As fotografias que revelam passado oculto das favelas brasileiras:código promocional aposta ganha

Dona Ana, uma senhora negra, guarda os objetoscódigo promocional aposta ganhaum armário, sem nunca perder o hábitocódigo promocional aposta ganhamanuseá-los — ainda hoje, espia as fotografias no fundo daquelas superfícies plásticas.

O ritual evoca uma sériecódigo promocional aposta ganharecordações: seu nascimento,código promocional aposta ganha1943; a infância e a adolescência numa fazenda, trabalhando em regime análogo à escravidão; a chegada a Belo Horizonte, no início da vida adulta; os encontros com amigos e familiares; as brincadeiras prediletas dos filhos; e o cotidiano no Aglomerado da Serra, favelacódigo promocional aposta ganhaque reside há cinco décadas, na zona sul da capital mineira.

Habituada a narrar essas memórias aos netos, Dona Ana as examinaria junto a estudiosos interessados nas suas experiências pessoais.

Ao receber a visitacódigo promocional aposta ganhauma equipe que circulava pela comunidadecódigo promocional aposta ganha2015, colhendo depoimentos dos moradores para um projetocódigo promocional aposta ganhahistória oral, a ex-faxineira sugeriu aos integrantes que apreciassem seus tesouros.

Então, o ritual se repetiu. A caixacódigo promocional aposta ganhamonóculos foi retirada do guarda-roupa e, os artefatos circularamcódigo promocional aposta ganhamãocódigo promocional aposta ganhamão, sendo erguidos na direção dos olhos e posicionados contra a luz.

Uma após a outra, as lembranças ganhavam forma: festascódigo promocional aposta ganhaaniversário; jogoscódigo promocional aposta ganhabilhar; torneioscódigo promocional aposta ganhafutebol; sete homens numa laje; uma garotinha prestes a chutarcódigo promocional aposta ganhabola verde-amarela; José Teófilo, maridocódigo promocional aposta ganhaDona Ana, tomando cerveja e comendo petiscos num botequim.

“Foi uma epifania”, relata à BBC News Brasil o artista visual Guilherme Cunha.

“Em uma fraçãocódigo promocional aposta ganhasegundo, vinte anoscódigo promocional aposta ganhapesquisa imagética se passaram como um filme dentro da minha cabeça. Em tudo que eu já havia estudado, não consegui identificar nada que se assemelhasse àquelas imagens.”

Os apetrechos eram janelas para um novo universo pictórico, até então negligenciado por instituições arquivísticas.

“Perguntei à Dona Anacódigo promocional aposta ganhaonde vinha aquilo tudo, e ela me disse que um grupocódigo promocional aposta ganhahomens perambulava com máquinas nas ruas da comunidade, oferecendo retratos aos moradores.”

Adão Serralheiro, fotógrafo indicado pela proprietária dos monóculos, recepcionou a equipe com café e biscoitos; entretanto, já havia abandonado o ofício — e, uma semana antes, jogara no lixo o próprio acervo.

Por indicação dele, Cunha abordaria João Mendes, donocódigo promocional aposta ganhaum pequeno estúdio na Serra, e seu amigo, Afonso Pimenta. Ambos tinham coleções preservadas.

“Eu me preocupava com as pessoas que vinham aqui”, declara Mendes à reportagem, sentado na mesma banquetacódigo promocional aposta ganhaque acomoda a clientela para retratos 3x4.

“Às vezes, o cara pedia uma nova cópia da foto que tinha feito comigo, e eu dizia que tudo bem. Era só ir lá no arquivo e caçar os negativos pra ele. Em algum momento, eu acabava achando."

Na casacódigo promocional aposta ganhaPimenta, dezesseis caixas armazenam todo o seu legado: “Isso se chama zelo profissional”, atesta o fotógrafo.

“Meu cliente se vai, e continuo trabalhando pra família. Trinta anos depois do cara ter morrido, ainda recebo encomenda. Por isso, nunca joguei um negativo fora.”

Estima-se que os acervos contenham ao menos 250 mil retratos, produzidos entre a décadacódigo promocional aposta ganha1960 e o início do século 21 — são cliques intimistas, eternizando matrimônios, batizados, velórios e celebrações.

Em conjunto, as fotografias estabelecem um panorama inédito da história recente brasileira, desnudando o Aglomerado da Serra pelo olhar dos próprios cidadãos que ali viveram.

