‘Último prego no caixãobet 395Geisel’, diz coordenador da Comissão da Verdade sobre memorando da CIA:bet 395
Revelado pelo professor Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o memorandobet 39511bet 395abrilbet 3951974 era assinado por William Egan Colby, então diretor da CIA, e narrava uma reunião no Centrobet 395Inteligência do Exército entre Geisel, João Batista Figueiredo (então chefe do Serviço Nacionalbet 395Informações), e dois generais.
Destinado a Henry Kissinger, então secretáriobet 395Estado dos EUA, o documento reproduz fala do general Milton Tavaresbet 395Souza, que cita o assassinatobet 395104 pessoas consideradas "subversivas perigosas" pelo Estado brasileirobet 3951973.
"Em 1ºbet 395abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que deve-se tomar muito cuidado para se assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados", diz o documento, que aponta que todas as execuções deveriam ter o consentimento do general Figueiredo, que ocupou a cadeirabet 395Geiselbet 3951979 a 1985.
Leia os principais trechos da entrevista:
bet 395 BBC Brasil - O memorando da CIA que aponta que Geisel sabia da execuçãobet 395104 pessoas pelo Estado na ditadura surpreende o senhor?
bet 395 Paulo Sergio Pinheiro - Não é surpresa para mim essa fala do general Geisel. Porque se você pegar o depoimento que ele deu para o Centrobet 395Pesquisa e Documentação da FGV do Rio, antesbet 395morrer, verá que ele aprova a tortura. Pensava-se que ele fosse contra, havia expectativas sobre ele. O outro ponto é que, se você pegar o relatório da CNV, não há essa declaração específica, mas nós colocamos Geisel junto a todos os outros generais como responsáveis (pelas torturas e execuções). Para você ter uma ideia, todos os grandes chefes do DOI-Codi (centrobet 395repressão do Exército) eram lotados no gabinete do ministro da Guerra. Nós atribuímos responsabilidadesbet 395três graus, e no primeiro grau estão os generais.
Agora, é formidável, um documento autêntico pelos detalhes e personagens, uma faltabet 395compostura total. Eles dizem: 'matem só os subversivos, hein?', 'quero ser avisado', 'consulta o Figueiredo'. É realmente um estrago extraordinário. Mas estrago maior nós já tínhamos feito na Comissão Nacional da Verdade, sem querer parecer pretensioso.
bet 395 BBC Brasil - A Comissão da Verdade havia identificado este documento específico? Teve acesso a esta sériebet 395memorandos e telegramas?
bet 395 Pinheiro - Não, não me lembro. Amanhã vamos ter uma conversa, não existe mais a Comissão, mas amanhã vamos nos encontrar para comentar. Destes documentos, especificamente, eu não me lembro. Recebemos alguns documentos que não estavam classificados e foram todos usados.
bet 395 BBC Brasil - Para o professor Matias Spektor, que trouxe o documento à tona, esta seria "a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a políticabet 395assassinatos". O senhor concorda?
bet 395 Pinheiro - Não é. Absolutamente. Tudo o que nós corrigimosbet 395práticas, por exemplo da guerrilha do Araguaia, é detalhadíssimo. Acho que é um documento importante para liquidar a imagem do general, o Geisel. Claro que foi um feito jornalístico importantíssimo, não vou diminuir isso, absolutamente. Mas quem estabeleceu a cadeiabet 395comando estando diretamente no gabinete do presidente e do ministério da Guerra fomos nós. Se você for lá no relatório, verá que tivemos condiçõesbet 395estabelecer as cadeiasbet 395comando, que foi algo dificílimo. Ali está perfeitamente demonstrado que não era abuso, não era excesso, mas era uma ação coordenada por parte do presidente da República. O presidente era informadobet 395tudo.
Vou te contar uma história. Eu trabalhei no arquivo do presidente Arthur Bernardes (presidente brasileiro entre 1922 e 1926). Você acredita que o Arthur Bernardes recebia as transcrições dos telefonemas dos membros da oposição? Era muito fácil censurar porque tudo era por telefonia. Então, se isso ocorreu na Primeira República, na ditadura, evidentemente, foi com muito mais ênfase. O Arthur Bernardes não mandava matar, mas coordenava toda a repressão diretamente, por escuta e tudo isso.
Tudo isso já estava totalmente esclarecido. Agora, evidentemente, uma balabet 395prata como essa é importante.
bet 395 BBC Brasil - A revelação gerou críticas sobre possíveis falhas no trabalho investigativo da CNV.
bet 395 Pinheiro - Isso ébet 395uma estupidez sesquipedal. Há uma frase na aberturabet 395Tristes Trópicos, do Claude Levi-Strauss, que eu até coloquei na minha tesebet 395doutorado,bet 395que ele diz: "É uma pena que eu vou lamentar por não ter visto o que eu poderia ter visto neste momento". Quer dizer, quem vem depois descobre sempre uma porçãobet 395coisas.
bet 395 BBC Brasil - Nas redes, houve quem chegasse a falar na necessidadebet 395formaçãobet 395uma nova Comissão da Verdade…
bet 395 Pinheiro - Se quiserem formar uma nova Comissão da Verdade, podem formar. Agora é uma alegação absolutamente estúpida essabet 395'Ah, não descobriram esta folhinha, então todo o trabalho é uma porcaria'. Nem leram os volumes.
