Bolsa Família: taxar ricos para financiar política social elevaria PIBuol loterias2,4%, diz estudo da USP:uol loterias

  • Thais Carrança
  • Da BBC News Brasiluol loteriasSão Paulo
Mulher mostra cartão do programa Bolsa Família

Crédito, Rafael Lampert Zart/Agência Brasil

Legenda da foto, Uma políticauol loteriasproteção social financiada a partir da tributação do 1% mais rico, que garanta a transferênciauol loteriasR$ 125 por mês para os 30% mais pobres, pode ter um impacto positivouol loterias2,4% no PIB, diz estudo realizado pelo Made-USP

uol loterias Aumentar a tributação sobre os mais ricos para transferir renda aos mais pobres pode contribuir para a recuperação da atividade econômica, alémuol loteriasreduzir a desigualdade, aponta estudo inédito realizado pelo Made-USP (Centrouol loteriasPesquisauol loteriasMacroeconomia das Desigualdades da Universidadeuol loteriasSão Paulo).

Conforme o estudo, cujos resultados serão publicadosuol loteriasnota técnica nesta segunda-feira (15/2), uma políticauol loteriasproteção social financiada a partir da tributação do 1% mais rico, que garanta a transferênciauol loteriasR$ 125 por mês para os 30% mais pobres, pode ter um impacto positivouol loterias2,4% no PIB (Produto Interno Bruto, que é a somauol loteriastodos os bens e serviços finais produzidos por um país, por exemplo, ao longouol loteriasum determinado período, como um ano ou um trimestre).

"A redução da desigualdade tem benefíciosuol loteriassi. Sabemos que ela tem custos que não só têm a ver com o direito à renda e à dignidade humana, mas tem também efeitos políticos, pois a desigualdade tende a criar distorções no próprio sistema democrático", diz Laura Carvalho, professora da FEA-USP (Faculdadeuol loteriasEconomia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidadeuol loteriasSão Paulo).

"Então existem outros objetivos para reduzir a desigualdade, que não o crescimento econômico. Mas, muitas vezes, parece que no debate há um dilema entre crescer ou distribuir", observa a economista, uma das autoras do estudo, ao ladouol loteriasRodrigo Toneto e Theo Ribas.

"Isso cada vez mais está se revelando uma coisa que não tem sustentação empírica, por isso resolvemos demonstrar com dados um dos mecanismos que mostra que é perfeitamente possível desenhar um programa que combine redução da desigualdade com aumento do ritmouol loteriascrescimento econômico. Porque esses objetivos não são contraditórios."

Pobres consomem parcela maior da renda do que ricos

A professora da USP explica que o estudo buscou analisar o efeito que diferentes tiposuol loteriasprogramasuol loteriasredistribuição podem ter sobre o PIB e a geraçãouol loteriasrenda na economia.

"Existe um princípio na macroeconomia que é a ideia do 'multiplicador do orçamento equilibrado'", diz Carvalho.

"Ele prevê que, mesmo que o governo não gaste mais, não deteriore as contas públicas, destinando uma arrecadação via tributação da renda no topo para transferir renda para a base, sem nenhum impacto no Orçamento, ele pode conseguir um impactouol loteriascrescimento econômico porque quem está na base da pirâmide tem uma propensão a consumir maior, enquanto os mais ricos poupam relativamente mais dauol loteriasrenda do que os mais pobres."

Analisando dados da POF do IBGE (Pesquisauol loteriasOrçamentos Familiares do Instituto Brasileirouol loteriasGeografia e Estatística)uol loterias2017-2018, os pesquisadores encontraram que, enquanto os 10% mais pobres gastam 87% dauol loteriasrendauol loteriasconsumo, esse valor cai para 24% entre os que compõem o 1% mais rico.

Casal com pilotouol loteriashelicóptero

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Enquanto os 10% mais pobres gastam 87% dauol loteriasrendauol loteriasconsumo, esse valor cai para 24% entre os que compõem o 1% mais rico

Efeito multiplicador da transferênciauol loteriasrenda

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Levandouol loteriasconta então a atual estruturauol loteriasdistribuiçãouol loteriasrenda da economia brasileira e as diferentes propensões a consumiruol loteriascada faixauol loteriasrenda, os economistas mostram que, cada R$ 100 transferidos do 1% mais rico para os 30% mais pobres geram uma expansãouol loteriasR$ 106,70 na economia.

No caso do auxílio emergencialuol loterias2020, cada R$ 100 pagos por meio do programa têm um efeitouol loteriasaumento da renda agregadauol loteriasR$140, calculam os pesquisadores.

"No caso do auxílio, o efeito multiplicador é maior pois o volumeuol loteriasrecursos destinado a essa política foi muito elevado. Foi um programa emergencial, mas muito amplo, com pouco maisuol loterias4% do PIBuol loterias2020 destinado a essa políticauol loteriastransferênciauol loteriasrenda", observa Carvalho.

