'É como matar um cão': o dilema do abatewww brasilbingo comjegues no Nordeste para produçãowww brasilbingo comremédio na China:www brasilbingo com

  • Leandro Machado e Felix Lima
  • Enviados da BBC News Brasil a Amargosa (BA)
Jumentowww brasilbingo commatagal

Crédito, Felix Lima

Legenda da foto,

O jumento brasileiro entrou na mirawww brasilbingo comempresários chineses para a produçãowww brasilbingo comremédio sem comprovação científica

www brasilbingo com A populaçãowww brasilbingo comAmargosa, cidade do centro-sul da Bahia, sofre com um dilema envolvendo o jumento, o jegue, uma tradicional espécie do Brasil e símbolo histórico da luta diária do sertanejo. O município, a 119 kmwww brasilbingo comSalvador, se tornou dependentewww brasilbingo comum mercado que cresce a cada ano, mesmo sob a acusaçãowww brasilbingo comcolocar a existência do animalwww brasilbingo comrisco.

Na cidade funciona o Frinordeste, hoje o principal frigoríficowww brasilbingo comabatewww brasilbingo comjumentos do país, cuja planta industrial pertence à JBS, mas foi arrendado por dois cidadãos chineses e um brasileiro. Nele, cercawww brasilbingo com1,2 mil animais são abatidos todas as semanas para posterior exportação à China, segundo funcionários ouvidos sob a condiçãowww brasilbingo comanonimato.

Eles são mortos com um tirowww brasilbingo comar comprimido entre os olhos. Depois, o couro é retirado, embaladowww brasilbingo comcaixas e levado para a China, onde é transformadowww brasilbingo comuma gelatina que é usada para produzir o ejiao, um produto medicinal bastante popular e lucrativo da Tradicional Medicina Chinesa. A carne normalmente é separada e exportada para o Vietnã.

Não há comprovação científicawww brasilbingo comque o ejiao funcione, mas, no país asiático, ele é utilizado para tratar diversos problemaswww brasilbingo comsaúde, como menstruação irregular, anemia, insônia e até impotência sexual. Ele é consumidowww brasilbingo comvárias maneiras, comowww brasilbingo comchás e bolos. No YouTube, há vídeoswww brasilbingo comprogramas populares da TV chinesa ensinando receitas com ejiao e prometendo ao espectador uma vida "mais saudável."

Estima-se que o produto movimente bilhõeswww brasilbingo comdólares por ano. Uma peçawww brasilbingo comcouro, por exemplo, pode ser vendida na China por até U$ 4 mil (cercawww brasilbingo comR$ 22,6 mil) — uma caixawww brasilbingo comejiao sai por R$ 750. No Brasil, os valores do comércio são bem menores — jumentos são negociados por R$ 20 no sertão, e depois repassados aos chineses.

Legenda do vídeo,

O trágico destino dos jumentos do Nordeste, abatidos para fazer remédio na China

A alta demanda e lucratividade fizeram com que empresários chineses mirassem o Brasil, país com uma população abundantewww brasilbingo comjegues —www brasilbingo com2013, havia 900 mil deles, a maior parte no Nordeste, segundo o IBGE. Hoje,www brasilbingo comacordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) há por voltawww brasilbingo com400 mil. Entre 2010 e 2014, o Brasil abateu 1 mil jumentos — já entre 2015 e 2019, foram 91,6 mil.

Mas esse número hoje é maior. Apenaswww brasilbingo comAmargosa, são 4,8 mil animais por mês — 57,6 mil por ano. Há outros dois frigoríficos com permissão para a atividade nas cidadewww brasilbingo comSimões Filho e Itapetinga, também na Bahia.

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Episódios

Fim do Podcast

Nos últimos meses, a reportagem da BBC News Brasil se debruçou sobre o comércio e abatewww brasilbingo comjumentos e como esse mercado vem afetando parte do Nordeste. Embora tenha sido permitida recentemente, a exportação para a produção do ejiao tem sido apontada por especialistas, autoridades e defensores da causa animal como um mercado extrativista.

