'Aqui quem manda no preço do gás não é a Petrobras': como milícia e tráfico controlam vendafi2 betbotijãofi2 betcomunidades do RJ :fi2 bet

Botijõesfi2 betgás cinzas estacados

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Milícias disputam controle do território para vendafi2 betserviços como o botijãofi2 betgás

“Há pelo menos dez anos é assim”, diz Pedro, que é aposentado, à BBC News Brasil. Ele também paga R$ 100 por mês aos traficantes apenas para ter acesso à internet, depois que a operadora oficial avisou que não poderia mais fornecer o sinal na comunidade. Antes, gastava R$ 150 mensais com a concessionária, mas por um pacote com mais serviços. “Somos abandonados pela fiscalização pública.”

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Fim do Matérias recomendadas

O domínio sobre o comércio do gásfi2 betbotijão, comumfi2 betmuitas comunidades pobres do Rio, é um dos negóciosfi2 betdisputa na “guerra” que, há maisfi2 betum ano, envolve milicianos e traficantes na cidade.

Em jogo, também está o dinheiro que flui não só da imposição do comérciofi2 betbotijões a preços turbinados como também do controle da venda ilegalfi2 betacesso à internet, TV a cabo, transporte por van, carrosfi2 betaplicativo ou motocicletas, aluguel e comérciofi2 betimóveis, além da vendafi2 betdiferentes produtos, incluindo drogas.

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Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

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O foco é a zona oeste da cidade, onde assassinatos e chacinas registram aumento neste ano como reflexo do confronto entre grupos rivais, mas repercussões se espalham pelo município.

Na segunda-feira (23/10), criminosos incendiaram 35 ônibus e um trem. Foi um protesto contra a mortefi2 betum dos chefes milicianosfi2 betuma operação da Polícia Civil. Matheus da Silva Rezende, o Faustão,fi2 bet24 anos, era procurado sob acusaçãofi2 betintegrar a milícia comandada por seu tio , Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho. Sua eliminação embaralhou ainda mais a luta entre grupos milicianos e entre essas quadrilhas e o narcotráfico.

O conflito também é apontado pela polícia como motivo para o ataque que matou três médicos no iníciofi2 betoutubro. Uma das vítimas tinha semelhança física com um rival dos assassinos.

O cenário da disputa, a zona oeste da capital fluminense, equivalea 70% do município. Nela, vivem cercafi2 bet2,5 milhõesfi2 betpessoas.

Aos menos dois fatores favorecem a expansão do esquema ilegalfi2 betvendafi2 betgás e outros produtos. O primeiro deles é a possibilidadefi2 betdomínio territorial armado, imposto por milicianos ou traficantes a comunidades pobres, com pouca ou nenhuma presença oficial do Estado.

Outro fator é a “milicianização” do narcotráfico. Há alguns anos, traficantes começaram a copiar o modelofi2 betnegócios das quadrilhas milicianas.

Esses bandos, originalmente formados por agentes das forçasfi2 betsegurança, alémfi2 betex-policiais e ex-bombeiros, monopolizam serviços e vendafi2 betprodutos nas favelas ou cobram taxas ilegais sobre eles.

Agora, os papéis se misturam cada vez mais: traficantes exploram serviços como a venda dos botijões, enquanto milicianos se aliam a alguns deles na vendafi2 betdrogas.

Mas como funciona o domínio do comércio do gásfi2 betcozinha?

Estatísticas mostram sobrepreço do gásfi2 betcozinha

Um levantamento feito pelo Grupofi2 betEstudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) a pedido da BBC News Brasil dá algumas pistas sobre os mecanismos que governam o comérciofi2 betgásfi2 betcomunidades controladas por criminosos no Estado do Rio.

O estudo comparou os preços médios do gásfi2 betcozinhafi2 betáreas sem controlefi2 betgrupos armados com os valores cobradosfi2 betcomunidades cariocas dominadas pelas milícias ou pelo tráfico.

No Brasil, o preço do gásfi2 betcozinha não é tabelado, mas é fortemente influenciado pelo preço que a estatal Petrobras determina para o insumo. Varia entre Estados a depender dos impostos cobrados. Altera-se aindafi2 betacordo com o preçofi2 betdistribuidoras e revendedoras. Semanalmente, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) coleta os preços na ponta e calcula o preço médio do GLP por Estado.

No levantamento, o Geni-UFF analisou os valores médios para o gás entre 2008 a 2022 apurados pela ANP. Também os cruzou com dadosfi2 betmaisfi2 bet13 mil perímetros - como são denominadas favelas, conjuntos habitacionais e sub-bairros pobres que formam afi2 betbasefi2 betdados.

