O programa que previu cheias no Sul e acabou engavetado no governo Dilma: 'Perdemos tempo':vasco e guarani palpite

Especialista diz ter se assustado ao ver previsões meteorológicas para o Sul

Crédito, Reuters

De 2013 a 2015, ela participouvasco e guarani palpiteum programa encomendado pelo governo federal, então governo Dilma Rousseff (2010-2016), com objetivovasco e guarani palpiteprojetar os impactos das mudanças climáticas no Brasil até 2040 e desenhar medidasvasco e guarani palpiteadaptação a elas.

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O programa "Brasil 2040" custou, à época, R$ 3,5 milhões.

Os modelos matemáticos usados pelo estudo projetaram um cenário climático muito semelhante ao que se vê no Brasil quase 10 anos depois: escassezvasco e guarani palpitechuvas na região Norte e chuvas acima do normal no Sul do país.

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Apesar disso, o programa foi abruptamente encerradovasco e guarani palpite2015. Era, segundo Unterstell, algo como o embriãovasco e guarani palpiteuma política pública para a adaptação climática do país.

Após a publicação da reportagem, a assessoriavasco e guarani palpiteimprensa da ex-presidente Dilma Rousseff enviou uma nota refutando que o plano tenha sido "engavetado".

"Tal informação não procede e ignora a tramitação do estudo, que resultou na política do governo brasileiro para o enfrentamento das mudanças climáticas", afirmou.

A nota aponta que os estudos do "Brasil 2040" foram incorporados ao compromisso assumido pelo governo brasileiro no Acordovasco e guarani palpiteParis,vasco e guarani palpitedezembrovasco e guarani palpite2015, e ao Plano Nacionalvasco e guarani palpiteAdaptação para Mudança Climática (PNA), publicadovasco e guarani palpite2016.

A BBC News Brasil enviou questionamentos ao Palácio do Planalto, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e à Casa Civil sobre o fim do programa. Em nota, o MMA disse que pretende atualizar o "Brasil 2040" (leia mais sobre a resposta da pasta abaixo).

De acordo com especialistas, apesarvasco e guarani palpiteo Brasil contar com o Plano Nacionalvasco e guarani palpiteAdaptação à Mudança do Clima desde 2016, o documento nunca teria saído do papel.

O programa engavetado

O ano era 2013.

À época, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertava: emvasco e guarani palpiteestimativa mais pessimista, até 2100 a temperatura do planeta subiria até 5°C, causando mudanças significativas no clima do planeta e obrigando os países a implementarem medidasvasco e guarani palpiteadaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

Foi quando o governo federal determinou a elaboraçãovasco e guarani palpiteestudos regionalizados sobre os efeitos das mudanças climáticas no Brasil e sobre que medidas poderiam ser tomadas para adaptar o país a essa nova realidade.

Ao todo, foram criados sete gruposvasco e guarani palpiteestudos com diferentes temas. Um deles, batizadovasco e guarani palpite"Brasil 2040", foi no qual Natalie Unterstell atuou. O nome se refere ao anovasco e guarani palpite2040, um dos horizontes com os quais os estudiosos trabalhavam.

"Era um programavasco e guarani palpiteestudos que tinha como objetivo a formulaçãovasco e guarani palpiteuma política públicavasco e guarani palpiteadaptação [às mudanças climáticas]", conta Unterstell à BBC News Brasil.

Ela atuou como uma das coordenadoras do programa.

A cientista também falou sobre o programa no podcast "Tempo Quente", produzido pela jornalista Giovana Girardi para a Rádio Novelo,vasco e guarani palpite2022.

"Eram sete times dos melhores pesquisadores brasileiros… do IME (Instituto Militar do Exército) ao ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), ao Inpe (Instituto Nacionalvasco e guarani palpitePesquisas Espaciais)", detalha a ambientalista, que hoje preside o Instituto Talanoa (organização sem fins lucrativos focada na implementaçãovasco e guarani palpitepolíticas públicas na área ambiental).

O programa foi encomendado pela hoje extinta Secretariavasco e guarani palpiteAssuntos Estratégicos (SAE), que era vinculada à Presidência da República. À época, a secretaria era comandada pelo economista Marcelo Neri.

Unterstell conta que os estudos usavam modelos climatológicos para estimar os possíveis impactos das mudanças climáticasvasco e guarani palpitediversas áreas da economia e da sociedade brasileira, como a agricultura, infraestrutura urbana, transportes, recursos hídricos, entre outras.

Ela diz que os estudos já haviam passado da fasevasco e guarani palpitediagnóstico e se encaminhavam para a etapavasco e guarani palpiteque seriam feitas as recomendações para adaptação — quando o programa foi interrompido.

A interrupção do programa aconteceu durante a trocavasco e guarani palpitecomando da SAE. Saiu Marcelo Neri e entrou o professor da Universidadevasco e guarani palpiteHarvard Mangabeira Unger.

Untersell diz que não recebeu nenhuma explicação oficial sobre o fim do programa, mas relaciona o fato às conclusões preliminares. Segundo ela, os dados questionavam a viabilidadevasco e guarani palpitehidrelétricas.