Para fabricar o produto, os animais são recolhidos da caatiga ewww brasilbingo comzonas ruraiswww brasilbingo comgrande volume, sem que exista uma cadeiawww brasilbingo comprodução que renove o rebanho, como ocorre com o gado. Ou seja, eles são abatidoswww brasilbingo comuma velocidade maior do que a capacidadewww brasilbingo comreprodução, o que acendeu um alertawww brasilbingo comque a populaçãowww brasilbingo comjegues pode ser eliminada nos próximos ano no Nordeste.

Além disso, o setor cresceuwww brasilbingo comconsonância com o aumento da fome e da pobrezawww brasilbingo comuma região historicamente já castigada por esses problemas. Mas também cresceuwww brasilbingo commeio a denúnciaswww brasilbingo commaus-tratos, contaminaçãowww brasilbingo comanimais por mormo, uma doença mortal, trabalho análogo à escravidão e abandonowww brasilbingo comjegues à morte por inanição.

Dependência econômica

Vista da cidadewww brasilbingo comAmargosa

Crédito, Felix Lima

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Em Amargosa funciona o frigorífico com maior númerowww brasilbingo comabateswww brasilbingo comjumentos no Brasil

A cidadewww brasilbingo comAmargosa,www brasilbingo com40 mil habitantes e conhecida porwww brasilbingo commovimentada festawww brasilbingo comSão João, é o ponto final do jumento nordestino anteswww brasilbingo comele ser abatido e exportado para virar remédio na China. Ela ficawww brasilbingo comuma região conhecida como Vale do Jiquiriçá, um dos lugares mais bonitos do Brasil, com formações rochosaswww brasilbingo com80 metroswww brasilbingo comaltura espalhadas pelo cenáriowww brasilbingo comcaatinga.

Desde 2017, o município é o local onde mais se abate jegues no país.

Segundo o prefeito, Júlio Pinheiro (PT), o setor é o terceiro maior empregadorwww brasilbingo comAmargosa, atrás só da própria prefeitura ewww brasilbingo comuma fábricawww brasilbingo comsapatos. Para ele, o recente mercado é fundamental para a economia do município, gerando empregos, renda e impostos.

"O frigorífico têm ajudado na geraçãowww brasilbingo comrenda ewww brasilbingo comempregos diretos, ainda mais num momento tão complicado da economia do país, sobretudo com a pandemia. O frigorífico tem sido a sustentaçãowww brasilbingo comcentenaswww brasilbingo comfamílias aqui na cidade", diz Pinheiro,www brasilbingo comseu gabinete.

Prefeitowww brasilbingo comAmargosa, Júlio Pinheiro

Crédito, Felix Lima

Legenda da foto,

Prefeitowww brasilbingo comAmargosa, Júlio Pinheiro afirma que setor hoje é fundamental para economia da cidade

Essa importância econômica foi o principal argumento da cidade ao entrar na Justiça para tentar liberar o abate, que havia sido suspenso após denúnciaswww brasilbingo commaus-tratos,www brasilbingo com2018. Mas não apenas Amargosa procurou a Justiça. O governo estadual, do petista Rui Costa, e o federal,www brasilbingo comJair Bolsonaro (PL), fizeram o mesmo.

Quem decidiu o caso foi Kassio Nunes Marques, hoje ministro do STF e à época, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Ele não entrou no mérito da ação civil-pública, que ainda corre na Justiça e pede a proibição dos abates. Em decisãowww brasilbingo compouco maiswww brasilbingo comduas páginas, Nunes Marques concordou que a liminar da Justiça baiana que suspendeu o setor prejudicava a economia da Bahia.

"[A atividade] é legal e está amparada por normativos legais editados pelos órgãos competentes e a interrupção abrupta da referida atividade industrial é passívelwww brasilbingo comcausar não só as empresas criadas e dedicadas às atividades danos irreparáveis ouwww brasilbingo comdifícil reparação, como aos municípios que hospedam os referidos abatedouros, como o próprio Estado da Bahia", escreveu, liberando novamente o setor.

Em Amargosa, o prefeito Júlio Pinheiro considerou a decisão justa, mas diz não conhecer bem os empresários responsáveis pelo abatedouro que funciona na cidade. "É um grupo chinês. Eles vieram aqui (na prefeitura) uma vez, mas não são pessoas conhecidas na cidade", diz.

