A trágica jornada do jovem síriobwin 88814 anos que morreu tentando cruzar Canal da Mancha:bwin 888
Obada e Ayser estavam entre as cinco pessoas que se afogaram, a poucos metros da terra firme, na costa do norte da França naquela noite. Foram também as primeiras pessoas a morrer na perigosa travessia para o Reino Unidobwin 8882024, apenas quinze dias após o início do novo ano.
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Para tentar entender como um jovem pode ser levado a esta situação, a BBC reconstruiu a viagembwin 888Obada desde a Síria usando vídeos, mensagens e entrevistas com familiares e outras pessoas que estavam no barco. O objetivo é entender as decisões dolorosas envolvidasbwin 888cada estágio da travessia.
Descobrimos a pressão extraordinária a que algumas crianças estão sujeitas – tanto por parte dos pais e familiares como dos criminosos que organizam as travessias.
Deparamos também com uma história mais ampla sobre os motivos e estratégias daqueles que procuram chegar ao Reino Unido - assim como sobre o impacto dos meiosbwin 888dissuasão que os governos britânicos ebwin 888outros países europeus introduziram nos últimos anos.
Nos meses que antecederam a travessia, os homens que acompanharam Obada na viagem — quase uma dúzia, todos do mesmo bairrobwin 888Daraa, cidade no sul da Síria — tentaram encorajar o menino, dizendo-lhe para ser forte, ser homem. Mas as palavras não estavam ajudando.
Era normal que homens se arriscassem na empreitada, visto que as mulheres são consideradas mais vulneráveis e parte da viagem incluía transitar pela Líbia devastada pela guerra. Mas também havia duas mães com filhos adolescentes tentando fazer a travessia na mesma noite que Obada.
Era cedo no domingo, 14bwin 888janeiro, e o vento havia diminuído o suficiente para que as ganguesbwin 888contrabandistas tentassem lançar as primeiras travessiasbwin 8882024.
Ao todo, maisbwin 88860 pessoas disputavam um lugar no barco – passageiros demais para caberem com segurança. Os contrabandistas distribuíram câmarasbwin 888arbwin 888pneusbwin 888moto como dispositivosbwin 888flutuação, com instruções para não inflá-las até que o barco estivesse a caminho da Inglaterra.
No momentobwin 888zarpar, houve uma agitação frenética enquanto as pessoas corriam para o mar tentando entrar no barco que se afastava da costa. E no caos crescente surgia uma sensação cada vez maiorbwin 888confusão.
O grupo não estavabwin 888uma das típicas praias largas da costa norte da França. Em vez disso, os contrabandistas os levaram para o centrobwin 888Wimereux, uma pequena cidade turística a norte do portobwin 888Boulogne. O barco sairiabwin 888uma rampabwin 888uma áreabwin 888mar alto, no meiobwin 888um grande paredão.
'Não é o que esperávamos'
Não havia uma praia para atravessar as ondas rasas enquanto tentavam embarcar, mas sim uma queda acentuadabwin 888águas profundas.
"Não é o que esperávamos", disse um dos sobreviventes.
Em seu quarto no oestebwin 888Londres, outro irmãobwin 888Obada, Nada,bwin 88825 anos, esperava por notícias olhando sem parar para o telefone. Era 1h da manhãbwin 888Londres, 2h na França.
Algumas horas antes, Nada havia telefonado para todo o grupo enquanto eles se aqueciam ao redorbwin 888uma fogueirabwin 888seu acampamento improvisado sob uma pontebwin 888Calais. Eles pareciam confiantesbwin 888que jornada que tinham pela frente ia dar certo.
Até mesmo Obada, usando um chapéubwin 888tricô escuro e um lenço azul, sorriu e ergueu dois dedos para a câmerabwin 888sinalbwin 888vitória. Sua longa e difícil jornada estava quase no fim.
Nada tinha feito a mesma travessia ilegal dois anos antes, ignorando o seu pai, que lhe pediu para ter paciência, sugerindo que a guerra na Síria poderia terminarbwin 888breve.
"Mas esperamos 12 anos e não acabou. Não há segurança. Não havia (outra) maneirabwin 888pedir asilo", o irmãobwin 888Obada se lembrabwin 888ter dito ao pai. Nada é um homem barbudo,bwin 888fala mansa e alto, como todos os seus irmãos.
Nada decidiu ir para a Inglaterra porque um tio já havia feito a viagem quase uma década antes e recebeu permissão para permanecer. Eles escolheram a travessia ilegal porque, segundo Nada, não havia outra alternativa.
