Apolonia Flores, a meninaslot moeda12 anos torturada por ditadura no Paraguai por ser considerada 'guerrilheira':slot moeda
Mas não muito longe dali, o plano para silenciar o protesto começava a tomar forma.
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Apolonia foi uma das muitas vítimas do governo do general paraguaio Alfredo Stroessner, líder do governo militar mais longevo da história da América do Sul e que repreendeu violentamente o movimento pela reforma agrária e distribuição mais justaslot moedaterras.
Hoje, aos 56 anos, ela relataslot moedahistória à BBC News Mundo, serviçoslot moedalíngua espanhola da BBC.
Segundo a paraguaia, a luta pela terra entrou emslot moedavida quando tinha apenas 7 anos.
Naquele momento, a roça que seus pais trabalhavam no departamentoslot moedaMisiones, no Paraguai, já não era suficiente para a família.
Como resultado da organização camponesa, conseguiram que o Institutoslot moedaBem-Estar Rural (IBR) cedesse 500 hectaresslot moedaAcaraymí, Alto Paraná, para famílias pertencentes às Ligas Agrárias Cristãs.
A organização se fortaleceu nas décadasslot moeda1960 e 1970 e suas bandeiras coletivistas incomodaram especialmente a Alfredo Stroessner, que governouslot moeda1954 a 1989.
Em 1975,slot moedafamília se mudou para Acaraymí. Apolonia era uma menina alegre que brincava no mato com as criançasslot moedasua comunidade.
Mas a calma dos dias no campo foi interrompida quando o general Leopoldo Ramos Giménez eslot moedaesposa, Olga Mendozaslot moedaRamos Giménez, conhecida como "Ña Muqui", passaram a reivindicar as terras onde a comunidade trabalhava.
O casal também é acusadoslot moedadar as ordens para um gruposlot moedasoldados matar todos os animais das fazendas locais e promover um cerco à comunidade local.
O cerco organizado pelos militares durou quatro anos. Três irmãosslot moedaApolonia morreram no assentamento por faltaslot moedaatendimento médico.
Sem remédios nem comida, encurraladosslot moedauma espiralslot moedaperseguições e prisões, os camponeses decidiram lutar por suas reivindicações.
1. A viagem
Em 8slot moedamarçoslot moeda1980, aos 12 anosslot moedaidade, Apolonia e outros vinte adultos que faziam parte das Ligas Agrárias Cristãs se prepararam para viajar para a capital paraguaia.
"Se você se levantar contra Stroessner, ele vai te matar. Você não pode ir embora!", implorou Genara Rotela, mãeslot moedaApolonia, à filha.
"Prefiro morrer a viver assim! Não quero mais continuar nessa miséria, mãe", desabafa Apolonia, que por fim parteslot moedaviagem com o grupo.
No caminho, Mario Ruiz Díaz, um companheiroslot moedaviagem, tenta convencê-la mais uma vez a voltar. "Fique aqui na escola e amanhã você volta para casa", ele disse a ela, enquanto passavam pelo prédio onde Apolonia estudava.
"Não insista. Vou com você até o fim!".
Durante o caminho, os camponeses param um ônibus da empresa Rápido Caaguazú que viajava à noite para Assunção. Victoriano Centurión, líder do grupo, convence o motorista a levá-los à capital.
Mas no meio da noite, balas começam a ser disparadas contra o veículo. Mulheres, crianças e idosos viajavam no veículo com os camponeses.
O interior do ônibus fica cobertoslot moedavidro estilhaçado das janelas quebradas. Todos caem no chão. "Os militares estão chegando", Apolonia escuta.
"Vamos todos morrer!", diz um passageiro,slot moedameio a gritos desesperados.
Os camponeses descem do ônibus e se abrigam na mata. Eles andam por horas, comendo milho cru e mandioca. Ninguém dorme naquela noite.
2. A perseguição
Junto com integrantes do Exército e da Polícia Nacional, civis armados que respondem ao Partido Colorado do líder paraguaio participam da perseguição aos camponeses.
A ordem é acabar com os "guerrilheiros" com sangue e fogo.
No dia 12slot moedamarço, por volta das 4 da tarde, um dos camponeses sai do esconderijo onde se abrigaram após o acidente com o ônibus para buscar água.
Na volta, alerta aos companheiros: "Os militares estão chegando, preparem-se camaradas, são muitos!".
Os camponeses se dividem para fugir. O gruposlot moedaApolonia caminhava sob um aguaceiro quando um tiro quebra o silêncio da noite.
Apolonia cai no chão. Ela foi atingida por seis balas e tem as pernas machucadas.
Cercada pela polícia, ela fecha os olhos. Prenda a respiração. "Senhor Todo Poderoso, se vou ser útil para meus irmãos, me ajude a encontrar uma saída", ela implora aos céus.
"Essa menina está morta. Vamos revistá-la, ela já tem pelos", disse um dos policiais. Ele rasga as roupas dela. Ele quer apalpá-la.
“Ninguém vai me tocar!”, grita Apolonia se levantando. Os policiais, que acreditavam que ela estava morta, se assustam. Eles dão alguns passos para trás.