O CNPJ do Frinordeste aponta um quadro societário com dois chineses, Ran Yang e Zhen Yongwei, ambos residentes no exterior, e o brasileiro Alex Franco Bastos. Funcionários da empresa, ouvidos sob condiçãowww brasilbingo comanonimato, relatam que raramente os proprietários chineses visitam o espaço, e que, no dia a dia, a atividade é comandada por Bastos.

A reportagem tentou entrevistá-lo diversas vezes, indo ao frigorífico, ligando e enviando mensagens pelo WhatsApp, mas nunca obteve retorno. Também enviou mensagem para Zhen Yongwei, mas ele não respondeu.

Já a JBS, que arrendou o espaço para o triowww brasilbingo comempresários há três anos, afirmou que "toda a operação da planta mencionada está sob responsabilidade da empresa" que arrendou a planta.

Fachada do Frinordeste

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A planta industrial do Frinordeste pertence à JBS, mas foi arrendada pordois empresários chineses e um brasileiro

'É como matar um cachorro'

Três vezes por semana, cercawww brasilbingo com400 jumentos chegam ao Frinordestewww brasilbingo comcaminhões fechados — 50 por veículo. Funcionários relatam que, diante do calor,www brasilbingo comviagenswww brasilbingo comaté 500 km e da condição física debilitada, animais chegam a desembarcar na empresa machucados ou até mortos.

Com pouca variação, a maioria dos 150 trabalhadores ganha por voltawww brasilbingo comR$ 1.300 por mês. Eles vivemwww brasilbingo comcomunidades pobres perto do frigorífico, locais onde o fornecimentowww brasilbingo comágua só é feito três vezes por semana e onde ainda é possível ver um ou outro jumentos tralhandowww brasilbingo comtarefas agrícolas.

Embora dependam do serviço para sobreviverwww brasilbingo comum momentowww brasilbingo comalta do desemprego ewww brasilbingo comuma cidade sem muitas alternativas, os funcionários dizem ter dificuldadewww brasilbingo comlidar com a mortewww brasilbingo commassawww brasilbingo comum animal que faz partewww brasilbingo comseu cotidiano — desejam que o frigorífico mude o modelowww brasilbingo comnegócios para o abatewww brasilbingo combovinos.

"Para mim é como matar um cachorro, um bichowww brasilbingo comestimação. A gente cresce montando jegue, e agora tem que ver jegue morrendo sem parar. É muito jegue, amigo. Muito mesmo, tem semana que são 1,2 mil. Ninguém aguenta mais ver essa situação", diz João (nome fictício), que trabalha no frigorífico e depende do salário para sustentar a família. Ele passou meses desempregado e, sem opção, aceitou um emprego. "Trabalho por que preciso, não por concordar. Mas, se fechar, como ficam as famílias aqui?", diz.

Outro funcionário, José, também diz ter dificuldadewww brasilbingo comassistir todos os dias a tantos abates. "A gente nem sabe direito porque estão fazendo isso, o que vão fazer com eles... Muitos chegam aqui machucados, morrendo. É um animal que a gente vê desde pequeno, faz parte da nossa vida. É complicado participar disso, mas a precisão exige. Tenho filhos para criar, a situação está bem difícil", afirma.

Três jumentoswww brasilbingo comáreawww brasilbingo comcaatinga

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Antes do abate, animais ficam armazenadoswww brasilbingo comáreaswww brasilbingo comcaatinga na Chapada Diamantina

Pobreza e abate

O caminho do jumento até Amargosa é longo.

Os animais são recolhidoswww brasilbingo comvários pontos do Nordeste, como nos arredores da cidadewww brasilbingo comPaulo Afonso, no norte da Bahia, a 534 km do frigorífico. Eles são pegos ou comercializados por agricultores pobres que trabalham no setor para fugir da fome, sob a supervisãowww brasilbingo comfazendeiros.

