Por que PT mantém apoio a Maduro enquanto parte da esquerda critica:sport 4
"O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houve. E ao mesmo tempo ele reconhece que o colégio eleitoral, o tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não", disse Lula.
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Fim do Matérias recomendadas
"Então, tem um processo. Não tem nadasport 4grave, não tem nadasport 4assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nadasport 4anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e Justiça faz."
A oposição venezuelana, porém, diz que o Poder Judiciário é dominado por Maduro. Também contesta a noçãosport 4que haja uma normalidade no processo político do país, apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.
Além disso, órgãossport 4direitos humanos, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam violaçõessport 4resposta a protestos no país e prisões arbitráriassport 4oponentes, além da inabilitação políticasport 4muitos deles.
A cautelasport 4Lula ao tratar da questão venezuelana tem diferenciado o mandatário brasileirosport 4outros líderessport 4esquerda latino-americanos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, e o presidente colombiano, Gustavo Petro, que têm sido mais vocaissport 4seus questionamentos quanto à lisura do processo eleitoral venezuelano.
Referência na esquerda para Lula, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica dissesport 4fevereiro que na Venezuela "existe um governo autoritário" e que era possível chamar Madurosport 4ditador.
Mas por que o Partido dos Trabalhadores mantém seu apoio a Maduro, mesmosport 4um momentosport 4que Lula e seu governo optam por adotar um tom mais cauteloso?
Quão prevalente é essa posição dentro do PT, diante das críticas abertas ao processo eleitoral na Venezuela feitas por parlamentares petistas como o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) e o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do PT na Câmara?
E como foi o processo internosport 4aprovação da nota divulgada pelo PT?
A BBC News Brasil conversou com o historiador Lincoln Secco, da Universidadesport 4São Paulo (USP), o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com membros da Comissão Executiva Nacional do PT — que falaram sob a condiçãosport 4não terem seus nomes divulgados — para entender essas e outras questões.
A reportagem também entrousport 4contato com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não respondeu ao pedidosport 4entrevista.
A assessoria da presidente do partido também disse à reportagem que "não há o que acrescentar" com relação à nota, quando questionada, por exemplo, sobre por que o PT decidiu, diferentemente do governo, que a divulgação das atas eleitorais não deveriam ser uma condição prévia para o reconhecimentosport 4Maduro.
Já Randolfe Rodrigues e Reginaldo Lopes alegaram problemassport 4agenda, devido a viagens para participaçãosport 4convenções partidárias.
'Nota reafirma posiçõessport 4esquerda à militância do partido'
Um primeiro passo para entender a nota do PT é compreender o papel da áreasport 4relações internacionais dentro do partido, observa Lincoln Secco, professorsport 4História Contemporânea da USP e autorsport 4História do PT (Ateliê Editorial, 2018).
"A áreasport 4relações internacionais do PT é aquela que se coloca mais à esquerda na direção do partido", observa Secco.
Isso acontece, segundo ele, porque o PT é um partidosport 4tendências (ou seja, composto por diferentes correntes internas que disputam entre si). E, historicamente, os setores mais à esquerda não têm os principais cargos, ocupando áreas que são vistas como secundárias, como asport 4relações internacionais.
Ele lembra, por exemplo, da nota publicada pelo partido celebrando a vitóriasport 4Daniel Ortega para um quarto mandato na Nicaráguasport 42021,sport 4eleições marcadas por acusaçãosport 4fraude — o que Ortega nega.
E também o fatosport 4o PT ser ligado ao Forosport 4São Paulo, articulaçãosport 4partidos e movimentos políticos latino-americanos e caribenhos, que tem entre seus membros o Partido Comunistasport 4Cuba; a Frente Sandinistasport 4Liberação Nacional,sport 4Ortega; o Partido Socialista Unidosport 4Venezuela,sport 4Maduro; o Movimento ao Socialismo, do presidente da Bolívia, Luis Arce; entre outros.
Na avaliação do historiador, embora muitos acreditem que o PT tem autonomiasport 4relação ao governo, isso não ocorre.
Afinal, apesarsport 4tratar-sesport 4um governosport 4frente ampla, o partido ocupa grande númerosport 4ministérios e está presentesport 4todos os escalões do governo.
