A indígena mexicana que ficou 12 anossun pokerhospital psiquiátrico porque não entendiamsun pokerlíngua:sun poker

Acredita-se que ela tenha chegado ali vindo diretamentesun pokersolo mexicano. Isso porque rarámuri significa “corredores ligeiros” e vemsun pokerRará, que significa pé, e muri, leve.

Para esse grupo étnico, a corrida tem um importante significado social e cultural.

Os rarámuri habitam as encostas da Serra Tarahumara, cuja complicada topografia os obriga a superar obstáculos, atravessar riachos e escalar montanhas.

É preciso ser rápido e bastante resiliente para enfrentar as condições da áreasun pokerque vivem.

No Kansas, Rita pode ter enfrentado condições mais secas e frias do que nas montanhas.

Ela foi levada para uma delegacia, onde agrediu um policial que tentava limpá-la, conta o cineasta Santiago Esteinou. Em abrilsun poker2024, Esteinou lançou o documentário La Mujersun pokerEstrellas y Montañas" ("A Mulhersun pokerEstrelas e Montanhas",sun pokertradução literal), que conta a história dela a partirsun pokeruma longa apuraçãosun pokerarquivos e por meiosun pokerentrevistas.

"Chamaram um tradutor (do espanhol) que não entendia o que ela dizia, e que comentou que as palavrassun pokerRita não faziam sentido. Eles a levaram ao tribunal e concluíram que ela não estavasun pokerpleno domíniosun pokersua capacidade mental, que era um perigo para si mesma, então a levaram para um hospital psiquiátrico", explica Esteinou à BBC News Mundo, o serviçosun pokerespanhol da BBC.

Rita quase não falava espanhol,sun pokerlíngua materna era o rarámuri. No sistema judiciário do Kansas e na instituição para onde ela foi levada, não havia tradutores que pudessem ajudar no seu caso.

A mulher não entendia o processo legal contra ela, não sabia onde estava nem por que estava presa.

O resto dasun pokervida foi marcado pela exclusão, violência médica, burocracia institucional e solidão. Mas ela também era uma mulher cercadasun pokermitos e mistérios.

Quem era Rita Patiño Quintero

Pastorasun pokerovelhas, parteira, fitoterapeuta, artesã, lavadeira.

Rita foi e fez muitas coisas, segundo o documentáriosun pokerEsteinou, do qual participam a cunhada dela, a sobrinha e vários vizinhos que a conheceram na juventude.

Mas algo que o diretor reitera sobre Rita, que nasceusun poker1930, é que ela não seguiu os parâmetros da comunidade onde morava.

Origináriasun pokerPiedras Verdes, posteriormente morou próximo à regiãosun pokerCerocahui,sun pokerum povoado do municípiosun pokerUrique, no México.

De personalidade forte, que ignorava qualquer ordem, teve um companheiro e um filho.

Ela possuía um vasto rebanhosun pokerovelhas, era, "em certo sentido uma mulher rica", diz o documentarista. E também era caridosa: produzia queijo e o doava à comunidade.

Mas um dia tudo mudou e Rita logo se tornaria uma "indesejável" entre seu povo.

Os vizinhos dizem seu rebanho foi roubado e ela foi acusadasun pokerter assassinado o marido, algo que nunca foi provado.

"Uma pessoa boa, muito boa. E toda a minha vida eu disse que ela era assim. O que aconteceu é que a trataram mal. Dizia-se que ela havia brigado com o marido e o matou", diz Procópio Mancinas, que morava pertosun pokerRitasun pokerUrique e é um dos entrevistados no documentário.

"Rita Patiño não matou Jerónimo Renterías. Roubaram as cabrassun pokerRita Patiño, roubaram seus cobertores, roubaram suas ovelhas”, acrescenta.

Na cidade também se espalhou a crençasun pokerque ela havia sido "enfeitiçada"sun pokeruma Tesguinada, festasun pokerque os rarámuri celebram a colheita,sun pokerque bebem uma bebida inebriante à basesun pokermilho conhecida como tesguino.

Depois desse suposto "feitiço", Rita teve problemas para se comunicar.

"Aí eu disse para o meu marido: 'Acho que a Rita não está bem. Ela começou a falar sozinha. Isso não cura ninguém, é assim que se morre como um doido", comenta Soledad Mancinas, esposa do primosun pokerProcópio, no filme.

A verdade é que Rita começou a vagar pelas região com seu filho. Esun pokercomunidade começou a ficar com medo. Os vizinhos dizem que ela já não era mais bem recebidasun pokerquase nenhum lugar.

"Tinha gente que não queria ela por perto, quando ela chegava logo fechavam a porta. Aí alguns passaram a dizer que ela queria matá-los. Mas não era nada disso, ela estava com fome, queria comida", diz Procópio Mancinas .

Esteinou teoriza que, na realidade, Rita poderia ter sido uma pessoa com alguma deficiência que não era compreendida por aqueles ao seu redor.

Como consequênciasun pokertudo o que diziam sobre ela, o cineasta conta que as autoridades tomaram o filho dela, que também aparece no documentário.

Ninguém sabe por que ela saiu do México e como chegou até o Kansas, afirma Esteinou.

A libertação

No Kansas, o tribunal inicialmente ordenou que a mulher fosse internadasun pokerum hospital psiquiátrico, por três meses.

O estadosun pokersaúde dela seria novamente avaliado ao final desse período, assim comosun pokerpermanência nos Estados Unidos.