Um desses núcleos tinha um sertanejowww brasilbingo comsituaçãowww brasilbingo comfome como personagem. Em abril, ele foi abordado pela Polícia Militar depoiswww brasilbingo comuma denúncia anônima apontar furtowww brasilbingo comjegueswww brasilbingo comPaulo Afonso, alémwww brasilbingo comsupostos maus-tratos.

Com ele foram encontrados 13 animais, embora ele tenha negado os furtos. Segundo o Boletimwww brasilbingo comOcorrência, os jegues estavamwww brasilbingo com"claro estadowww brasilbingo commaus-tratos", machucados, e sem água e comida por pelo menos três dias. Mas os jumentos não eram do sertanejo.

No BO, ele narra que recebia R$ 20 por animal recolhido, o único sustento da família. "Com esse dinheiro é que estava vivendo, utilizando-o para comprar leite para os meninos, fraldas e comida para a casa", narra o documento. Diz ainda que era a segunda vez que ele caçava e vendia jumentos, mas que não tinha dinheiro para alimentá-los. "Narra que os pegou apenas para colocar o que comer para o filhos."

jumentos na caatinga

Crédito, Felix Lima

Quem comprava os jegues do sertanejo era um policial civil e fazendeiro chamado Antônio Fernando Filho,www brasilbingo com59 anos, morador da cidadewww brasilbingo comRodelas, também no norte da Bahia.

No BO, ele afirmou que tinha maiswww brasilbingo com100 emwww brasilbingo comfazenda e que os repassava aos chineses — também argumentou que alimentava os animais e seguia todas as regras sanitárias.

Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, Filho diz que trabalhou na área por dois anos, mas parou depois do caso narrado acima. Ele ainda tem 30 animais emwww brasilbingo comfazenda, mas diz que o local foi arrendado por outra pessoa, que recolhe jegues no interior do Piauí e do Maranhão. "Estão todos comendo feno e bebendo água do rio", afirma.

O fazendeiro afirma que recebia uma comissão dos frigoríficoswww brasilbingo comaté R$ 50 por animal coletado — era um complemento parawww brasilbingo comrenda como policial civilwww brasilbingo comRodelas. "A gente pegava no mato, na estrada,www brasilbingo comqualquer lugar. Quando juntava uns 50, colocava num caminhão e enviava pro frigoríficowww brasilbingo comAmargosa, Simões Filho e Itapetinga (locaiswww brasilbingo comoutros abatedouro licenciados)."

Mas, nos últimos meses, o comércio na regiãowww brasilbingo comPaulo Afonso diminuiu muito, diz. "Tem muito jumento ainda, mas eu parei também porque tem muita concorrência hoje, todo mundo atráswww brasilbingo comjumento pra vender pros chineses. Aqui quase não tem mais animal, caiu 80%. Mas o povo precisa, está muito necessitado."

Morte e maus-tratos

Jumento morto, observado por outro animal

Crédito, Reprodução

Legenda da foto,

Dezenaswww brasilbingo comanimais foram encontradoswww brasilbingo comsituaçãowww brasilbingo commaus-tratoswww brasilbingo comItatimwww brasilbingo comjulho deste ano

Depoiswww brasilbingo comrecolhidos, os animais percorrem maiswww brasilbingo com530 kmwww brasilbingo comcaminhão até a Chapada Diamantina, onde são armazenadoswww brasilbingo comfazendas arrendadas nas cidadeswww brasilbingo comIaçu, Milagres e Itatim, a cercawww brasilbingo com40 km do destino finalwww brasilbingo comAmargosa.

No dia 18www brasilbingo comnovembro, a reportagem encontrou cercawww brasilbingo com20 jegueswww brasilbingo comuma áreawww brasilbingo comcaatinga, às margenswww brasilbingo comuma rodovia praticamente deserta que liga as três cidades. Eles estavam sozinhos, pastando, algumas fêmeas grávidas e um filhote — um dia depois, desapareceram do local. Havia vegetação e água porque tinha chovido dias antes, mas nem sempre é assim.