De acordo com a Asylum Aid, uma instituiçãobwin 888caridade que presta aconselhamento jurídico especializado a pessoas que procuram asilo, na prática não há formabwin 888os cidadãos sírios solicitarem asilo sem viajarem pessoalmente para o Reino Unido.
A grande maioria tenta atravessar a fronteira ilegalmente porque não há vistos destinados a quem quer pedir asilo. Até mesmo o reagrupamento familiar – uma das poucas vias legais – é definidobwin 888forma restrita e os vistos são frequentemente recusados.
Mas maisbwin 88890% dos sírios que solicitam asilo depoisbwin 888chegarem ao Reino Unido são bem-sucedidos, devido ao conflito que ainda assola o seu país.
Ao chegar a Inglaterra, Nada disse às autoridades que tinha recebido ameaçasbwin 888morte nabwin 888universidadebwin 888Damasco depoisbwin 888ser acusadobwin 888deslealdade ao governo e que queria evitar ser recrutado para o serviço militar.
"Não era seguro. Você vai para o Exército e fica 10 anos. Você precisa matar ou morrer. Não queremos isso."
Em outubro do ano passado, Nada obteve o estatutobwin 888refugiado e permissão para permanecer no Reino Unido durante cinco anos. Ele encontrou um empregobwin 888um armazém e está fazendo um cursobwin 888inglês. Espera trazerbwin 888brevebwin 888esposa da Síria - algo que pode solicitar como refugiado - e, eventualmente, retomar seu cursobwin 888direito na Inglaterra.
Logo após chegar ao Reino Unido, Nada encorajou seus irmãos, aindabwin 888Daraa, a se juntarem a ele.
"Você é jovem, pode estudar aqui", disse ele a Obada por telefone.
Vários primos também chegaram ao Reino Unido desde o início da guerra civil na Síria. Havia aqui toda uma redebwin 888pessoasbwin 888Daraa, uma cidade com reputaçãobwin 888ser o berço da revolução contra o regimebwin 888Assad.
"Você pode construir uma nova vida aqui", dizia Nada ao irmão.
Em Daraa, Obada frequentava a escola. Seus irmãos o consideravam "muito bom e muito inteligente" e esperavam que ele quisesse se tornar médico. Ele era um grande jogadorbwin 888futebol e conversou com entusiasmo com Nada sobre assistir ao jogo do Manchester City na Inglaterra.
"Apenas uma criança", disse um amigo que o conheceu na Síria.
Mas há indíciosbwin 888que Obada também estava sendo encorajado, ou talvez mesmo pressionado, por seus pais a viajar.
Seu pai, Abu Ayeser, tinha vários problemasbwin 888saúde e esperava poder fazer tratamento no Reino Unido. Sua mãe, Um Ayeser, nos confirmoubwin 888uma mensagembwin 888vídeo que "meu filho foi para que pudesse se reunir conosco no futuro".
Um vizinhobwin 888Daraa, que estava com Obada na noitebwin 888que ele se afogou, confirmou as informações.
"Ele chegaria ao Reino Unido e se reuniria com seu irmão e logo depois trariabwin 888mãe e seu pai. Esse foi o objetivo deles partirem, para que seu pai pudesse procurar tratamento médico no exterior", disse o homem, que pediu para manterbwin 888identidadebwin 888anonimato.
Mas a verdade é que o plano estava fadado ao fracasso desde o início. Como já tinha um irmão adultobwin 888Londres, Obada não estariabwin 888condições, como menor,bwin 888conseguir que os seus pais o seguissem legalmente.
Obada ainda tinha 13 anos quando ele e seu irmão Ayser embarcarambwin 888um aviãobwin 888Damasco para a cidade líbiabwin 888Benghazi,bwin 888maio do ano passado. Os sírios que viajam para a Líbia não necessitambwin 888visto e um tio que trabalhabwin 888Dubai os ajudou com dinheiro da passagem.
Mas ir para os Emirados Árabes não era uma opção, já que o país não tem sistemabwin 888asilo. Obada não poderia frequentar a escola e a família parecia determinada a seguir para o Reino Unido.
Presos e torturados no caminho
E se Obada, potencialmente influenciado pelos apelosbwin 888seus pais e pelo entusiasmo e determinaçãobwin 888seu irmão mais velho, não tinha entendido os riscos envolvidos na viagem até aquele momento, logo entenderia.
Em outubrobwin 8882023, após mesesbwin 888espera na Líbia, os irmãos tentaram atravessar o Mediterrâneobwin 888um barcobwin 888contrabandistas, partindo da capital, Trípoli. Mas eles foram apreendidos por um barco da patrulha tunisiana e levadosbwin 888volta para a Líbia, onde caíram nas mãosbwin 888uma milícia local.
