Hospitais podem recusar procedimentos por motivos religiosos?:guide slot
Em nota enviada à BBC News Brasil, o hospital reforçou que é "uma instituição confessional católica" e "tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos".
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"Tais procedimentos são realizados apenasguide slotcasos que envolvam riscos à manutenção da vida."
"Os pacientes que procuram pela Redeguide slotHospitais São Camilo - SP e que não apresentam riscos à saúde são orientados a buscar na rede referenciada do planoguide slotsaúde hospitais que tenham esse procedimento contratualizado", complementa o texto.
Um centroguide slotsaúde pode se recusar a oferecer determinados procedimentos alegando questões religiosas?
A BBC News Brasil consultou especialistasguide slotDireito Sanitário e Bioética — e cada um deles trouxe uma interpretação diferente sobre uma situação dessas, como você confere a seguir.
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'Infração a um direito fundamental'
O advogado Henderson Fürst, presidente da Comissãoguide slotBioética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), avalia que alguns direitos foram violados neste caso.
"O planejamento familiar está configurado como um direito na própria Constituição e aparece regulamentado como lei", pontua o especialista, que também é diretor da Sociedade Brasileiraguide slotBioética.
A lei 9.263, promulgadaguide slot1996, afirma que "o planejamento familiar é direitoguide slottodo cidadão".
No texto desta lei, o planejamento familiar é definido como "o conjuntoguide slotaçõesguide slotregulação da fecundidade que garanta direitos iguaisguide slotconstituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal".
O mesmo artigo ainda lembra que "as açõesguide slotplanejamento familiar serão exercidas pelas instituições públicas e privadas, filantrópicas ou não, nos termos desta Lei e das normasguide slotfuncionamento e mecanismosguide slotfiscalização estabelecidos pelas instâncias gestoras do Sistema Únicoguide slotSaúde".
"Ou seja, estamos dianteguide slotuma infração dos direitos que todo brasileiro possuiguide slotrelação ao planejamento familiar", interpreta Fürst.
Na visão do advogado, a recusa na implantação do DIU — um dos métodos contraceptivos que permite às mulheres organizarem a própria vida e decidirem quando querem ter filhos, como assegurado por lei — representa um problema jurídico.
"Se estivéssemos falandoguide slota instituição recusar uma cirurgia plástica estética, que não está vinculada a um direito fundamental, estaríamos dianteguide slotum cenário bem distinto", exemplifica o advogado.
Fürst vê um segundo pontoguide slotatenção neste debate. Ele lembra que os médicos têm o direitoguide slotnegar atendimento, procedimentos ou tratamentos sob uma justificativaguide slotobjeçãoguide slotconsciência, com fundo moral, ético ou religioso.
Segundo ele, isso não se aplica às instituiçõesguide slotsaúde.
"Vamos imaginar o casoguide slotuma meninaguide slotmenosguide slot14 anos que engravidou. Trata-seguide slotum estupro presumido e ela pode interromper essa gestação. Essa é uma das hipótesesguide slotque o aborto legal está previsto", explica o advogado.
"Agora, vamos supor que todos os médicosguide slotuma instituição se recusem a fazer esse aborto. Eles têm esse direito. Mas é dever do hospital ir atrásguide slotprofissionais que não tenham essa objeçãoguide slotconsciência para realizar o procedimento."
"Uma instituiçãoguide slotsaúde não pode argumentar que não comunga com determinados valores e deixarguide slotprestar o serviço."
Para Fürst, quando um hospital proíbe os médicosguide slotrealizar um certo procedimento — que está regulamentado e aprovado por agências regulatórias e outras instâncias —, há uma limitação da autonomia desses profissionaisguide slotsaúde.
"E isso pode violar o direito e limitar a atuação deles. O códigoguide slotética diz que o médico deve exercerguide slotprofissão com autonomia", diz ele.
'Extrapolação do direitoguide slotmédicos'
Para o advogado Fernando Aith, professor titular da Faculdadeguide slotSaúde Pública da Universidadeguide slotSão Paulo (FSP-USP), o posicionamento do Hospital São Camilo traz uma extrapolação daquela prerrogativa garantida aos médicos.
"Do pontoguide slotvista jurídico, o profissional médico pode se recusar a fazer um atendimento que vá contra qualquer crença ou convicção particular que ele possua. A novidade é esse tipoguide slotpostura ser adotado por uma instituição", reforça o especialista, que também é diretor do Centroguide slotPesquisaguide slotDireito Sanitário da USP.