Em 9www brasilbingo comjulho deste ano, por exemplo, a Polícia Militar da Bahia recebeu uma denúncia: centenaswww brasilbingo comjumentos que seriam abatidos no Frinordeste estavam morrendowww brasilbingo comfome e sede na fazenda Boa Esperança,www brasilbingo comItatim. Quem os encontrou foi o tenente Benjamin Pereira e Silva, comandante do pelotão da PM na cidade.

"Infelizmente a situação era pior do que imaginávamos. Eram uns 200 animais, que tinham vindo da cidadewww brasilbingo comRodelas. Eles estavam bem debilitados, machucados, muitas fêmeas prenhas, muitas abortando. Não tinha mais capim nem água, nenhuma comida para eles. Era uma área totalmente árida. Encontramos muitos animais mortos, com urubuswww brasilbingo comcima. Não havia nenhum tipowww brasilbingo comapoiowww brasilbingo comequipe veterinária. Levamos o gerente para a delegacia e ele foi autuado por maus-tratos", relata o tenente.

"No dia seguinte, voltamos à fazenda e não havia mais nenhum animal. Todos foram levados para outro lugar", diz o policial.

Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2019, centenaswww brasilbingo comjegues foram encontradoswww brasilbingo comsituação parecida nas cidadeswww brasilbingo comCanudos e Itapetinga, também no interior da Bahia. Nestes casos, os animais seriam destinados a outros abatedouros, não owww brasilbingo comAmargosa.

Em Canudos, estima-se que 200 dos cercawww brasilbingo com1 mil jumentos encontrados morreramwww brasilbingo cominanição. Os outros estavam bastante debilitados. No local, foram encontrados dois imigrantes chineses, responsáveis por cuidar do rebanho.

"Eram dois jovens que não recebiam salário para trabalhar ali. Não falavam português, tivemos que usar o Google Tradutor", conta Patrícia Tatemoto, PHDwww brasilbingo combiologia e pesquisadora da ONG britânica The Donkey Sanctuary, que atua na defesa do jumento contra o mercadowww brasilbingo comejiao. "Quando os encontramos, eles não tinham comida na fazenda, estavam com fome, não tinha nem banheiro. O laudo da polícia apontou que eles estavamwww brasilbingo comtrabalho análogo à escravidão."

Os dois imigrante ainda foram autuados por maus-tratos, mas nunca mais foram vistos na regiãowww brasilbingo comCanudos.

Casawww brasilbingo comfazendawww brasilbingo comCanudos, com imigrante chinês ao fundo

Crédito, Patrícia Tatemoto

Legenda da foto,

Dois imigrantes chineses foram encontradoswww brasilbingo comfazenda com centenaswww brasilbingo comjumentoswww brasilbingo comestadowww brasilbingo commaus-tratoswww brasilbingo com2019

Mormo

Outro problema envolvendo o comérciowww brasilbingo comjumentos é uma doença chamada mormo, zoonose contagiosa que afeta equídeos e asininos e pode ser transmitida ao ser humano — o índicewww brasilbingo commortalidade é alto, segundo pesquisadores. Ela é transmitida por contatowww brasilbingo comgotículas contaminadas com olhos, pele, mucosas e aparelho respiratório.

Em 2019, a Agênciawww brasilbingo comDefesa Agropecuária da Bahia (Adab) decidiu examinar o sanguewww brasilbingo com694 jumentos que foram apreendidoswww brasilbingo comCanudos. Dez deles estavam infectados com Mormo e precisaram ser sacrificados — outros 14 tinham anemia infecciosa equina, doença causada por um vírus.

"O contágio pela bactéria do mormo ocorre pelo contatowww brasilbingo comanimais infectados com os indivíduos, como fazendeiros e veterinários", explicou Eusébio Lino Filho, médico-residentewww brasilbingo cominfectologia no Hospital das Clínicas da Faculdadewww brasilbingo comMedicina da USP,www brasilbingo comuma audiência pública sobre o assunto na Assembleia Legislativa da Bahia.

Não havia relatoswww brasilbingo commormo no Brasil até 2020, quando uma criançawww brasilbingo com11 anos, da periferiawww brasilbingo comAracaju, apresentou sintomas da doença, como dor no tórax e faltawww brasilbingo comar — ela tinha contato constante com cavalos.