"Fomos presos e torturados durante um mês", disse um jovembwin 88823 anos conhecido como Faris, um vizinhobwin 888Daraa, que os acompanhou na viagem desde a Síria.
Eles dormiam no chão e muitas vezes eram alimentados apenas uma vez por dia, com uma pequena tigelabwin 888macarrão. Com mais ajuda financeirabwin 888seu tiobwin 888Dubai, os dois irmãos conseguiram comprarbwin 888liberdade por US$ 900 (R$ 4.430) cada.
Naquele momento, Obada começou a nutrir sérias dúvidas sobre dar continuidade à viagem.
"Ele estava com medo. Conversamos com ele para fortalecê-lo e dizer para ele não se preocupar com nada. Mas ele precisavabwin 888alguém que cuidasse dele", lembra Faris.
Quando o grupo anunciou que tinha encontrado outro contrabandista disposto a levá-los para Itália, Obada telefonou aos pais e lhes disse que esta seria abwin 888última tentativabwin 888cruzar o Mediterrâneo. Se não funcionasse, ele voltaria para casa.
"Nós seguramos a mão dele. Dissemos a ele: 'Estamos com você, não precisa ter medo'", relembra Faris sobre o momentobwin 888que o grupo subiubwin 888outro barco inflávelbwin 888dezembro.
E desta vez, eles conseguiram, por pouco. Depoisbwin 88822 horas no mar, foram resgatados pela Guarda Costeira italiana na ilhabwin 888Lampedusa.
Eles foram registados pelas autoridades locais, o que dificultaria o seu pedidobwin 888asilobwin 888qualquer outro país da UE que não a Itália. No entanto, assim que ganharam abwin 888liberdade, atravessaram a fronteira para França.
Enquanto isso, Nada começava a ter suas próprias dúvidas. As regras para os requerentesbwin 888asilo estavam se tornando mais rigorosas no Reino Unido. Ele ligou para seus irmãos novamente.
"Eu disse para eles irem para a Alemanha ou para Itália. Porque aqui [existem] regras difíceis. As novas regras são muito difíceis para os requerentesbwin 888asilo."
Mas os irmãos recusaram.
Em teoria, a nova Leibwin 888Migração Ilegal do Reino Unido, que entroubwin 888vigorbwin 888julhobwin 8882023, negaria a Obada qualquer direitobwin 888pedir asilo ebwin 888permanecer no Reino Unido.
Mas, na realidade, as autoridades locais não conseguiram chegar a um acordo sobre o que fazer com os refugiados que chegambwin 888pequenos barcos pelo Canal da Mancha.
Por isso Obada provavelmente acabaria por se juntando a dezenasbwin 888milharesbwin 888outros migrantes no que o Conselho para os Refugiados britânico descreveu como "um estadobwin 888limbo permanente" - vivendo no Reino Unido, mas sem qualquer futuro claro.
Os irmãosbwin 888Nada não conheciam ninguém na Europa continental. E Nada estava na Inglaterra, assim como muitos outros parentes. Além disso, a parte mais difícil da viagem certamente já havia passado.
"Quero ir [para o Reino Unido] porque você está aí", Nada se lembrabwin 888Obada ter dito a ele. Eles seguiriam seu plano original.
E assim, no iníciobwin 888janeiro, Obada, Ayser e meia dúziabwin 888amigos sírios chegaram a Calais. Eles armaram barracas sob uma ponte e passaram dias tentando evitar a polícia francesa, que por vezes tomava as barracas e os dispersava.
A BBC conversou com uma instituiçãobwin 888caridade local que procurou ajudar o grupobwin 888Calais. A organização ofereceu abrigo a Obada, mas ele disse que queria ficar com o irmão.
A instituição, que pediu para não ser identificada devido à sensibilidade do seu trabalho, também estevebwin 888contato com pelo menos outros dois adolescentes que iriam embarcar no mesmo barcobwin 888que Obada tentou viajar para a Inglaterra.
Um representante da organização disse que os contrabandistasbwin 888Calais impediram alguns destes outros rapazesbwin 888"decidirem por si mesmos". Segundo eles, os jovens também se sentiam "sob pressão das suas famílias".
Falando sobre um dos outros meninos, o porta-voz disse: "Ele nos telefonou para nos dizer que estava com medo. Ele nos disse que foram seus pais que o forçaram (a tentar a travessia)".
Depoisbwin 888maisbwin 888uma semana, o grupo foi instruído pelos contrabandistas sírios, a quem pagaram 2.000 euros cada (R$ 10.640), a se preparar. A previsão era boa. Eles partiriam no sábado à noite.
O vento havia diminuído ao longo da costa. Mas a temperatura estava apenas um pouco acimabwin 888zero e a água do mar por voltabwin 8887º C.