Por fim, os pesquisadores analisam uma política social financiada a partiruol loteriastributos cobrados dos 1% mais ricos e que garanta R$ 125 mensais para os 30% mais pobres.

"A política que estamos testando como permanente é menor do que o auxílio emergencial. É pensada como uma política que possa ser financiada todo ano, algo que possa ser sustentável", diz a professora da USP.

Devido às diferentes propensões para consumir dos diversos estratosuol loteriasrenda, essa política elevaria o "multiplicador" da economia citado pela professora da USP. Nesse cenário hipotético, esse multiplicador passaria do atual 1,875, que resulta da estruturauol loteriastributação e transferências vigente hoje, para 1,915.

"Quando você faz uma política assim, que altera a atual estruturauol loteriastransferências, expandindo o Bolsa Família, e ao mesmo tempo altera a atual estruturauol loteriastributação, tornando ela mais progressiva, você muda a distribuiçãouol loteriasrenda na economia", explica Carvalho.

"Aumenta a parcela da renda apropriada pela base e diminui a parcela apropriada pelo topo. A partir disso, como os estratos inferiores, que têm uma propensão a consumir maior, vão estar se apropriandouol loteriasuma parcela maior da renda, isso altera o efeito multiplicador, ampliando esse efeito", acrescenta a economista.

"Esse é um dos fatores que explicam por que reduzir desigualdade é positivo para o crescimento econômico. Porque, ao distribuir melhor a renda adicional, há efeitosuol loteriasconsumo importantes."

Nesse cenário, uma mesma transferênciauol loteriasR$ 100 aos mais pobres elevaria a renda agregadauol loteriasR$ 109. Como resultado, os economistas estimam que o impacto positivo sobre o PIB seriauol loterias2,4%.

Pessoas na fila da Caixa

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Fim do auxílio emergencial causa aumento abruto da desigualdade e prejudica a capacidadeuol loteriasrecuperação da economia

Auxílio emergencial expôs a insuficiência do Bolsa Família

Na avaliação da professora, o país tem hoje dois problemas com relação às políticas sociais.

O primeiro deles é o fim do auxílio emergencial que causauol loteriasmaneira abrupta um aumento da desigualdade e prejudica a capacidadeuol loteriasrecuperação da economia. Para Carvalho, a retomada do auxílio poderia ser financiada com emissãouol loteriasdívida, porque o país ainda se encontra numa situação emergencial.

Para além desse problema conjuntural, a economista avalia que é preciso discutir uma expansão permanente dos programasuol loteriastransferênciauol loteriasrenda, particularmente do Bolsa Família.

"Hoje está claro que o Bolsa Família é insuficiente para funcionar como um protetor para um conjunto da população que tem renda que oscila muito e está sujeita a cair na pobreza extrema", avalia a economista.

"Pensamos num programa fiscalmente neutro [que não gera gasto adicional ao governo] para que ele seja pensado como uma solução sustentável, permanente, que não contribua para uma deterioração do Orçamento e que contribua para reduzir desigualdade e para recuperar a economia, melhorando o ritmouol loteriascrescimento a médio e longo prazo."

Fotouol loteriasTuca Vieira que mostra Paraisópolis e prédiouol loteriasluxo do Morumbi rodou o mundo e virou símbolo da desigualdade social

Crédito, Tuca Vieira

Legenda da foto, Fotouol loteriasTuca Vieira que mostra Paraisópolis e prédiouol loteriasluxo do Morumbi rodou o mundo e virou símbolo da desigualdade social

E como taxar os mais ricos?

Embora esse não seja o objeto da nota técnica publicada nesta segunda-feira, Carvalho elenca alternativas para aumentar a tributação sobre o 1% mais rico.

"Temos um tipouol loteriasdesigualdade que é muito elevada, sobretudo pela alta concentraçãouol loteriasrenda no topo. Não há uma disparidade tão grande entre o meio e a base da distribuição. E boa parte dessa alta concentração no topo é explicada pelo fatouol loteriasque esse 1% hoje paga uma alíquota efetivauol loteriastributos sobre a renda menor do que os estratos que vêmuol loteriasseguida", diz a professora.

Conforme a economista, isso se explicauol loteriasparte pela isençãouol loteriastributaçãouol loteriasimpostouol loteriasrenda sobre lucros e dividendos.

"Esse é um dos elementos que faz com que quem recebe renda do capital, e não renda do trabalho, não pague a alíquotauol loterias27,5% (faixa mais alta da tributaçãouol loteriasrenda no Brasil). Eliminar essa isenção já aumentaria a alíquota efetiva dos mais ricos", sugere.

Outro elemento que contribui para o baixo patamaruol loteriastributação dos mais abastados são as deduçõesuol loteriasdespesas com saúde e educação privadas no Impostouol loteriasRenda. "Isso também beneficia desproporcionalmente o topo da distribuição."