"Por ser uma instituição privada religiosa, o hospital pode ter regras internas que impõem certos limites aos procedimentos."
"Nesse caso, estaríamos dianteguide slotuma extensão analógicaguide slotuma regra que vale para o médico, como pessoa física, para o empregador. E isso é algo que pode gerar controvérsias jurídicas", admite Aith.
O advogado também destaca a questão da autonomia médica e questiona como o Conselho Federalguide slotMedicina (CFM) se posicionaria dianteguide slotuma situação como essa.
"O empregador pode estar impondo aos seus médicos um tipoguide slotconduta terapêutica que o profissional não necessariamente concorda."
Aith lembra que o CFM utilizou bastante o argumento da autonomia médica durante a pandemiaguide slotcovid-19 para defender a liberdade dos profissionais da saúdeguide slotprescrever determinados tratamentos.
A BBC News Brasil procurou o CFM para avaliar o episódio. Por meio da assessoriaguide slotimprensa, o órgão disse que, como "instânciaguide slotjulgamento", prefere se absterguide slotfazer comentários sobre casos concretos, "para manter a isenção".
"Qualquer pessoa pode apresentar queixa sobre fatos aos quais tenha sido confrontado junto ao Conselho Regionalguide slotMedicina (CRM) do Estado onde tenham ocorrido. Caberá ao CRM analisar a situação e tomar as providências necessárias, após realizaçãoguide slotsindicância", complementa o conselho.
O professor da USP entende que é preciso avaliarguide slotdetalhes se, apesarguide slotser uma instituição privada, o Hospital São Camilo presta algum tipoguide slotserviços ao SUS — e, neste contexto da saúde pública, também veta os métodos contraceptivos.
"Se existir esse tipoguide slotrecusa para pacientes do SUS, haveria uma violaçãoguide slottoda a lógica do sistemaguide slotsaúde e dos protocolosguide slotcontracepção estabelecidos no país", interpreta ele.
A BBC News Brasil questionou o Hospital São Camilo, para entender se existe alguma prestaçãoguide slotserviços pelo SUS — e se, no âmbito da rede pública, a instituição oferece (ou não) métodos contraceptivos que são preconizados pelo Ministério da Saúde.
O hospital respondeu que, "em São Paulo, não realiza atendimento ao SUS".
"Porém, as atividades das unidades Pompeia, Santana e Ipiranga subsidiam cercaguide slot40 unidades administradas pela São Camilo e que atendem pacientes do SUSguide slot15 Estados brasileiros", acrescentou.
A BBC News Brasil perguntou novamente se as unidades ligadas ao SUS administradas/subsidiadas pelo São Camilo oferecem métodos contraceptivos.
Em resposta, o hospital encaminhou uma nota das entidades camilianas — a ordem católica que gere a instituição:
"Informamos queguide slottodas as unidades a diretriz é não realizar procedimentos contraceptivosguide slothomens ou mulheres, excetoguide slotcasosguide slotrisco à saúde,guide slotalinhamento ao que é preconizado às instituições confessionais católicas."
'Não há urgência ou emergência'
A advogada Mérces da Silva Nunes, especialistaguide slotDireito Médico e Bioética pela Faculdadeguide slotCiências Médicas da Santa Casaguide slotSão Paulo, entende que a postura do Hospital São Camilo não apresenta problemas do pontoguide slotvista jurídico.
"Primeiro, trata-seguide slotuma instituição privada, que professa a doutrina da Igreja Católica e segue esse regramento", começa ela, que também é mestre e doutoraguide slotDireito pela Pontifícia Universidade Católicaguide slotSão Paulo (PUC-SP).
"Além disso, nesse caso concreto, não há uma situaçãoguide sloturgência ou emergênciaguide slotrelação à saúde ou à vida da paciente."
"Toda a questão está centrada na necessidade imediataguide slotsocorro do paciente. O planejamento familiar é uma necessidade, mas não é algo que terá um impacto imediato na saúde do indivíduo. É algo diferenteguide slotvocê precisar socorrer alguém com prontidão, para evitar uma morte."
"Ou seja, como não era uma situaçãoguide slotemergência, eu entendo que a instituição pode sim autorizar ou não determinados procedimentos", complementa ela.