O registrocódigo promocional aposta ganhasuas identidades, lutas e conquistas é também um microcosmo das ânsias e desejos que impulsionam as favelascódigo promocional aposta ganhatodo o Brasil.

“Tradicionalmente, essas populações eram retratadas apenascódigo promocional aposta ganhadocumentos civis”, afirma Cunha.

“Mas na foto do RG e da carteiracódigo promocional aposta ganhatrabalho, os sujeitos se limitam aos papéis exercidos dentrocódigo promocional aposta ganhauma hierarquia social.

A obracódigo promocional aposta ganhaJoão Mendes e Afonso Pimenta se baseia num processo oposto, embora se aproprie das mesmas ferramentas.

Cada retrato deles é uma exaltação do indivíduo,código promocional aposta ganhasuas dimensões culturais e afetivas”.

Em março, tais imagens serão compiladas no livro Retratistas do Morro (Editora Primata).

O volume, organizado por Cunha, abrange 146 trabalhos e surge na esteiracódigo promocional aposta ganhaum reconhecimento artístico internacional.

Depoiscódigo promocional aposta ganhauma exposição no Sesc Pinheiros,código promocional aposta ganhaSão Paulo, e outra na Fundação Clóvis Salgado, no Centrocódigo promocional aposta ganhaBelo Horizonte, Mendes e Pimenta chegaram ao Peabody Essex Museum, nos Estados Unidos, e à Aperture Magazine, uma das mais tradicionais revistascódigo promocional aposta ganhafotografia do mundo, editadacódigo promocional aposta ganhaNova Iorque.

Nos últimos meses, a dupla teve obras adquiridas pela Pinacotecacódigo promocional aposta ganhaSão Paulo, pela Biblioteca Nacional Francesa e por Kenneth Montague, o maior colecionadorcódigo promocional aposta ganhaarte afrodiaspórica do Canadá.

“Defendemos que essas imagens não se tornem um fetiche”, observa Cunha.

“São visões da realidade brasileira que permaneceram ocultas por séculos. Quando elas vêm à tona, a gente fica paralisado porcódigo promocional aposta ganhabeleza, e um grande encantamento inunda todos nós. Mas o apelo visual não é a única dimensão desse trabalho. Os retratos formam um campocódigo promocional aposta ganhatorno do qual orbitam inúmeras memórias pessoais. Juntas, elas formam um gigantesco imaginário coletivo.”

O mistério da Kodak

Cercacódigo promocional aposta ganha50 mil pessoas habitam o Aglomerado da Serra, segundo estatísticas da Prefeituracódigo promocional aposta ganhaBelo Horizonte.

É a maior favelacódigo promocional aposta ganhaMinas Gerais, tendo surgido no final do século 19, com a chegada dos trabalhadores que ergueram a capital do Estado.

Desde então, uma parcela significativacódigo promocional aposta ganhaseu contingente populacional é formada por imigrantes.

Eles chegam pelo nortecódigo promocional aposta ganhaSão Paulo, pelo sul da Bahia ou, como ambos os fotógrafos, pelo interior mineiro.

Afonso Pimenta nasceucódigo promocional aposta ganhaSão Pedro do Suaçuí, pequeno município no Vale do Rio Doce, e vivecódigo promocional aposta ganhaBelo Horizonte desde 1963.

Aos 9 anos, assentou-se com a madrinha no Cafezal, uma das oito vilas que compõem a favela.

Por toda a vida, exerceu ofícios paralelos à fotografia: inicialmente, vendia esterco pelas ruas da cidade; depois, foi gari, feirante, metalúrgico, leãocódigo promocional aposta ganhachácara, instrutorcódigo promocional aposta ganhaartes marciais e operário da construção civil.

O primeiro contato com a fotografia se deu na adolescência, quando um colegacódigo promocional aposta ganhaescola lhe apresentou uma Kodak Instamatic, câmeracódigo promocional aposta ganhabaixo custo voltada ao público amador. O rapaz abriu a portinhola do aparelho, deixando seu diafragma à vista. “Nem flash dava para colocar”, lembra Pimenta.

“Mas naquele tempo, quem tinha máquina, fosse qual fosse, era intitulado rei. E como os mistérioscódigo promocional aposta ganhaDeus são grandes e inexplicáveis, pouco depois conheci um cara que furtava coisas. Ele disse que eu estava muito bonito, na crista da onda, e que ia vender umas roupas para mim.”