Eles perguntam por Victoriano Centurion, enquanto apontam suas armas contra a menina.
"Matem-me, por favor, não toquem maisslot moedamim!", exclama. "Não sou um animal, sou um ser humano como você."
Os policiais riem e abusam sexualmenteslot moedaApolonia. Depois, arrastam seu corpo pelo mato.
Um chefeslot moedapolícia intercede e a leva para o hospital Caaguazú.
"O que vamos fazer se ela morrer?", murmura o motorista da ambulância. “Se a menina morrer, tenho ordens precisas: vamos jogá-la na estrada”, responde outro funcionário.
3. Uma visita inesperada no hospital
Apolonia acorda quatro dias depois no Hospital Policial Rigoberto Caballero. Suas mãos e pés estão amarrados à cama. Stroessner entra na sala.
"Você saiu daslot moedacomunidade porque queria estudar. Trouxe uma proposta para você", anuncia El Rubio, apelido pelo qual o líder é conhecido. Apolonia olha para a parede.
"Por que você não fala comigo? Ela engoliu a língua quando foi baleada?", pergunta o soldado a uma enfermeira.
"Vocês são comunistas que se levantaram contra mim", disse ele à menina na segunda visita ao hospital.
A terceira vez é mais contundente: "Se você não aceitar minha proposta, vai para o presídio Bom Pastor".
A oferta - conta Apolônia à BBC Mundo - incluía abrir mãoslot moedasua comunidade,slot moedasua família, para morar com as enfermeiras que cuidavam dela no hospital.
"Por que, senhor presidente? Por que eu? Por que não oferece o mesmo aos meus colegas?", pergunta a moça. "Vou voltar para a minha comunidade", diz ela.
Ofuscado pela tenacidade da menina, El Rubio sentenciou: “Na prisão você vai morrer com essas feridas, ninguém vai cuidarslot moedavocê. E se voltar para a comunidade, vai ser picada por um mosquito. Todos vão morrer".
4. A prisãoslot moedaApolonia
Eles a transferem, por ordemslot moedaStroessner, para o Departamentoslot moedaInvestigações da Polícia Nacional. Mais tarde, ela é enviada para a prisão Buen Pastor.
"Lá vem a selvagem, a guerrilheira", ouve ao chegar à Penitenciária Nacional Feminina.
Na prisão estudou culinária, corteslot moedacabelos e redação. Durante a internação, foi atendida por membros da Comissãoslot moedaAuxílio Emergencial das Igrejas (Cipae) e advogados.
Por vezes,slot moedamãe a visitava.
“Veio à minha procura?”, perguntou Apolenia, chorando,slot moedauma das ocasiões. Genara a consolou, carregando um bebêslot moeda3 meses nos braços. Era junho.
"Tem que ficar para que tratem daslot moedaperna", dizia Heriberto Alegre, advogado da Cipae.
Os carcereiros matavam o tempo aos domingos fazendo-a fumar cigarros. Quando a forçavam a beber cerveja, ela vomitava. Eles não a deixavam dormir.
Um dia, a levaram para testemunhar no Palácio da Justiça. Quando os fotógrafos ativam seus flashes, ela desmaiou: temia que a machuquem da mesma forma como fizeram quando ela foi presa.
Ela foi libertada após prestar depoimento perante os juízes e seu pai a levouslot moedavolta a Acaraymí, onde organizou uma festaslot moedaboas-vindas.
A celebração, no entanto, foi interrompida por policiais que entraram no localslot moedaforma violenta.
5. Os desaparecidos
Na operaçãoslot moedaCaaguazú, que feriu Apolonia, outros dez manifestantes foram capturados e levados para a fazendaslot moedaum líder do Partido Colorado. Acredita-se que foram mortos e enterradosslot moedaalgum lugar nas proximidades.
Os camponeses das Ligas Agrárias Cristãs continuam desaparecidos até hoje.
Desde 2017, o médico Rogelio Goiburú, chefe da Diretoriaslot moedaMemória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça do Paraguai, realizou quatro viagensslot moedareconhecimento comslot moedaequipe para encontrar o local onde estariam os restos mortais dos camponeses.
Por meioslot moedarelatosslot moedapessoas que conseguiram falar com os repressores, desenhou um mapa e,slot moedaoutubroslot moeda2022, um gruposlot moedahomensslot moedasua confiança começou a cavar um terreno.
Após 60 diasslot moedabuscas e oito espaços cavados, nenhum resto humano foi encontrado.
Posteriormente,slot moeda2009, a equipeslot moedaGoiburú recuperou os primeiros restos mortais dos desaparecidos no prédio do Grupo Especializado da Polícia Nacional, que funcionou como um centroslot moedadetenção durante o regimeslot moedaStroessner.
Encontraram oito fossas coletivas “esvaziadas pelo general Galo Longino Escobar para ocultar os desaparecimentos forçados perpetrados por seu pai, o coronel Juan Ramón Escobar”, afirma o médico paraguaio.
"Não éslot moedatodo incongruente que tenham retirado os corpos daqui para os levarem para outro local", diz Goiburú apontando para o terreno escavado.