O levantamento do Geni-UFF apontou que, sobretudo na capital fluminense, moradoresfi2 betáreas dominadas por traficantes e milicianos,fi2 betgeral, pagaram mais pelo botijão, A comparação foi feita com os valores desembolsados por quem morafi2 betlocalidades sem controlefi2 betgrupos armados.

Nas áreasfi2 betmilícias, o sobrepreço variou entre 10,31% a 18,19% nos 15 anos analisados. A exceção foi o anofi2 bet2008, quando o preço no território sob domíniofi2 betmilicianos ficou abaixo do medido pela ANP nas áreas dominadas.

Já nas áreas dominadas pelo tráfico, o sobrepreço do botijão ficou abaixofi2 bet10%, com exceção dos anosfi2 bet2013 e 2014, quando os valores a mais foram 14,6% e 15,2, respectivamente.

Dois dotijõesfi2 betgás cinzas lado a lado

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Botijão custa mais caro para populaçãofi2 betterritórios dominados pelo crime

Prática aproxima milicianos e traficantes

O sociólogo Daniel Hirata, do Geni-UFF, explica que os últimos anos da série estatística indicam uma aproximação entre os preços do gás praticados nas áreas dominadas por milicianos e naquelas sob jugo por traficantes.

Em 2020, na capital, milícia e tráfico cobravam respectivamente,fi2 betmédia, R$ 63,31 e R$ 67,64 por botijão;fi2 bet2021, R$ 83,11 e R$ 82,84;fi2 bet2022, R$ 99,16 e R$ 97,07. O movimento indicaria a adoção cada vez mais intensa, pelo tráfico, da economia gerida originalmente das milícias. Segundo Hirata, o modelo dos milicianos é “muito mais diversificado” e atua na “extração dos recursos urbanos” - água, luz, internet, gás. Aproveita-se do distanciamento da fiscalização.

“Há uma convergência (de preços) cada vez maior que pode ser identificada por esse valor parelho, cada vez mais próximo, do botijãofi2 betgás vendido nessas áreas”, afirma. Ele ressalta que o movimento é mais claro na capital fluminense do que na região metropolitana ou no leste do Estado (regiãofi2 betNiterói e São Gonçalo, por exemplo).

Segundo Hirata, embora as práticas aproximam milícias e tráfico, “do pontofi2 betvista sociológico” permanecem diferenças importantes.

“Porque temos que pensar não só, digamos assim, na atuaçãofi2 betcertos mercados específicos, masfi2 betquais são as redes que estruturam essa atuação”, explica.

“Aí me parece que ainda há algumas diferenças no sentidofi2 betque as milícias têm redes mais extensas e uma penetração no Estado que ainda é maior do que o tráficofi2 betdrogas”, segue Hirata.

Foto da favela da Rocinha

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

A Rocinha é controlada pelo Comando Vermelho

Especialista falafi2 betgovernos criminais

Sob anonimato, moradores afirmam que os revendedoresfi2 betgás nas comunidades dominadas por traficantes ou milicianos não têm escolha. Se quiserem vender gás nas favelas, devem cobrar o ágio no preço do botijão e repassá-lo aos moradores.

Alémfi2 betevitar problemas, a contrapartida dessa simbiose é lucrativa. Os vendedores ganham um mercado exclusivo, sem concorrência e com preços regulados para cima - pelos criminosos.

Quem desafia essa lógica arrisca a vida. Foi o casofi2 betum comerciante na zona oeste da capital fluminense. Seu depósitofi2 betvendafi2 betágua mineral e GLP recebeu tirosfi2 betfuzil na noitefi2 bet10fi2 betsetembro, segundo o telejornal RJ2, da Rede Globo.

O pequeno empresáriofi2 betCampo Grande disse à emissora ter se recusado a aumentar o preço dos botijões,fi2 betR$ 80 para R$ 100. Essa exigência fora feita dois dias antes do ataque, por homens encapuzados. Eles foram ao depósito, dizendo ser da “milícia do KM 32”, localidade pobre próxima. Lá, depósitos cobrariam R$ 100 por botijão e pagariam ágio aos criminosos.

Muitos moradores tinham passado a comprar o produto, 20% mais barato, com o comerciantefi2 betfora da área dominada. Os criminosos disseram que, se a ordemfi2 betreajuste não fosse cumprida, o negócio seria metralhado.