Uma terceira medida seria criar uma faixa adicionaluol loteriastributação para o topo, com uma alíquota mais alta do que os atuais 27,5%. "Muita gente poderia dizer 'isso vai espantar os ricos do Brasil'. Não. Na verdade, 27,5%uol loteriasalíquota máxima é um patamar muito baixo, se comparado a outros países", destaca a economista.

Ela lembra que os Estados Unidos, por exemplo, têm alíquota marginal máximauol loterias40%.

"Temos bastante margemuol loteriasmanobra ainda para criar uma tributação concentrada nesse topo que hoje paga tão poucouol loteriasrelação àuol loteriasrendauol loteriasimpostos na pessoa física", avalia, sugerindo uma alíquota marginal máximauol loterias35% para quem está nesse 1% mais rico da população, que concentra maisuol loterias25% da renda nacional.

Ministro Paulo Guedes

Crédito, José Cruz/Agência Brasil

Legenda da foto, 'No debate sobre a criação do programa Renda Brasil ou Renda Cidadã no ano passado, só foram consideradas alternativasuol loteriasfinanciamento que viriamuol loteriasoutros programas sociais', diz Carvalho

Debate sobre injustiça do sistema tributário avançou

Segundo Carvalho, a mudança proposta por ela e seus coautores, por mexer com o Impostouol loteriasRenda, só teria efeito no ano seguinte àuol loteriasaprovação.

"Esse desenho é pensado já para o pós-pandemia, não para o momento atual,uol loterias2021, que ao nosso ver depende mesmouol loteriasalguma formauol loteriasprorrogação emergencial do auxílio", diz a professora.

A economista avalia que o debate sobre as injustiças do sistema tributário brasileiro avançou muito nos últimos anos, com o tema presente nos programasuol loteriasboa parte das candidaturas presidenciaisuol loterias2018 e a questão da reforma tributária chegando a cada vez mais consensos entre os economistas.

"Na pandemia, também vimos crescer o apoio a uma expansão permanente da redeuol loteriasproteção social no Brasil", diz Carvalho.

"Ficou muito exposta a vulnerabilidadeuol loteriastrabalhadores informais, dos trabalhadores da base da pirâmide, dianteuol loteriasuma economia que não tem crescido, nem aumentado o grauuol loteriasformalização. São trabalhadores que veemuol loteriasrenda oscilar e podem entrar e sair da pobrezauol loteriasmaneira muito rápida, e às vezes serem engolidos por uma espiraluol loteriaspobreza."

Apesar desse avanço dos consensos no debate econômico, a professora avalia que o cenário político não favorece programas que tributem os mais ricos para distribuir aos mais pobres.

"Um dos sinais disso foi que, no debate sobre a criação do programa Renda Brasil ou Renda Cidadã no ano passado, só foram consideradas alternativasuol loteriasfinanciamento que viriamuol loteriasoutros programas sociais. Ou seja, que atingiriam o meio da pirâmide para financiar uma eventual expansão das transferências para a base. Sequer foi considerada a possibilidadeuol loteriastributação dos mais ricos para transferir para os mais pobres", observa a professora.

"Isso é sintomáticouol loteriasque não parece ser interesse da equipe econômica do governo aumentar e melhorar a progressividade da nossa estrutura tributária e, com isso, bateruol loteriasfrente com interesses do topo da pirâmide."

Prédio do Congresso refletido num espelho d'água sob um céu azul com nuvens

Crédito, Arquivo/Agência Brasil

Legenda da foto, Parlamentares chegaram a apresentar propostas para financiar expansão do Bolsa Família através da taxação dos mais ricos, mas isso esbarra no desenho atual do tetouol loteriasgastos

Tetouol loteriasgastos é barreira

A economista lembra que parlamentares chegaram a apresentar propostas nessa linha para financiar uma expansão do Bolsa Família. Mas que isso esbarra num outro problema atual, que é o desenho do tetouol loteriasgastos, regra que impede que a despesa do governo cresça acima da inflação do ano anterior.

"O desenho do nosso tetouol loteriasgastos faz com que uma maior arrecadação não possa se converteruol loteriasmaiores despesas, porque o teto está fixado para o gasto, independente do quanto se arrecada", explica a professora.

Assim, o modelouol loteriastributação e transferência proposto pelos pesquisadores pressupõe algum tipouol loteriasmudança na regra do tetouol loteriasgastos.

"Hoje não há espaço no teto para uma expansão da assistência social. Não à toa, o próprio governo chegou num impasse com o Orçamentouol loterias2021, que o Congresso até agora não aprovou, porque claramente não há espaço nele para as despesas emergenciais, mesmo nesse momentouol loteriaspandemia", diz Carvalho.

"O ideal então seria redesenharmos o teto,uol loteriasmaneira que ele seja sustentável e que mantenha a transparência da política fiscal, ao invésuol loteriasmanter um teto 'para inglês ver' e fazer manobrasuol loteriasvolta dele, que é o que acontece atualmente."

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