Mas o defensor público responsável pelo caso nunca compareceu perante os juízes. Ele também não teria conseguido se comunicar com ela por faltasun pokertradutores.

Ao mesmo tempo, a equipe médica alegou desconhecer a origem da paciente, o que representava um grande problema no contato com qualquer familiar.

Os meses passaram e se transformaramsun pokeranos. Anossun pokerque Rita não conseguia falar, sozinha, longe dasun pokercultura, dasun pokerterra e sendo medicada sem diagnóstico específico devido às barreiras linguísticas.

"Foi a tempestade perfeita", diz Esteinou. "Vejo muitas formassun pokerdiscriminação e violência no caso da Rita. Muitos elementos se juntam. Ela é uma mulher indígena que fala uma língua completamente invisível, que é pobre, migrante e provavelmente com alguma deficiência", diz o cineasta.

Só dez anos depois é que o caso dela teve uma uma reviravolta.

A organização Centrosun pokerDireitos das Pessoas com Deficiência do Kansas, decidiu revisar,sun poker1994, os casossun pokerpacientes que estavam hospitalizados havia maissun pokercinco anos.

Para Rita, a entidade designou a advogada Toria Mroz.

"Uma das primeiras coisas que fizemos foi consultar seus registros médicos. Logo no início da documentação, havia uma referência ao fatosun pokerque ela havia indicado que erasun pokerChihuahua e que era indígena rarámuri", diz Mroz no documentário.

"Isso estevesun pokerseu prontuário médico praticamente durante todo o temposun pokerque ela esteve lá. Mesmo assim, 10 anos se passaram e ela ainda estava lá. Eles ficavam dizendo: 'não sabemossun pokeronde ela é ou que idioma ela fala'", diz a advogada.

Também surgiram evidênciassun pokerque funcionários dos consulados mexicanossun pokerSalt Lake City, Utah e Kansas foram informados da presençasun pokerRita no hospital por uma assistente social, mas nunca tomaram qualquer medida para retirá-la do hospital.

A equipesun pokeradvogados da organização processou o hospital psiquiátrico e maissun poker30 pessoas que faziam partesun pokerseu quadrosun pokerfuncionários. Eles pediram uma indenizaçãosun pokerUS$ 10 milhões (cercasun pokerR$ 53 milhões) por danos morais.

O processo legal se tornou um desafio, especialmente porque Rita não pôde prestar depoimento no tribunal e porque nos Estados Unidos só havia um psiquiatra capazsun pokercompreender a língua rarámuri (também chamadasun pokertarahumara), diz Esteinou.

A mulher recebeu alta e voltou ao Méxicosun poker1995.

Mas o caso na Justiça se estendeusun poker1996 a 2001 e acabou sendo resolvido só por meiosun pokerum acordosun pokerindenização muito inferior ao valor original solicitado pelos advogados.

Por tudo o que ela viveu nesses 12 anos, a mulher receberia US$ 90 mil (cercasun pokerR$ 476 mil), dos quais teria que destinas US$ 32.641 (cercasun pokerR$ 170 mil) à ONG que a ajudou e a seus advogados.

O resto do dinheiro, que deveria ajudar Rita a regressar ao seu paíssun pokerorigem, tem asun pokerprópria história.

Morando nas montanhas e perdendo dinheiro

Rita olha para o horizonte sentada numa colina. Seu cabelo é todo branco,sun pokerpele enrugada. Na frente só há montanhas e ao redor tudo é mato.

Santiago Esteinou retrata o contraste com o hospitalsun pokerseu filme. A mulher, finalmente livre, com voz própria e na língua rarámuri, é ouvida.

- Como você se sente, Rita?

- Me sinto bem, não fiquei doente.

- Você está felizsun pokermorar nas montanhas?

- Estou muito feliz por estar aqui.

- Você não está triste?

- Me sinto muito bemsun pokerconviver com a natureza.

O cineasta começou a filmarsun poker2016, mas o filme só foi concluídosun poker2022.

Nesse período conheceu Rita esun pokersobrinha, Juanita, que passou a cuidar dela.

E embora se sentisse confortável nasun pokerterra natal, Esteinou testemunhou como, depois do Kansas, Rita foi obrigada a viver na pobreza, por receber apenas uma pequena parte da indenização determinada pela justiça americana.

"O tribunal criou uma conta e nomeou uma freira chamada Beatriz Zapata, escolhida pela organização, como administradora dos benssun pokerRita. Durante cercasun pokerdois anos, ela entregava a Rita cercasun poker300 dólares por mês a e depois 6 mil dólares num único pagamento. Depois a freira desapareceu com o dinheiro", diz o cineasta.

Vários anos depois, um juiz ordenou à freira que devolvesse o dobro do dinheiro que gastou, mas a freira devolveu apenas US$ 10 mil.

Os dois administradores nomeados para gerir a a contasun pokerRita disseram que não conseguiram descobrir o paradeiro da mulher e, depoissun pokerdez anos, o dinheiro acabou.

Durantesun pokerestada no México, embora cantasse e dançasse, tivesse bom apetite e fosse cuidada com carinho, Rita vivia absorta, muito na própria cabeça, diz Esteinou.

Ela morreusun poker2018 e recebeu uma festasun pokerdespedida emsun pokercomunidade.

Os rarámuri acreditam que celebrar a morte ajuda o falecido a passar para o próximo planosun pokerexistência, que está emsun pokerorigem: as estrelas que iluminam as montanhas da Serra Tarahumara.