Como não sou o único responsável, acho que o relatório, comparado às 42 comissões da verdade que conheço no mundo, está perfeitamente na mesma categoria. As pessoas precisam ler o relatório antesbet 395dizer bobagem.
bet 395 BBC Brasil - Como a revelação afeta a imagem histórica do ex-presidente Geisel?
bet 395 Pinheiro - É o último prego do caixão. Na verdade, todos os atentados que foram cometidos no governo Geisel estão terrivelmente fundamentados e a Comissão da Verdade estabeleceu que ele estava informado sobre tudo o que acontecia. Nenhuma missão decisivabet 395eliminação podia ser feita sem o aval dele. Este documento somente vem a corroborar isso. Agora, como está causando um enorme barulho, é bom porque liquidabet 395vez essa cultura melíflua, ou simpática ao governo.
Isso não é uma manchabet 395um currículo maravilhoso. Isso é só uma pequeníssima confirmação do que a Comissão da Verdade já tinha estabelecido.
bet 395 BBC Brasil - Como descreveria o interesse e a participação dos EUA na ditadura militar brasileira?
bet 395 Pinheiro - Está estabelecido e bem documentado pelos historiadores o envolvimento (dos EUA)bet 3951964. Eles mandaram Vernon Walters, que era um exibicionista. Falava português com menos sotaque que eu. Era um gentleman, uma figura muito curiosa, e participou da conspiraçãobet 3951964, muito antesbet 395(o golpe) ter sido realizado.
Depois, eu acho que a CIA seguir o Brasil é uma coisa normal. Continua seguindo até hoje. Se você pegar o WikiLeaks, as minhas declarações estão sendo gravadas neste momento. Nenhuma novidade. Mas não foram os EUA que comandaram o governo brasileiro depoisbet 3951964. Havia uma proximidade, lembra-se do Juracy Magalhães (primeiro embaixador brasileirobet 395Washington depoisbet 3951964) dizendo que "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil"?
Mas você se dá conta que, logo depois, no próprio governo Geisel, havia uma política externa independente, que era na linha do Santiago Dantas (Ministro das Relações Exterioresbet 395Jango). O Brasil foi o primeiro país, logo depois da União Soviética, a reconhecer Angola. Foi o primeiro. A situação é mais complexa.
bet 395 BBC Brasil - Como vê o legado da CNV, quase quatro anos depois do seu encerramento?
bet 395 Pinheiro - Desastre mesmo é este governo ter jogado no lixo o relatório da Comissão da Verdade. O último ato da presidenta Dilma Rousseff foi criar um "follow up" para o seguimento das recomendações do relatório. E este governo não fez absolutamente nada, nem vai fazer. Ele nem se manifestou.
Na medidabet 395que tem uma políticabet 395deixar dar voz novamente aos militares, este governo é responsável por se ter abandonado tudo o que se descobriu na Comissão.
bet 395 BBC Brasil - Como vê a presençabet 395militares no gabinetebet 395Temer e a convocaçãobet 395militares para intervirem na segurança pública do Rio?
bet 395 Pinheiro - Isso ébet 395uma excrescência. Pela primeira vez, desde 1985, ocorreram duas coisas no Brasil. Uma: os homicídios praticados por soldados contra civis voltaram à competência da Justiça militar. Algo que tinha sido derrubado no governobet 395Fernando Henrique. Outra: o comandante do Exército, que primeiro teve aquele sonhobet 395que não queria uma Comissão da Verdade, resolveu fazer um tuíte sobre impunidade na véspera do julgamento do habeas corpus (do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva).
Comandante do Exército não é para falar, ele falou e não aconteceu nada. E a cereja do bolo é essa intervenção federal demagógica no Riobet 395Janeiro, onde também pela primeira vez, desde 1985, o secretáriobet 395segurança é um general do Exército. Há um retrocessobet 395dar voz aos militares e evidentemente este governo não vai reagir a este documento, nem à Comissão da Verdade.
Segundo os documentos recém-divulgados, logo após o golpebet 3951964, o embaixador americano no Riobet 395Janeiro, Abraham Lincoln Gordon, dizia a superiores no Departamentobet 395Estado americano que a ordem democrática seria restabelecidabet 395breve. Ele justificava o golpe dizendo que a deposiçãobet 395Jango evitou um derramamentobet 395sangue no Brasil. Anos depois, as trocasbet 395mensagens passaram a expressar desconforto nos EUAbet 395relação a torturas, execuções e violaçõesbet 395direitos humanos, que tornavam difícil o apoio ao regime brasileiro perante a comunidade internacional.
bet 395 BBC Brasil - Os EUA realmente achavam que a democracia seria reestabelecida? Os americanos foram inocentesbet 395relação aos generais?
bet 395 Pinheiro - Acho que sim. O caso brasileiro não é o único. O (Henry) Kissinger (secretáriobet 395Estado dos EUA entre 1973 e 1977) está envolvidobet 395sangue no golpe contra Salvador Allende, no Chile.
Os paranóicos têm inimigos reais. Mas o Brasil é importante demais para ser dominado pelos Estados Unidos. Eu conheci o embaixador Gordon na época, não era um (Jair) Bolsonaro, absolutamente. Era um professor universitário que virou embaixador. Políticos e embaixadores mudambet 395perspectiva.