Assim, nas questões internacionais, o PT encontra maior margem para marcar posições à esquerda do governo.
"São questões que afetam menos diretamente a popularidade interna do governo Lula", avalia Secco.
"Isso abre uma possibilidade para o PT ter maior liberdade também para reforçarsport 4imagemsport 4esquerda perantesport 4militância. Porque, na verdade, esse é um discurso para a militância, não é um discurso para a sociedade."
Em entrevista à BBC News Brasil no início da semana, o professor Felicianosport 4Sá Guimarães, do Institutosport 4Relações Internacionais da USP, expressou um pontosport 4vista diferente dosport 4Secco.
Para Guimarães, a cautelasport 4Lula ao tratar da questão se deve justamente ao fatosport 4que o tema Venezuela é muito sensível internamente.
"O custosport 4reconhecer Maduro como vitorioso é muito alto para o governo brasileiro", disse Guimarães.
"Esse é um tema muito delicado domesticamente, porque a maioria da população brasileira tem uma visão muito negativa da Venezuela e do governo Maduro."
Além disso, os laços entre Lula e o PT e aliadossport 4esquerda considerados controversos, como Maduro, são um frequente temasport 4ataques feitos por opositores como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
Lincoln Secco avalia, no entanto, que a dissonância entre a posição do partido e a do Itamaraty poderá se complicar ou se resolver, a depender do desdobramento da crise na Venezuela.
"Caso haja essa suposta entrega das atas e o governo brasileiro imediatamente reconheça o governo Maduro, esse problema desaparece", diz Secco.
"Caso não seja apresentado, isso cria um impacto muito sério para a posição do governo Lula. E aí vai ter uma fricção maior com o partido, porque o partido se antecipou."
Os bastidores da aprovação da nota
Um parlamentar que faz parte da Comissão Executiva Nacional do PT avalia que a publicação da nota foi precipitada e revela ter se arrependidosport 4votar porsport 4aprovação — que passou com 21 votos favoráveis (de um totalsport 428), um deles com ressalva, e nenhum voto contrário, segundo outro membro da Executiva.
"Acho que o mais óbvio era esperar o governo se manifestar e fechar uma posição igual à do governo", avalia o parlamentar.
"Óbvio que já houvesport 4outros momentos, inclusivesport 4relação à Venezuela, Nicarágua, situaçõessport 4que a Secretariasport 4Relações Internacionais do PT tomou uma posição e o governo tomou outra. E gerou, inclusive, conflitos e tal. Só que esse é um problema muito mais complexo, né?"
Os membros da Executiva ouvidos pela BBC News Brasilsport 4forma reservada avaliam que o processosport 4aprovação da nota foi açodado.
Isso porque houve uma reunião da Executiva na tarde da própria segunda-feirasport 4que a nota foi divulgada, mas o tema não foi discutido.
No encontro, Gleisi Hoffmann apenas teria comentado o tema Venezuela, informando que ainda não havia sido escrita uma nota.
Mais tarde, por voltasport 422h, o texto foi postado no gruposport 4WhatsApp da Executiva. Sem que houvesse debate presencial ou virtual, os membros votaram pela aprovação do texto, que foi publicado na página do PTsport 4torno das 23h.
"Quando eu vi, já tinha acabado o processo [de votação]", relata um membro da Executiva que não conseguiu votar, afirmando que o processo todo foi encerradosport 4cercasport 415 minutos.
Na avaliação desse membro da Executiva, os dirigentes e deputados do PT enviados à Venezuela para acompanhar o processo eleitoral no país vizinho são emsport 4maioria pró-Maduro, assim como a direção do partido.
"A direção é majoritariamente pró-Maduro. Não tenho dúvida disso. Mas não é verdade que isso seja o estadosport 4espírito do enquadramento do partido", diz essa pessoa, referindo-se aos chamados "quadros", isto é, os militantes do PT, partido que contavasport 42023 com maissport 41,6 milhãosport 4filiados, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Assim, haveria uma pressão interna pela publicação da nota.
Mas as próprias disputas internas ao partido ficam evidentes, na avaliação dos interlocutores, pelo tom considerado moderado do texto, quesport 4dado momento afirma:
"Temos a certezasport 4que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolas Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela."