No escuro,bwin 888Wimereux, Obada lutou para se juntar à aglomeraçãobwin 888pessoas que tentavam embarcar no inflável que se afastava da rampa na costa. Mas imediatamente, ele e Ayser descobriram que estavam perdidos e se debatendo no mar frio.
"Eles começaram a gritar e a pedir ajuda”, disse Faris, que conseguiu voltar para o paredão e já estava ajudando a tirar as pessoas da água. Mas no escuro ele não conseguia distinguir onde Obada estava.
"Eu não conseguia mais vê-los. Eles desapareceram na água. A água os puxou e eu não consegui alcançá-los. Não sabíamos que seria [fundo] assim", disse ele.
A polícia francesa estava patrulhando nas proximidades.
O financiamento adicional fornecido pelo Reino Unido permitiu à França aumentar o númerobwin 888agentes na região, mas ainda não há agentes suficientes para monitorizar todos os cercabwin 888150 quilômetrosbwin 888costa agora utilizados pelos contrabandistas.
Um helicóptero da Marinha e um barco patrulha chegaram ao local às 02h15. Equipesbwin 888resgate ajudaram a tratar 20 migrantes que sofriambwin 888hipotermia. Mas Obada não estava entre eles.
“Ainda posso ouvir na minha cabeça, os gritos, os gritos até a morte, pode-se dizer”, lembrou o Sargento Maxime Menu, que mergulhou na água geladabwin 888outra missãobwin 888resgate na mesma área naquela noite.
Poucos minutos depois, Nada recebeu um telefonemabwin 888Londres.
"Ambos se foram."
Era outro sírio do grupo ligando. Ele conseguiu tirar Ayser da água primeiro, mas já era tarde demais. E então o corpobwin 888Obada foi puxado para terra.
Incapazesbwin 888nadar, ambos se afogaram a cercabwin 88810 metros do paredãobwin 888onde o barco zarpou.
Em seu quarto, Nada chora ao lembrar do momentobwin 888que atendeu a ligação. Ele começa a soluçar, com o peito arfando, depois enxuga os olhos.
"Se você soubesse o que sabe agora, teria ficado na Síria?", perguntamos a ele.
"Sim. Depois do que aconteceu com Ayser e Obada, eu teria ficado na Síria", respondeu.
"Você gostaria que Obada também tivesse ficado na Síria?"
"Sim."
"Você se sente culpado por encorajá-lo a fazer a viagem?"
"Sim. Sim", disse ele.
Na noite seguinte, cercabwin 888100 moradoresbwin 888Calais e mais alguns imigrantes se reuniram no centro da cidade para fazer um minutobwin 888silêncio pelos cinco mortos . Eles também adicionarm Obada e Ayser a um longo pergaminho com os nomesbwin 888todos que morreram tentando cruzar o Canal da Manchabwin 888anos recentes.
"A maior falha são as leis da Europa que tornam a vida dos refugiados impossível. Que não lhes dão quaisquer direitos. Que tornam abwin 888vida aquibwin 888Calais ebwin 888todas as fronteiras impossível. E temos que nos lembrar disso. A culpa é das leis europeias", disse uma francesa local à multidão.
De volta a Daraa, os paisbwin 888Obada nos enviaram um vídeo do quarto vazio do filho.
"Queremos ver meus filhos pela última vez. Este é o meu único pedido. O pequeno tinha 14 anos. Desejo vê-lo antesbwin 888ser enterrado", dissebwin 888mãe, Um Ayeser, entre soluços.
"Sou um homem doente. Precisobwin 888oxigênio para respirar", disse seu pai, Abu Ayeser.
Como a históriabwin 888Obada deve ser julgada?
Muitas pessoas estarão inclinadas a criticar seus pais e familiares por arriscarem a vidabwin 888uma criançabwin 888uma jornada tão perigosa. Outros, mais especiaficamente aqueles com experiência diretabwin 888vidabwin 888zonasbwin 888guerra como a Síria, podem argumentar que o fatobwin 888terem tomado tal passo é uma medida do desespero da família.
É provável que o corpobwin 888Obada, juntamente com obwin 888seu irmão, seja enterradobwin 888Calais nos próximos dias.
Segundo Nada, as autoridades francesas afirmaram que não seria possível transportá-los para o Reino Unido e que os custos envolvidosbwin 888um enviobwin 888volta para a Síria eram elevados demais para serem contemplados.
Reportagem adicionalbwin 888Kathy Long, Feras Kawaf e Marianne Baisnee. Designbwin 888Lilly Huynh e Matt Thomas. Produçãobwin 888James Percy e Dominic Bailey.