O cumprimento da ameaça – com cercafi2 bet30 disparos registrados por câmerasfi2 betsegurança, que deixaram buracos redondos no muro- foi um aviso sobre o funcionamento da economia na área.

"O depósito é legalizado. Não faz sentido isso", queixou-se o homem à emissora, sem se identificar, por segurança.

Antropóloga e professorafi2 betsegurança pública na Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz afirma que, nos territórios dominados pelo crime, o Estado é “terceirizado” para o que chamafi2 bet“governos criminais”.

São grupos que, lembra a pesquisadora, administram água, luz, internet, vendafi2 betgás e outros produtos. Essa é uma forma tambémfi2 betbancar os custos – muitas vezes altos - das atividades criminosas, como aluguelfi2 betarmas, por exemplo.

“A economia do gás está articulada com as outras prestaçõesfi2 betserviços essenciais, que garantem o fluxofi2 betcaixa cotidiano”, explica. Falhas nos serviços são reportadas a pessoas próximas aos criminosos, para que o problema seja sanado, relata ela.

“Por que eu chamofi2 betgovernos criminais?”, pergunta ela. “É exatamente porque essas são mercadorias políticas, importantíssimas ali. Quando você tem o controle do território, você tem o do mercado ilegal. Na prática, os governos criminais no Riofi2 betJaneiro administram população, controlam território e regulam o mercado. Quem administra território, controla população e regula mercado governo é.”

Auxílio-Gás destina quase R$ 15 milhões por mês ao Rio

O gásfi2 betbotijão é um insumo crítico para as favelas e bairros mais distantes das áreas centrais do Rio. Esses locais não têm conexão com a redefi2 betgás natural canalizado.

Uma família com quatro pessoas pode consumir aproximadamente um botijãofi2 bet13 kg a cada dois meses, mas isso pode variar e o gasto ser maior. O valor médio, atualmente, ficafi2 bettorno dos R$ 100 a cada compra. O salário mínimo éfi2 betR$ 1320 desde 1ºfi2 betmaio.

Para aliviar essas despesas, as famílias mais pobres têm direito ao Auxílio Gás operado pelo governo federal. O “Vale Gás”, como é popularmente conhecido, é um benefício repassado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) a famílias inscritas no Cadastro Único, com renda familiar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo.

Desde o ano passado, passou a cobrir o valor médio aproximadofi2 betum botijão (antes, era metade), calculado pela Agência Nacional do Petróleo e pago a cada dois meses. Essencial para subsidiar a renda dos mais desfavorecidos, o benefício torna o comérciofi2 betgásfi2 betáreas mais pobres ainda mais atrativo.

O benefício é pagofi2 betdinheiro e não está vinculado diretamente à comprafi2 betGLP, podendo ser gastofi2 betoutras mercadorias. Ainda assim, ao menos parte deste valor deve ir efetivamente para a compra do botijão, uma despesa básica que pesa na conta dos mais pobres.

No município do Rio, 137.359 famílias receberam os R$ 14.834.772,00 pelo Vale Gásfi2 betagostofi2 bet2023 ( número mais recente disponível). As milícias controlam cercafi2 bet60% do território do Riofi2 betJaneiro sob domínio do crime organizado,fi2 betacordo com estudofi2 betum conjuntofi2 betentidades que inclui o Geni-UFF.

O território total dominado pelo crime, porfi2 betvez, representa cercafi2 bet20% da área total da região metropolitana do Rio, segundo levantamento da ONG Fogo Cruzado.

O coronel da reserva da PM, doutorfi2 betCiências Sociais e pesquisador do Laboratóriofi2 betAnálise da Violência da Universidade do Estado do Riofi2 betJaneiro (UERJ) Robson Rodrigues alerta para a possibilidadefi2 beto dinheiro do Auxílio Gás ser apropriado pelas quadrilhas que dominam esse comércio.

“Entendo ser extremamente positivo esse fluxofi2 betdinheiro para os mais vulnerabilizados socialmente”, diz.

“Isso tende a minimizar esses impactos e melhorar a situação dessas pessoas. No entanto, quando esse aumentofi2 betrecursos chega a um localfi2 betque o Estado não tem um domínio, e esses grupos criminosos estão à frente, dominando, observando e vigiando a vida local, evidentemente a chancefi2 betque eles obriguem a usar esses já parcos recursos vai ocorrer. Isso é sempre negócio, Negócio observa oportunidadefi2 betse expandir efi2 betganhar mais. Então, é evidente que para que essa política fosse ainda mais efetiva e eficaz, seria necessária a presença do Estado para vigiar, olhar, cuidar.”