A transação envolvia uma jaqueta jeans e três calças bocacódigo promocional aposta ganhasino.

“Elas batiam aquicódigo promocional aposta ganhacima, cobrindo o umbigo, quase chegando no peito. Mal precisava vestir camisa, só as pantalonas já davam contacódigo promocional aposta ganhatodo o figurino. Era uma vermelha, uma amarela e uma preta, a única que servia para o meu tamanho. O cara me garantiu que eu ia ficar boy demais."

Um brinde, contudo, surpreenderia o jovem freguês — uma Kodak idêntica à que vira no colégio.

“Quitei as roupas direitinho, e ele disse que eu podia pegar a máquina para mim. Isso me deixou eufórico, porque o outro rapaz tinha falado que todo fotógrafo ficava milionário, que eles compravam carro, casa, apartamento. E meu maior sonho era dar um bom padrãocódigo promocional aposta ganhavida para minha mãe, que ainda estava no interior”.

À noite, Pimenta não conseguiu dormir. Por toda a semana, aguardaria ansiosamente pelo embolso do salário. Nas horascódigo promocional aposta ganhafolga, frequentava parques, observando o trabalho dos futuros colegas.

“Eles punham as crianças num burrinho e tiravam fotos, tipo lambe-lambe. Aí, meu filho, eu ia só pensando comigo mesmo... Com essa Kodak aqui, as calças que comprei, bonito do jeito que eu estou, vai ser sucesso!”.

No quinto dia útil, a espera chegou ao fim. Pimenta obteve dois ou três caixotescódigo promocional aposta ganhafilme 126mm, e graças a eles um novo hábito se instituiu: andar a esmo com a máquina na mão, apresentando-se como fotógrafo aos transeuntes das avenidas. Ocasionalmente, arranjava serviço na portacódigo promocional aposta ganhaalguma igreja.

“O pessoal olhava para mim com aquela caracódigo promocional aposta ganhaquem não gostou, e eu ali, insistindo, até ser contratado. Batia a foto na entrada e marcavacódigo promocional aposta ganhaentregar depois."

A Kodak Instamatic, explica ele, é uma câmera leve, compacta, ideal para dias ensolarados e retratos ao ar livre. Na faltacódigo promocional aposta ganhaum tripé, recomenda-se o improviso — muros, postes, árvores e carros são válidos como basescódigo promocional aposta ganhaapoio.

“O segredo todo tá aí, no enquadramento”, diz. “Tem que segurar a maquininha bem firme, não pode tremer. Para mim, cada pose perdida era um desastre."

Esforços à parte, a fotografia ainda não passavacódigo promocional aposta ganhaum hobby.

“Eu era da resenha, ficava na 'malocagem'. Saía do expedientecódigo promocional aposta ganhavarrição lá na prefeitura e ia direto para esquina, vendo o quecódigo promocional aposta ganhaerrado eu podia fazer”.

Só então, Pimenta voltava para casa — um barracocódigo promocional aposta ganhacômodo único e 48 metros quadrados. Dali a alguns meses, os quinze ocupantes seriam expulsos numa violenta açãocódigo promocional aposta ganhareintegraçãocódigo promocional aposta ganhaposse.

“E nisso, fui acolhido pela mãe do João. A gente já se conheciacódigo promocional aposta ganhavista, e aquele cara era uma unanimidade, todo mundo gostava dele. Mas ele não queria estar pertocódigo promocional aposta ganhaninguém, pois não se misturava com os avacalhados feito eu.”

Mensagem no fusquinha

Filhocódigo promocional aposta ganhaagricultores, João Mendes nasceucódigo promocional aposta ganhaIapu, municípiocódigo promocional aposta ganha12 mil habitantes a 250 quilômetros da capital mineira.

Aos 11 anos, mudou-se com a família para a cidadecódigo promocional aposta ganhaIpatinga, no Vale do Aço — ali, fixaram-se na rua do Buraco, o primeiro núcleocódigo promocional aposta ganhapobreza urbana da região.

Mendes subsistia como ambulante, vendendo laranjas e picolés nos arredores da Usiminas, uma das principais siderúrgicas do país.

Em 1965, conseguiu seu primeiro emprego numa lojacódigo promocional aposta ganhaserviços fotográficos, o Foto Badi. “Foi graças a essas 3x4 que tudo começou”, diz.