"Os resultados dos estudos colocavamvasco e guarani palpitexeque a viabilidadevasco e guarani palpitehidrelétricas na região Norte como, por exemplo, avasco e guarani palpiteBelo Monte [no Pará], dado que a modelagem e a avaliaçãovasco e guarani palpiteimpactos sobre água e energia projetaram uma redução significativa das vazões dos rios da região. Isso assustou", diz.

A BBC News Brasil tentou contato com Marcelo Neri e com Mangabeira Unger.

Neri disse que o episódio aconteceu há muito tempo e que não poderia atender a reportagem.

Por meiovasco e guarani palpitemensagensvasco e guarani palpitetexto, Unger respondeu que não teria tratado do programa e tampouco teria desativado. Suas respostas iniciais, no entanto, mencionavam um suposto programa ocorrido antes, durantevasco e guarani palpitepassagem no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Depois, questionadovasco e guarani palpitedetalhes sobrevasco e guarani palpiteparticipação no programa "Brasil 2040", executado entre 2013 e 2015, ele respondeu: "Isso é outra coisa. Não era clima. Era o projetovasco e guarani palpitedesenvolvimentovasco e guarani palpitelongo prazo."

Gráfico

Previsãovasco e guarani palpitechuvas no sul

A história do programa "Brasil 2040" voltou à tona nos últimos dias por conta das inundações que afetam o Rio Grande do Sul.

As fortes chuvas que atingem o Estado desde o fimvasco e guarani palpiteabril já provocaram maisvasco e guarani palpite154 mortes e afetaram 461 dos 497 municípios gaúchos, segundo balanço divulgado no dia 17vasco e guarani palpitemaio ao meio-dia.

Porto Alegre foi especialmente atingida por conta do transbordamento do Lago Guaíba, cujo nível chegou a ultrapassar 5 metros, segundo o Centro Integradovasco e guarani palpiteCoordenaçãovasco e guarani palpiteServiços da cidade.

Uma das conclusões do programa foi avasco e guarani palpiteque o extremo Sul sofreria com chuvas acima do normal nos próximos anos. Ao mesmo tempo, os modelos previam secas mais acentuadas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste.

"O modelo ETA forçado pelo MIROC5 sinaliza aumento nas vazões (dos rios, efeitovasco e guarani palpitemais ou menos chuvas) no extremo sul do Brasil, superior a 10%vasco e guarani palpiterelação à média histórica entre 2011e 2040 e superior a 30% entre 2071 e 2099, associado a reduções na região Nordeste e Centro-Oeste", diz um trechovasco e guarani palpiteum dos estudos realizados pelo programa.

Os termos ETA e MIROC5 são menções aos modelos matemáticos usados pelos cientistas para fazer as projeçõesvasco e guarani palpitelongo prazo.

Natalie Unterstell diz que, pelo menos desde 2021, vem observando as semelhanças entre os eventos climáticos no Brasil e as projeções às quais ela teve acesso entre 2013 e 2015.

Ao ver projeções feitas mais recentemente pela MetSul, uma empresavasco e guarani palpitemeteorologia do Rio Grande do Sul, ficou assustada.

"No Rio Grande do Sul, a ficha caiu assim que eu vi os mapas do MetSul, na semana passada. Eram visualmente parecidos com as projeções feitas no programa [Brasil 2040]. Foi assustador", relata Unterstell.

Imagem aérea

Crédito, Planet Labs

Legenda da foto, Chuvas intensas afetam maisvasco e guarani palpite2,2 milhõesvasco e guarani palpitepessoas no Rio Grande do Sul

'Tempo perdido'

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o país perdeu tempo com o engavetamento do programa "Brasil 2040" e com a demoravasco e guarani palpiteadotar políticas amplasvasco e guarani palpiteadaptação às mudanças climáticas.

"O programa trouxe informações importantes, mas que pouca gente deu atenção, como esses cenáriosvasco e guarani palpiteque o Sul teria a tendênciavasco e guarani palpitechuvas acima da média e o Norte e Nordeste tendo redução hídrica", diz a coordenadoravasco e guarani palpitePolíticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, à BBC News Brasil.

Ela também foi presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 e 2018.

"A gente perdeu tempo ao não tomarmos as medidas necessárias", complementa Araújo.

"O trabalho foi interrompido no momentovasco e guarani palpiteque a gente passava do diagnóstico para as medidasvasco e guarani palpiteadaptação. Os estudos nunca foram publicados. Fizeram um sumário executivo do programa com pessoas que não tinham ligação com os estudos. Foi um negócio jogado fora", lamenta Unterstell.

Argumentando que o estudo foi incorporado a políticas posteriores e a publicações, a assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que o "Brasil 2040" é mencionado, por exemplo, no volume 2 do texto original do Plano Nacionalvasco e guarani palpiteAdaptação à Mudança do Clima.

O plano foi lançado no dia 10vasco e guarani palpitemaiovasco e guarani palpite2016, dois dias antesvasco e guarani palpiteRousseff ser afastada do cargovasco e guarani palpitemeio ao processovasco e guarani palpiteimpeachment do qual ela foi alvo.