Na avaliação dessas pessoas e dos analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a frase abre espaço para o PT mudarsport 4posição caso as atassport 4urnas não venham a ser apresentadas.
Mesmo não tendo conseguido votar, o membro da Executiva defende a independência do partido com relação ao governo na tomadasport 4posições políticas, sejasport 4temas externos, como internos.
"Desse pontosport 4vista, não se pode usar o argumento que alguns usam, que a gente atropelou o governo", argumenta o petista.
"O PT foi formado assim. Inclusive nos documentos originais, diz até que ele subordina asport 4presença institucional aos movimentos, às lutas populares. E explica: porque o objetivo é a transformação da sociedade. Inclusive das próprias instituições."
A divergência entre partido e governo muitas vezes "ajuda o governo a acertar", defende o membro da Executiva.
"O curso geral do governo não ésport 4conflito com a classe dominante. Ésport 4acomodação, pelo menos no nível do Congresso, e a partir daí, com as forças sociais e econômicas que estão detrás", diz este membro da Executiva.
"Então o partido mantendo a independência, ele pode vocalizar,sport 4momentos agudos, um conselho, uma opinião. Dar outro viés. Ajudar o governo a acertar."
'Fetiche com relação a ditadurassport 4esquerda'
Entre políticos e analistas esquerdistas que defendem a experiência do chavismo e o governo Maduro, muitos argumentam que o grupo dominante na Venezuela está sob ataque constantesport 4"forças imperialistas" e luta contra o lobby ativo dos Estados Unidos no país, o que, emsport 4visão, deve ser levadosport 4consideração na análise do processo político.
Apontam as sanções americanas impostas ao país — e brevemente afrouxadas no ano passado durante a vigência do acordo que abriu caminho para a realização das eleições — como o principal causador da dura crise econômica.
Além disso, consideram que a oposição a Maduro só está interessadasport 4reduzir direitos sociais e privatizar a indústria petroleira, sem ter compromisso com a democracia, como na tentativasport 4golpe contra o então presidente Hugo Chávezsport 42002.
O cientista político Claudio Couto, da FGV, vê a postura do PTsport 4manter o apoio a Maduro como partesport 4"uma postura fetichista da esquerda" com relação às ditaduras deste campo político.
E avalia que a dissonância entre PT e Itamaraty reforça uma percepção dentro do paíssport 4que o partido não teria clareza com relação à defesa da democracia.
Issosport 4um momentosport 4que Lula busca fortalecer as instituições brasileiras, após o que considera como uma ameaça golpista por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores, depois dos ataquessport 48sport 4janeirossport 42023.
"O PT tem um histórico muito complicado nessa relação com ditadurassport 4esquerda na América Latina", considera Couto.
"Sempre é um históricosport 4referendar,sport 4não fazer nenhum tiposport 4crítica,sport 4fechar os olhos para os problemas que existem nestes regimes autoritáriossport 4esquerda latino-americanos, haja visto o que acontece historicamente com Cuba, com a Nicarágua e mesmo com a Venezuela."
Segundo o cientista político, embora a nota do PT adote um tom relativamente sóbrio, ao reconhecer a vitóriasport 4Maduro, são ignoradas a maneira como o processo eleitoral transcorreu na reta final — com alegaçõessport 4fraude na contagemsport 4votos,sport 4votos não considerados e a declaração da vitóriasport 4Maduro antes da publicação das atassport 4urna —, alémsport 4tudo aquilo que aconteceu antes.
Ele cita, por exemplo, a exclusãosport 4candidaturas, a detençãosport 4membros dos partidossport 4oposição e as restrições ao votosport 4venezuelanos expatriados,sport 4um país onde cercasport 425% da população (em tornosport 47,7 milhões,sport 4um totalsport 428,3 milhões) vivesport 4diáspora.
"Há uma sériesport 4vícios que tornam essa nota do PT uma nota muito ruim, porque mesmosport 4um estilo mais sóbrio do que osport 4hábito, ela ainda assim é uma nota que dásport 4barato que está tudo certo, e não está", diz o cientista político.