Para a especialista, esse caso contrapõe diferentes direitos fundamentais. Por um lado, as pessoas têm garantido por lei o acesso ao planejamento familiar. Por outro, há questõesguide slotliberdade religiosa — e instituições privadas podem escolher os procedimentos que elas vão oferecer ao público.
"Se esta fosse a única instituição que realiza esse tipoguide slotprocedimento, daí entendo que ela não poderia se recusar a fazê-lo. Mas é possível acessar esse método contraceptivo por outros meios, no próprio planoguide slotsaúde", argumenta ela.
Nunes reforça que,guide slotcasosguide slotvida ou morte, as instituiçõesguide slotsaúde são obrigadas a prestar assistência e realizar procedimentos, mesmo que eles sejam contrários à visãoguide slotmundo ou às diretrizes internas do estabelecimento.
"Além disso, se estivéssemos falandoguide slotuma instituição públicaguide slotsaúde, isso não teria cabimento, porque há o dever constitucionalguide slotfazer todos os procedimentos necessários para a preservação da saúdeguide slotuma pessoa", pontua a advogada.
Nunes também destaca que o São Camilo deixou claro que não oferece métodos contraceptivos nem para homens, nem para mulheres.
Caso o estabelecimento só limitasse o acesso do público feminino, no entanto, poderia enfrentar problemas. Nesse caso hipotético, haveria uma desigualdadeguide slotgêneros.
"Eu particularmente penso que, numa situação dessas, haveria um ato discriminatório e a instituição poderia responder por isso", explica ela.
'Do pontoguide slotvista da bioética, há vários riscos'
O médico infectologista Dirceu Greco, professor emérito da Universidade Federalguide slotMinas Gerais (UFMG), lembra que esse não é o primeiro episódioguide slotque instituiçõesguide slotsaúde que têm vínculo com a Igreja Católica se recusam a oferecer métodos contraceptivos durante consultas.
Numa reportagem publicadaguide slot2019 no site Rewire News Group, a escritora Evann Normadin relatou que não teve acesso ao DIU mesmo após pedir a implantação do dispositivo durante uma consulta realizada no Hospital Universitário Medstar Georgetown,guide slotWashington, nos Estados Unidos. O centro também é gerido por organizações católicas.
Já uma matéria do The Guardianguide slot2023 destaca que hospitais controlados por instituições católicas na Austrália usavam o argumento religioso para negar a realizaçãoguide slotdiversos métodos contraceptivos — desde a laqueadura até o DIU.
Greco, que foi presidente da Sociedade Brasileiraguide slotBioética, também chama a atenção para alguns artigos do Códigoguide slotÉtica Médica, publicado pelo CFM.
O artigo 31, por exemplo, afirma que é vedado ao médico "desrespeitar o direito do paciente ouguide slotseu representante legalguide slotdecidir livremente sobre a execuçãoguide slotpráticas diagnósticas ou terapêuticas, salvoguide slotcasoguide slotiminente riscoguide slotmorte".
Já o artigo 42 diz que este profissionalguide slotsaúde não pode "desrespeitar o direito do pacienteguide slotdecidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco".
"Os princípios fundamentais do Códigoguide slotÉtica também apontam que 'a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminaçãoguide slotnenhuma natureza'", cita Greco, que é membro do Comitê Internacionalguide slotBioética da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Na avaliação do professor, ao recusar o acesso a métodos contraceptivos, um hospital pode estar desrespeitando esses princípios e artigos.
"Então, do pontoguide slotvista da bioética, há vários riscos numa situação como essas. Primeiro, mesmo num Estado laico como o nosso, parece haver um impedimento para que as coisas aconteçam com respeito à separação entre Igreja e o Estado", opina Greco.
"Um caso desses também descarta a decisão pessoal, autônoma e informada do pacienteguide slotreceber tratamento ou procedimento, que está correto do pontoguide slotvista científico."
Por fim, Greco diz que é necessário avaliar a abrangência dessas decisõesguide slothospitais e centrosguide slotsaúde brasileiros, que estãoguide slotalguma maneira ligados a uma religião.
"Precisamos ver se as pessoas estão impedidasguide slotexercer seus direitos aos cuidadosguide slotsaúde baseados exclusivamenteguide slotcausas religiosas, que podem irguide slotencontro ao focoguide slottoda a atenção médica, que é sempre a saúde do paciente sem qualquer tipoguide slotdiscriminação", conclui ele.