"No raio-X foi constatado um aumento no tamanho do coração incomum para a idade. Mesmo medicado, o paciente evoluiu mal. A pressão caiu, ele tinha vários nódulos no pulmão e abcessos pelo corpo", relata o médico, que participou do tratamento do paciente. Diagnosticada com mormo e tratada por 21 dias no hospital, a criança depois melhorou e recebeu alta.

Mesmo com casoswww brasilbingo cominfecçãowww brasilbingo comjumentos, a Adab decidiu retirar a obrigatoriedade do examewww brasilbingo commormowww brasilbingo comjumentos que são abatidos nos três frigoríficos.

A agência diz que a decisão seguiu orientação do Ministério da Agricultura: "Do pontowww brasilbingo comvistawww brasilbingo comsaúde animal, visando o controle e erradicação da doença no país, não há ganhoswww brasilbingo comvigilânciawww brasilbingo comse realizar exameswww brasilbingo commormowww brasilbingo comanimais destinados ao abate". Também informou que os estabelecimentos funcionam sob SIF (Serviçowww brasilbingo comInspeção Federal). No Frinordeste, fiscais do ministério checam "condiçõeswww brasilbingo comtransporte e saúde visual" dos animais, diz a pasta.

Porém, o Ministério Público e médicos veterinários pensamwww brasilbingo comoutra forma. Para eles, a atividade está colocando a saúde dos trabalhadoreswww brasilbingo comrisco, alémwww brasilbingo comcriar um possível problema sanitário que não existia no país.

"A exportação criou um risco sanitário, inclusive para o agronegócio. Esse animais são recolhidoswww brasilbingo comvários lugares, e depois transportados pelo Nordeste sem que a gente conheça a procedência. Os empresários que negociam os jumentos não têm ideia do risco que estão criando. É uma bomba-relógio", explica Chiara Oliveira, professorawww brasilbingo comMedicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e uma das pesquisadoras que acolheramwww brasilbingo comuma fazenda todos os jegues apreendidoswww brasilbingo comCanudos — dos maiswww brasilbingo com690 inicias, cercawww brasilbingo com150 sobreviveram.

Em nota técnica do ano passado, o Conselho Regionalwww brasilbingo comMedicina Veterinária da Bahia (CRMV-BA) afirmou que atualmente o mormo é uma "doença endêmica" no rebanhowww brasilbingo comequinos e jumentos no Estado. E que trabalhadores que manipulam os animais,www brasilbingo comespecial oswww brasilbingo comfrigoríficos, "correm sérios riscoswww brasilbingo comcontaminação por via respiratória e mucosas (pelos olhos, por exemplo)".

O promotor Julimar Barreto Ferreira, titular da Promotoria Regional Ambiental do Recôncavo Sul, abriu um inquérito para investigar o caso e outras denúnciaswww brasilbingo comirregularidades. "Não podemos criar e manter um mercado que coloca a espécie e os trabalhadoreswww brasilbingo comgrande risco. É isso que está acontecendo hoje na Bahia", diz, por telefone.

'Símbolo para o cristão'

jumentos na caatinga

Crédito, Felix Lima

O CRMV-BA acredita que, sem uma cadeia produtiva, o ritmo dos abates e a demanda chinesa pelo ejiao podem praticamente dizimar a populaçãowww brasilbingo comjumentos no Nordestewww brasilbingo compoucos anos, diagnóstico compartilhado por entidades como o Fórum Nacionalwww brasilbingo comProteção e Defesa Animal, a Frente Nacionalwww brasilbingo comDefesa dos Jumentos e a The Donkey Sanctuary.

Esse cenário foi registrado na própria China, segundo um estudo dos pesquisadores Richard Bennett e Simone Pfuderer, da Universidadewww brasilbingo comReading, no Reino Unido.

Em 2000, o país tinha por voltawww brasilbingo com9 milhõeswww brasilbingo comcabeças —www brasilbingo com2016, o número caiu para 2 milhões. Em 2000, a produção anualwww brasilbingo comeijiao erawww brasilbingo com1,2 tonelada — jáwww brasilbingo com2016, foram 5 toneladas. Estima-se que o país precisewww brasilbingo com5 milhõeswww brasilbingo compeleswww brasilbingo comjumento por ano, mas, desde 2017, o estoque interno não é mais capazwww brasilbingo comsuprir a demanda.