“Meu patrão me explicou no estúdio como fazia e tal. Era revelar o filme, botar as fotos na arara e deixar escorrendo, até secar. Aí ele dava umas retocadas e vinha com os negativos. Eu ficava na câmara escura, tentando, tentando. Uma hora, deu certo”.

Os primeiros cliques, porém, ocorreram numa cerimôniacódigo promocional aposta ganhacasamento.

“Eu estava na loja, o patrão tinha saído para almoçar. Um cara veio sem avisar, me chamando para bater fotocódigo promocional aposta ganhanoiva. Perguntei se era urgente, ele disse que sim, que estava todo mundo na casa do rapaz, o juiz só me esperando para começar aquilo tudo. Tirei 24 chapas e não perdi nenhuma, pois cuidava para focalizar direitinho. Uma foto sem foco não vale nada."

Logo, as tarefas se diversificaram: Mendes era enviado para registrar aniversários, shows, bailes carnavalescos — e gente morta.

“Isso é muito doloroso”, afirma. “O patrão tinha convênio com a delegacia e mandava eu sair com os homens para fotografar os acontecimentos tristes do pedaço. Eu via acidente, batidacódigo promocional aposta ganhacarro, arrancava uns caras do fundo do rio. O primeiro cadáver que peguei estava todo acabado, só na pele. Por causacódigo promocional aposta ganhaum incômodo com o cheiro, o posto médico enviou aquele corpo para o necrotério. Foi lá que tirei as chapas.”

Em 1968, Mendes chegaria a Belo Horizonte. Com dezessete anos e alguma experiência, integrou-se ao Foto Industrial, na região do Barreiro, sudoeste da cidade. Para complementarcódigo promocional aposta ganharenda, oferecia serviços às trabalhadoras da Rua Guaicurus, a maior zonacódigo promocional aposta ganhaprostituição do estado.

“Eu saía ao deus-dará e acabava fotografando as meretrizes, coisas meio perversas nas boates do centro. Até que baixou a polícia. Os homens estavam querendo descobrir quem é que fazia esses retratos por lá."

Cinco anos depois, pediu demissão e abriu seu próprio estúdio — o Foto Mendes, aindacódigo promocional aposta ganhafuncionamento. Trata-se do mais antigo estúdio do gênero nas proximidades da Serra.

“Estou há meio século no mesmo endereço”, diz. “Você não faz nem ideiacódigo promocional aposta ganhaquanta gente já sentou nesse banco. O cara fica aqui, na parede, e eu do ladocódigo promocional aposta ganhalá, com a máquina. Essa favela tinha duas mil famílias segurando meu comércio."

Hoje, as demandas se atrelam à documentação civil — cédulascódigo promocional aposta ganhaidentidade e carteirascódigo promocional aposta ganhatrabalho, principalmente.

Um discreto sorriso costuma brotar no rosto dos fregueses que Mendes fotografa para tais registros.

“Quando chega algum adulto por aqui, sempre pergunto se tirei retrato dele na creche. Quase todos dizem que sim”.

Por décadas, Mendes atendeu às escolas públicas da comunidade, produzindo fotoscódigo promocional aposta ganhabeca. Nelas, criançascódigo promocional aposta ganhafisionomia alegre ostentam canudos para celebrar o momento da formatura.

“Você bate um papo com o menino, pede para ficar quietinho. O diploma às vezes cai, escorrega, nem todos conseguem segurar na posição certa. Mas a gente vai levando no banho-maria, e o resultado sempre sai bom”.

O esmero e a paciência lhe valeram, durante os anos 1970, solicitações inspiradas no star system da época: as mulheres desejavam se parecer com atrizes do cinema e da TV; Roberto Carlos, Jerry Adriani e outros cantores românticos eram os preferidos da clientela masculina.

“Isso acontecia demais”, explica. “O sujeito vinha aqui e me pedia fotocódigo promocional aposta ganhaperfil. Eu sentava elecódigo promocional aposta ganhalado, o cara ajeitava o cabelinho, as sobrancelhas e o bigode. Daí fazia posecódigo promocional aposta ganhagalã, imitando capacódigo promocional aposta ganhadisco. Dizia para eu caprichar, que a foto era para a namorada."