Ex-coordenador das Unidadesfi2 betPolícia Pacificadora (UPPs), Rodrigues lembra que, quando o processofi2 betpacificação estava “com bastante força, com fôlego, com recurso, com legitimidade”, a vida, segundo ele, ficou “mais próxima da normalidade”fi2 betcomunidades pacificadas. O mesmo, porém, não ocorreu nas demais favelas.

“Como um contraponto, naquelas comunidades onde não havia UPP, mas mesmo assim o governo federal colocou recursos, com obras do PAC, com alguns recursosfi2 bettransferênciafi2 betrenda para essa população mais pobre, esses criminosos, sobretudo os traficantes, ainda sem a presença do Estado, aparelhavam a associaçãofi2 betmoradores e acabavam aparelhando toda a destinação desses recursos”, conta.

“Eles é que orientavam quem ia receber, como ia fazer. Isso mostrou que obras sociais sãofi2 betimensa importância, mas se não tiver um mínimofi2 betsegurança antes, para que isso possa funcionarfi2 betuma forma mais próximafi2 betuma normalidade civilizatória, evidentemente que o Estado não vai conseguir fazer, mesmo com toda a boa vontade e todo o aspecto positivofi2 betuma políticafi2 bettransferênciafi2 betrenda.”

Gás, água e carvãofi2 betchurrasco

Pedro, morador da favela da zona sul, explica que o controle vigente emfi2 betcomunidade, dominada por traficantes, é rígido. “Não pode ter concorrentefi2 betfora”, conta ele, que nunca tentou comprar gásfi2 betoutro local que não a vizinhança. “Se tivesse carro, talvez pensasse nisso, mas sempre é um risco.”

Moradorfi2 betum complexofi2 betfavelas na zona norte também dominado por traficantes, Jonas (nome fictício), um desempregado que vivefi2 betbiscates que lhe rendem cercafi2 betR$ 2 mil por mês, faz um relato parecido com ofi2 betPedro. Mas há algumas diferenças, aparentemente ligadas a relaçõesfi2 betvizinhança - afinal, “todo mundo é amigo”, diz.

“O botijãofi2 betgás é vendido, na revenda oficial, por 80 reais. Mas nas comunidades (do complexo) é revendido a R$ 115 no dinheiro e R$120 no cartão. Isto não ocorre somente com o gás. Também com o carvão e o galão da água mineral. A pessoa tem um depósito e combina com o tráfico: “Vou te dar tanto (dinheiro) para (poder) vender meu produto na tua comunidade ou favela. Então só ele vende”, relata.

Nesse caso, porém, a comprafi2 betbotijõesfi2 betoutros locais, fora das favelas, é tolerada. “Ninguém vai revistar o teu carro”, conta Jonas. Mas há uma condição: o gás deve ser para consumo do morador e não pode ser revendido a preço mais barato do que o tabelado pelos criminosos.

No Complexo, há cinco distribuidorasfi2 betGLP, com divisão territorial. Um depósito não pode entregar o produto na “área”fi2 betoutro, diz Jonas.

“Mesmo os proprietários sendo amigos”, relata.

Jonas afirma que o domínio do tráfico sobre o comérciofi2 betgás na região começou “há dez, doze anos”, copiando práticafi2 betmilicianos. Com relação a água e carvão, já tem duas décadas. Ele sente as consequências desse domínio. Paga R$ 10 por galãofi2 betágua que, fora do complexo, custa R$ 5. Também usa transporte por vans, carrosfi2 betaplicativo, mototáxis que pagam “pedágio” aos criminosos.

“Logo, pagamos”, diz.

Por nota, a Polícia Civil do Rio afirmou ter “investigaçõesfi2 betandamento” e realizar “trabalhosfi2 betinteligência e diligências para identificar traficantes e milicianos envolvidos na comercialização ilegal”fi2 betgásfi2 betbotijão. Sem ser específica, a corporação afirmou que já interditou “dezenasfi2 betestabelecimentos irregulares” e apreendido “centenasfi2 betbotijasfi2 betgás (...) durante as ações”. Também declara que essas iniciativas “resultaramfi2 betprisõesfi2 betcriminosos”.

“A instituição reforça a importância da população registrar as ocorrências e apresentar informações que auxiliem nas investigações para identificação e prisão dos envolvidos na prática criminosa”, diz o texto. “Os registros também podem ser feitos pela internet, por meio da Delegacia On-line.”