Suely Araújo diz que, à época, o plano era bem desenhado, mas que faltou ser implementado.

"Ficou um documento tecnicamente bom, mas que ficou no papel", afirma.

Ela diz, no entanto, que a pouca preocupação com a adaptação às mudanças climáticas não é um fenômeno isolado.

"Lógico que isso pioravasco e guarani palpiteum governo negacionista como o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas a subvalorização da adaptação é a regra, independente do governo", afirma.

Um relatório elaborado pelo Ministério do Meio Ambientevasco e guarani palpitenovembrovasco e guarani palpite2021, durante o governo Bolsonaro, admitia a faltavasco e guarani palpiterecursos para a implementação do plano.

"Vários foram os desafios durante a implementação do PNA (Plano Nacionalvasco e guarani palpiteAdaptação), dos quais mencionamos: a descontinuidadevasco e guarani palpiteações iniciadas pelos setores e a escassez ou faltavasco e guarani palpiteacesso a recursos financeiros [...] a ausênciavasco e guarani palpitearticulação, integração e sinergia interministerial e entre setores; e as dificuldades na implementaçãovasco e guarani palpiteprogramas e políticas específicas, dentre outros", diz um trecho do documento ao qual a BBC News Brasil teve acesso.

Suely Araújo defende que, para lidar com casos como as inundações do Rio Grande do Sul, o Brasil precisavasco e guarani palpiteum plano ousado, com a previsãovasco e guarani palpiteinvestimentosvasco e guarani palpitegrandes somasvasco e guarani palpitedinheiro a fundo perdido.

"Adaptação exige recursos e não tem como imaginar que municípios já vulneráveis possam se endividar para fazer as obras para se prepararem para os efeitos das mudanças climáticas. Tem que ser dinheiro a fundo perdido, porque o custovasco e guarani palpitereconstruir é muito maior que custovasco e guarani palpiteprevenir", aponta Araújo.

Para o climatologista Carlos Nobre, que fez carreira no Inpe e participou do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), os governos não vêm adotando as medidas necessárias para adaptar as cidades aos efeitos das mudanças climáticas.

"Esses eventos extremos vieram pra ficar. Eles não vão diminuir. Ao contrário, eles irão aumentar. E os governos, infelizmente, não estão fazendo os investimentos necessários. Adaptação não é apenas dar o alertavasco e guarani palpiteuma tragédia. É, também, remover permanentemente as pessoas das áreas sob risco. E isso demanda dinheiro", explica Nobre à BBC News Brasil.

Foto aérea mostra casas alagadas

Crédito, REUTERS

Legenda da foto, Casas inundadas no bairro Mathias Velho,vasco e guarani palpiteCanoas (RS)

A reportagem enviou questionamentos sobre a atualização do plano e sobre os recursos destinados àvasco e guarani palpiteimplementação aos ministérios do Meio Ambiente (MMA), à Casa Civil e à Presidência da República.

Apenas o MMA respondeu aos questionamentos.

Em nota, a pasta disse que o governo pretende atualizar o programa "Brasil 2040".

"Há previsãovasco e guarani palpiteatualização do Brasil 2040 para fortalecer a basevasco e guarani palpitedados das políticasvasco e guarani palpiteadaptação, alémvasco e guarani palpitereforçar a tomadavasco e guarani palpitedecisão no âmbito do Plano Clima", disse a pasta à BBC News Brasil.

Não foi dado um prazo para que essa atualização fosse feita.

A nota disse ainda que os resultados do "Brasil 2040" foram "compartilhados com órgãos governamentais relacionados aos setores abordados".

Sobre o Plano Nacionalvasco e guarani palpiteAdaptação à Mudança do Clima, instituídovasco e guarani palpite2016, a pasta disse que ele ficou "virtualmente paralisado durante o governo passado" e que a revisão prevista para 2020 não teria sido realizada.

O MMA disse que o governo já iniciou a revisão do "Plano Clima-Adaptação" (termo usado pela atual gestão), mas não informou a data prevista para conclusão do documento.

Segundo informações do site da pasta, o "Plano Clima-Adaptação" tem como um dos seus objetivos "aumentar a resiliência do País às alterações climáticas".

A pasta afirmou ainda que o governo trabalhavasco e guarani palpiteum projetovasco e guarani palpite"melhoria da capacidade institucional"vasco e guarani palpiteEstados e municípios para lidar com as mudanças climáticas e que ele deverá ter início ainda neste ano.

A previsão é que sejam elaborados 260 planos locaisvasco e guarani palpiteadaptação para municípios considerados críticos.

A nota citou ainda um aportevasco e guarani palpiteR$ 10,4 bilhões ao Fundo Clima. Segundo o MMA, esses recursos financiarão iniciativas para a transição energética no país. De acordo com a pasta, o valor seria 26 vezes maior do que o que o fundo tinha à disposiçãovasco e guarani palpite2022.

O Fundo Clima foi criado pelo governo federalvasco e guarani palpite2009 com o objetivovasco e guarani palpitegarantir recursos para projetos, estudos e financiamento para mitigação da mudança do clima.