Mendes utilizava uma Yashica Mat, câmera japonesacódigo promocional aposta ganhapreço mais acessível, e tripés improvisados com sarrafoscódigo promocional aposta ganhamadeira; sem dinheiro para comprar refletores, os substituía por tochascódigo promocional aposta ganhapapelão.

“O Afonso era meu vizinho, passava sempre por aqui. Tinha um jeitão diferente, cabelo black power. E a polícia não gostava desses caras, né? Aí minha mãe pediu que eu desse uma chance pra ele. Mas o Afonso machucava as fotos tudo, com aquela mão cascuda. Quando trabalhou no primeiro casamento, foi uma amargura danada. Bateu um filmecódigo promocional aposta ganha36 poses, e o padre não saiucódigo promocional aposta ganhanenhuma."

A prática, contudo, elevaria a autoestima do jovem assistente.

“Quando me chamavamcódigo promocional aposta ganhafotógrafo, eu só faltava botar um ovo”, lembra Afonso Pimenta. “Eu ficava assim, acelerado. E aos poucos, fui percebendo que ganharia minha sobrevivência dignamente, mas rico eu não tinha condiçõescódigo promocional aposta ganhaficar."

Foi numa igreja, observando um colega mais velho, que a realidade veio à tona.

“O homem devia ter uns 65 anos, e pensei que fosse milionário, depoiscódigo promocional aposta ganhatanto tempo mexendo com isso. Quando ele saiu, resolvi espiar do ladocódigo promocional aposta ganhafora. Naquela época, o carro melhor que tinha na praça era o Alfa Romeo, o top dos tops. Mas o cara entrou nervoso num fusquinha amarelo, a lataria balançava toda."

Sobre o vidro traseiro do automóvel, um adesivo advertia Pimenta com a seguinte epígrafe: “Mesmo sendo fotógrafo, heicódigo promocional aposta ganhavencer”.

Pausando o tempo

À caça da própria clientela, Pimenta largou o Foto Mendes para trabalhar como autônomo.

“Parti pro corpo a corpo”, diz. “Não aguento ficar quieto, esperando. Sou muito ansioso e gostocódigo promocional aposta ganhaver o resultado acontecer”.

Trazendo a máquina sob o pescoço e uma reservacódigo promocional aposta ganhafilmes na bolsa, dirigia-se a botecos, onde clicava partidascódigo promocional aposta ganhasinuca — durante o trajeto, era convidado por moradores a fotografar o interiorcódigo promocional aposta ganhasuas residências.

Assim, um burburinho se espalhou pela comunidade: donascódigo promocional aposta ganhacasa exibiam retratos às amigas, e maridos contratavam o serviço para honrar a gravidez das esposas.

Nessas imagens, mulheres amamentam os filhos, casais se abraçam na cama, famílias inteiras se reúnem na cozinha ou na salacódigo promocional aposta ganhaestar. Móveis e eletrodomésticos eram propositalmente enquadrados para criar uma atmosferacódigo promocional aposta ganhaabundância — estantes, vitrolas e aparelhos televisivos são alguns dos elementos mais recorrentes nas composições visuais.

Gradualmente, surgia um modus operandi.

“Procuro conversar com o cliente primeiro, para saber se tem um sorriso preso ou espontâneo, se fotografa melhor do lado direito ou esquerdo. Cabe ao fotógrafo capturar a aura positivacódigo promocional aposta ganhacada pessoa, para que ela se torne linda.”

Em 1986, buscando negativos num laboratório, Pimenta encontrou Misael Avelino, fundador da Rádio Favela. Dele, recebeu a incumbênciacódigo promocional aposta ganhafotografar bailes black na Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Os eventos, promovidos pelo líder comunitário aos sábados, tinham início às 11h da noite e se estendiam até as 5h da manhã, atraindo centenascódigo promocional aposta ganhajovens da periferia ao Diretório Central dos Estudantes.

“Aquela música bate forte, ecoa no ouvido”, relata o fotógrafo. “Ficavam as ruas tudo cheiocódigo promocional aposta ganhagente, dançando, namorando, e tinha o caminhão que eles punham lá fora para fazer dublagem, desfilecódigo promocional aposta ganhamoda, essas coisas.”