"Eu só consigo entender essa nota do PT como dando sequência a essa história, que eu gostosport 4definir como 'fetichista', que a esquerda latino-americanasport 4maneira mais geral, e o PTsport 4particular, tem com respeito às ditaduras da esquerda, que é nunca ter qualquer tiposport 4crítica, muito pelo contrário, ficar buscando formassport 4racionalizar a defesa dessas ditaduras com argumentos supostamente democráticos, que sabemos que são argumentos que não paramsport 4pé."
Nem toda a esquerda
Alémsport 4explicitar uma dissonância entre Itamaraty e PT, o resultado das eleiçõessport 4domingo (28/7) na Venezuela também deixam claras divisões internas dentro do próprio partido e da esquerdasport 4geral com relação à situação do país vizinho.
Na segunda-feira, por exemplo, o deputado federal Reginaldo Lopes, vice-líder do PT na Câmara, postou emsport 4conta no X (antigo Twitter) dizendo que "a atuaçãosport 4Maduro na Venezuela é a posturasport 4um ditador".
No dia seguinte, foi a vez do senador Randolfe Rodrigues, recém filiado ao PT, divergir da executiva nacional da sigla e criticar as eleições realizadas na Venezuela.
"Uma eleiçãosport 4que os resultados não são passíveissport 4certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade", disse Randolfe à CNN.
Na quarta-feira (31/7), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que a Venezuela "não se configura como uma democracia".
"Na minha opinião pessoal — eu não falo pelo governo — [a Venezuela] não se configura como uma democracia. Muito pelo contrário", afirmou a ministra ao portal Metrópoles.
"O Brasil está muito correto quando diz que quer ver o resultado eleitoral, os mapas, todas as comprovaçõessport 4que,sport 4fato, houve ali uma decisão soberana do povo venezuelano."
Também na segunda-feira, Juliano Medeiros, ex-presidente nacional do PSOL — atualmente fora da Executiva Nacional do partido e dedicado à campanhasport 4Guilherme Boulos à prefeiturasport 4São Paulo — também postou nas redes sociais elogiando a posiçãosport 4cautela adotada pelo Itamaraty.
Na quarta-feira, Medeiros voltou a postar sobre o tema, dizendo "subscrever integralmente" uma postagem do presidente colombiano Gustavo Petro, crítica à situação na Venezuela.
"As sérias dúvidas que se estabelecemsport 4torno do processo eleitoral venezuelano podem levar seu povo a uma profunda polarização violenta com graves consequências (...)", escreveu Petro, na postagem republicada pelo ex-presidente do PSOL.
"Convido o governo venezuelano a permitir que as eleições terminem pacificamente, permitindo um escrutínio transparente com contagemsport 4votos, atas e supervisão por todas as forças políticas do seu país e supervisão internacional profissional", disse ainda Petro.
Procurado pela BBC News Brasil, Medeiros preferiu não dar entrevista, explicando que não é mais da direção nacional do PSOL e que uma declaraçãosport 4poderia ser confundida com a do partido.
Para Lincoln Secco, da USP, a importância que a Venezuela tomou no debate político brasileiro — tendo marcado presençasport 4todas as últimas eleições presidenciais e até nas eleições municipais deste ano — se deve à peculiaridade da situação daquele país.
"A Venezuela é um caso difícil da esquerda debater. Porque ela tem um caminho muito próprio nessa ondasport 4esquerda que começa no final do século 20, início do século 21", observa o historiador.
"Por um lado, tem uma origem militar, o que não é comum na América Latina. E tem uma retórica socialista bastante radical, o que também não é comum."
Ao mesmo tempo, diz Secco, a prática econômica interna do chavismo não é "revolucionária". Isso porque há uma hegemonia da esquerda, que convive com o que é chamadosport 4"boliburguesia", uma elite que enriqueceu a partirsport 4suas relações com o chavismo.
Tudo issosport 4um país mergulhadosport 4uma grave crise econômica, que levou o Produto Interno Bruto (PIB) da Venezuela a encolher maissport 460% somente na última década, e que já levou milhões a migrar.
"Então, é um regime muito específicosport 4relação aos outros regimessport 4esquerda da América Latina. Isso causa uma grande dificuldadesport 4posicionamentosport 4relação a ela", avalia o historiador.
"E acredito que a extrema direita percebe essa dificuldade do PTsport 4relação a um regime como o venezuelano."