Com a coletaslot moedanovos testemunhos, outra áreaslot moedabuscas foi traçada, diz Goiburú à BBC Mundo, a sudeste do local onde começaram as escavações.
“É um trabalho lento, mas necessário. O segredo está na nossa virtudeslot moedaperseverança e paciência que vem das nossas raízes indígenas”, afirma o médico.
Produtoslot moedaanosslot moedapesquisa, existem 30 locais demarcados para futuras buscasslot moedatodo o país.
Não há militares, policiais ou civis no radar da Justiça pelos desaparecimentos forçados dos dez camponeses.
"Tenho dez nomesslot moedasoldados que participaram do massacre. Três ou quatro deles morreram", explica Goiburú.
Ele espera que, com base no trabalho realizado, a Justiça peça ao Executivo os nomes dos envolvidos na repressão.
Dois mil soldados do exército permaneceram por dois anos na área onde os camponeses foram perseguidos.
6. Os familiares
Os responsáveis pelas escavações montaram uma fileiraslot moedatendas para os familiares das vítimas se protegerem do calor diário e do orvalho noturno durante os dois mesesslot moedainvestigação.
Goiburú assegura que a busca pela memória, verdade, justiça, reparação e garantiasslot moedanão repetição dos crimesslot moeda'stronismo' é uma fotografia dos últimos 200 anos do Paraguai.
Caaguazú, que significa "selva grande"slot moedaguarani, é um oceano verdeslot moedasoja que se move ao ritmo da agroindústria latifundiária e da monocultura, pontilhada por ocasionais plantaçõesslot moedacana-de-açúcar.
7. Busca e identificação
Cercaslot moeda450 desaparecimentos forçados foram registrados no Paraguai. Para Goiburú, na verdade são mais.
Ele conta que alguns familiares não denunciaram por medo ou porque não tinham recursos. Também aponta para a faltaslot moedadocumentação dos povos originários.
Menciona ainda o casoslot moedameninas que foram convocadas para estudar e crescer com famílias ricasslot moedaAssunção, mas que supostamente foram recrutadas como escravas sexuais por Stroessner e seu círculo íntimo e nunca voltaram para casa.
A Diretoriaslot moedaMemória e Reparação Histórica realizou escavaçõesslot moedaoito dos 17 departamentos paraguaios: Misiones, Itapúa, Ñeembucú, Cordilheira, Caazapá, Central, Assunção e Paraguarí.
Segundo informações da Equipe Argentinaslot moedaAntropologia Forense (EAAF), 34 corpos foram recuperadosslot moedasete locais do país.
Além disso, a EAAF mantémslot moedaseu bancoslot moedadados 227 amostrasslot moedasangueslot moedaparentes das vítimas, a maioria coletada pela Diretoriaslot moedaMemória Histórica e Reparação do Paraguai.
Jajoheka Jajotopa ("nos procuramos, nos encontramos",slot moedaguarani) é a campanha nacional que a organização dirigida por Goiburú promove com o objetivoslot moedaextrair amostrasslot moedasangue para o banco genéticoslot moedafamiliaresslot moedavítimas do sstronismo.
A ideia é comparar as amostras com a análise do perfil genético dos restos ósseos encontrados e, posteriormente, com o perfil genético da população.
Goiburú também procura seu pai, Agustín Goiburú, sequestradoslot moeda9slot moedafevereiroslot moeda1977 no Paraná,slot moedaEntre Ríos, por agentes paraguaios, e transferido para o Departamentoslot moedaInvestigações Policiaisslot moedaAssunção.
Segundo Rosa Mercedes Palau, coordenadora do Centro-Museu da Justiça, o Arquivo do Terror guarda os registrosslot moeda394 meninas e meninos detidos com suas famílias durante o regime militar.
Muitos acompanharam seus paisslot moedamarchas camponesas.
Apolonia Flores,slot moeda12 anos, está entre as detidas mais jovens da história do Paraguai. Ela foi confinada na prisão Buen Pastor por um ano e ainda temslot moedaseus registros criminais uma passagem por assalto à mão armada.
Embora o Instituto Nacionalslot moedaDesenvolvimento Rural e Territorial (Indert) tenha lhe concedido o prêmioslot moeda2017, ela não possui a titulação do lote que ocupa na comunidade Ko'e Rory, no estado do Alto Paraná.
Aos 56 anos, Apolonia continua a lutar por um pedaçoslot moedaterra para viver.
Às vezes, a dor nas pernas impede que ela durma, ande ou fiqueslot moedapé por muito tempo. Ela sonha com helicópteros, com policiais, com tortura.
“Sou uma camponesa com muito orgulho e tenho esses buracos no corpo: é o mapa do que Alfredo Stroessner fez comigo”, diz ela.
Embora carregue na pele a herança da violência do regime, seus olhos negros brilham com a lembrança dos companheiros.
Apolonia se fortalece novamente, como naquela montanha onde foi cercada pela infâmia e enfrentou a morte.
“Gostaria que os jovens se interessassem pela história para que soubessem o que aconteceu no Paraguai”, enfatiza.