Pimenta levava, semanalmente, quatro filmescódigo promocional aposta ganha36 poses, vendendo por três cruzeiros os retratos que produzia ao somcódigo promocional aposta ganhafunk, soul e disco music. Logo nas primeiras semanas, dezenascódigo promocional aposta ganhagarotas o procurariam para adquirir fotoscódigo promocional aposta ganhaum sósiacódigo promocional aposta ganhaMichael Jackson que se apresentara no caminhão. O astrocódigo promocional aposta ganhaThriller era um dos cantores favoritos do público, quase empatando com James Brown; ao fim da noite, predominavam Tim Maia e Marvin Gaye.

“Aí o DJ punha uma seletivacódigo promocional aposta ganhamúsicas lentas, e cada um procurava seu cacho. Era a hora do argumento, né? Os amores nasciam ali, naquela hora dançante. O casal se beijava? Eu batia o primeiro flagra. O cara fazia um passinho bom no meio da pista? Mais um flagra! Hoje, fotografo a quinta geração."

Pimenta sente-se envaidecido ao ser abordado por filhos e netoscódigo promocional aposta ganhavelhos clientes. Emcódigo promocional aposta ganhamemória, permanecem cristalinas as circunstâncias que envolvem certas imagens.

O casamentocódigo promocional aposta ganhaMariângela, por exemplo, ocorreu num sábado. A noiva, entretanto, quis ser fotografada no domingo, sozinha — já na segunda-feira, devolveria o vestido, e precisavacódigo promocional aposta ganhaum retrato individual para enviar a familiares no interior.

Ela aparece no centro do quadro, sobre o chãocódigo promocional aposta ganhaterra batida, a brancura dacódigo promocional aposta ganharoupa se opondo ao céu anil. Em meio a cercas e telhas, nove crianças, três mulheres e um vira-lata caramelo a observam.

“Ela casou assim, na parafernália, tudo emprestado”, recorda Pimenta. “Na entrada do beco, falei pra gente ir até o parque, mas ela não quis, pois as cocotascódigo promocional aposta ganhafamílias conceituadas estavam lá embaixo e iam ficarcódigo promocional aposta ganhagozação. Então, falei que a gente ia tirar a foto ali mesmo."

Também num sábado, Renatinha completou seis anos. Chovia, porém. Maiscódigo promocional aposta ganhavinte pessoas se acotovelaram na minúscula salacódigo promocional aposta ganhaseu barraco, cantando Parabéns a Você, antes que ela soprasse a vela do bolo, ladeado por uma garrafacódigo promocional aposta ganhaCoca-Cola, outracódigo promocional aposta ganhaGuaraná Antarctica, e uma porçãocódigo promocional aposta ganhapastéis.

Ao redor da mesa, todos parecem felizes — especialmente a aniversariante, com laços azuis no cabelo.

“Desde pequena, a Renatinha tem boa conversa. Ela disse pra mãe oferecer arroz com feijão pros convidados, que todo mundo ia ficar satisfeito. A mãe se sensibilizou, conseguiu um dinheiro e falou pra eu ir lá, que me pagaria depois. Naquela foto, só quem morreu foi o pai dela e as duas avós, que aparecemcódigo promocional aposta ganhacanto."

Não é a única imagem a conter visualmente a presençacódigo promocional aposta ganhafinados.

Cristina, moça sonhadora que frequentava a casacódigo promocional aposta ganhaPimenta, morreu aos 16 anos, no parto do primeiro e único bebê. Carmencita, jovem vaidosa que exibia figurinos extravagantes nos bailes black, sucumbiu a um feminicídio. Sônia, criança risonha fotografada no estúdio da Serra, morreria aos 23 anos,código promocional aposta ganhacirrose hepática, após uma desilusão amorosa.

“A gente sente saudades, fica lembrando das coisas”, declara Mendes. “A cada dia que passa, a vida vai se fechando mais e mais pro lado da morte, até que uma hora chega a nossa vez."

Dona Inês, mãe do fotógrafo, faleceu aos 78 anos; o pai, conhecido como Seu Mundinho, aos 83. Em 1967, o filho adolescente pedira a eles que se sentassem na varanda, apertando o botão da máquina sob o crepúsculo das 17h. De costas para um muro rabiscado, o casal ainda nos observa com olhos fixos e as mãos nos joelhos.

“Se eu falar muito dessa foto, eu engasgo”, confessa Mendes. “A luz está apagando, o Sol indo embora, e meus pais repousam na sombra, muito nítidos naquela tardinha. Parece até que vejo os dois vivos, e bate aquela vontade da gente se encontrar novamente. Agora, é contemplar o retrato que fiz."

