mas não foi tanto assim", diz.
"É uma moda como outra qualquer, circunscrita no tempo."