Pimenta se manifesta: “Não fossem os pais do João, talvez eu nem estivesse aqui. Eles me domaram, me puseram pra trilhar o caminho certo. Porque o fotógrafo é o único cara abaixocódigo promocional aposta ganhaDeus que consegue pausar o tempo".

Apartheid simbólico

O ex-assistente do Foto Mendes revive agora um dia indeterminadocódigo promocional aposta ganha1987, quando Tãozinho, assíduo frequentadorcódigo promocional aposta ganhabares, e Graça,código promocional aposta ganhaesposa, lhe encomendaram um clique. Eles sorriem num sofá com toalha xadrez, envoltos pela parede cor-de-rosa e por uma farta vegetação. Acanhada ecódigo promocional aposta ganhapernas à mostra, a mulher tenta, sem sucesso, esconder-se atrás do marido.

“Ele disse para eu não perder essa foto, que ela circularia o mundo”, lembra Pimenta. “Achei que o cara estava era doido. Quem ia extraviar o retratocódigo promocional aposta ganhaum candango daquele? Sempre achei que a foto ia ficar ali, parada, pegando poeira no barraco. Mas, para minha surpresa, a premonição veio a se cumprir."

Hoje, a obracódigo promocional aposta ganhaJoão Mendes e Afonso Pimenta já não se restringe a becos e vielas. Sua descoberta, porém, evidencia um paradoxo: embora tal iconografia pareça insólita aos gestorescódigo promocional aposta ganhamuseus, ela traduz um universo familiar, com o qual a maioria dos brasileiros se identifica.

“Aqui, vigora um apartheid simbólico”, declara Guilherme Cunha.

“É necessário que a gente nomeie o fato, pois nossa desigualdadecódigo promocional aposta ganharepresentação imagética é tão profunda quanto a socioeconômica, e obedece a regras similares. Assim como o regimecódigo promocional aposta ganhasegregação racial na África do Sul impedia a livre circulação dos corpos negros pelo espaço público, o Brasil obstrui a preservaçãocódigo promocional aposta ganhasuas imagens. Historicamente, as produções periféricas têm sido apartadas dos institutos e centroscódigo promocional aposta ganhamemória. Nesse momento, presenciamos novos esforços para transformar essa realidade."

Segundo o curador, reações emocionais, como choro e alegria, têm sido comuns — sobretudo entre trabalhadores dos espaçoscódigo promocional aposta ganhaque as obras são expostas.

“A arte pressupõe um movimento sensível”, afirma.

“No caso desses fotógrafos, ela se expressa pela compreensãocódigo promocional aposta ganhaseus iguais. A grandeza da existência humana é muito clara nas imagens que ambos constroem. É como se, ao fotografar alguém, eles fotografassem a si próprios."

Mendes, no entanto, admite não compreender plenamente a euforiacódigo promocional aposta ganhatornocódigo promocional aposta ganhasuas criações.

“O pessoal enxerga um montecódigo promocional aposta ganhasignificado nesses retratos, mas eu só me preocupava se o cliente ia achar bom ou ruim”, diz. “Procuro executar do jeito certo, bem feitinho, pra dar um ibopecódigo promocional aposta ganhaacordo, mas nunca achei que fosse ter repercussão. O problema da fotografia é que sinto medocódigo promocional aposta ganhalargar e caircódigo promocional aposta ganhaalgo pior. Mas ainda dá pra segurar a barra, apesar das muitas dificuldades."

Pimenta alega que o serviço está chegando ao fim, abreviado pela disseminação dos smartphones na esfera doméstica. Hoje,código promocional aposta ganharotinacódigo promocional aposta ganhatrabalho se limita a casamentos e bailescódigo promocional aposta ganhadebutantes. Ao migrar para o digital, adquiriu três novas câmeras e cinco cartõescódigo promocional aposta ganhamemória — nunca utiliza o mesmo equipamentocódigo promocional aposta ganhaduas festas consecutivas.

“O zelo que o fotógrafo nutre por seu equipamento é o mesmo que ele deve sentir pelo próprio corpo”, diz.

“O tempo passa e você vai se cansando, mas às vezes o colega não sabe que uma Canon tem vida útil. Outro dia, um cara da minha idade estava me falando que se sente tão bem hoje quanto aos vinte anos. Maior conversa fiada!"