A soluçãowww brasilbingo comparte do empresariado chinês foi buscar animaiswww brasilbingo comoutros países, como o Quirguistão, que perdeu 57%www brasilbingo comseu rebanhowww brasilbingo comjumentos desde 2017, segundo estudo da ONG The Donkey Sanctuary. Países como Mali, Gana e Etiópia recentemente proibiram o abate, embora ele ainda ocorra clandestinamente.

No Brasil, um estudo da USP aponta que criar um jumento para o abate custariawww brasilbingo commédia R$ 4 mil — a gestaçãowww brasilbingo comum filhote leva 13 meses. Por outro lado, um estudo da ONG britânica estima que,www brasilbingo comtodos os animais recolhidos no meio ambiente, 20% morrem anteswww brasilbingo comchegar aos frigoríficos.

Nas últimas décadas, a espécie perdeu a importância na agricultura sertaneja depoiswww brasilbingo comser trocada por motocicletas. Livreswww brasilbingo comestradas e na caatinga, os jegues se reproduziram sem política pública voltada para o controle ou questões sanitárias. Vagando por rodovias, eles também se envolveramwww brasilbingo comgraves acidenteswww brasilbingo comcarro.

No início da década passada, o poder público tentou fomentar o consumowww brasilbingo comcarnewww brasilbingo comjumento, como ocorrewww brasilbingo comalguns países, mas o projeto não decolou por uma questão cultural: a população se recusa a comerwww brasilbingo comcarne.

Para Gislane Brandão, advogada e coordenadora da Frente Nacionalwww brasilbingo comDefesa dos Jumentos, o cenário no Nordeste escancara "uma grande omissão do poder público". "Onde estão as barreiras sanitárias, a regulação do transporte, a cadeia produtiva? Os jumentos estão sofrendo, morrendo, sumindo. E as autoridades estão se omitindo sobre a situação", diz.

Por meio da Adab, o governo da Bahia afirma que não éwww brasilbingo comresponsabilidade da agência criar uma cadeia produtiva e que uma recente portaria dita que "fêmeaswww brasilbingo comterço final da gestação não serão consideradas aptas ao abate", uma medida que, para agência, ajuda a renovação do rebanho. Na mesma norma, diz a Adab, "fica estabelecido que animais abaixowww brasilbingo com90 kg também não podem ser encaminhados para abate."

Já o Ministério da Agricultura alega que é responsável pela fiscalização sanitária dos frigoríficos, mas que não está entre suas competências o "controle sobre o númerowww brasilbingo comanimais existentes ou criados, nem sobre riscoswww brasilbingo comextinção". Informou, ainda, que a fiscalizaçãowww brasilbingo comórgãos ligados a pasta "garante que os animais chegam (ao abatedouro) com saúde e sem sinaiswww brasilbingo commaus-tratos durante o transporte."

Em Amargosa, o prefeito Júlio Pinheiro conta que o grupo chinês prometeu criar uma cadeia produtiva do animal, alémwww brasilbingo com"trazer novas espécies para a região", o que ainda não aconteceu. Ele não acredita que o jumento possa ser dizimado. "Essa avaliação é um equívoco. A última estimativa do IBGE falawww brasilbingo comquase 1 milhãowww brasilbingo comanimais, boa parte solta na caatinga e nas rodovias, colocandowww brasilbingo comrisco a vida das pessoas, sem assistência zootécnica e veterinária que dê um bem-estar aos animais. A gente acredita que isso não vai acontecer com uma produção com abate controlado, com inspeção e normas", diz.

Em uma praça da cidade, o professor Joelson Alcântara, ativista da causa animalwww brasilbingo comAmargosa, pensa diferente. Para ele, além da importância histórica para o sertanejo, o jumento também é um símbolo religioso para o cristão.

"Na Bíblia, Jesus monta um jumento quando ele entrawww brasilbingo comJerusalém. É um animal tão importante que participou da vidawww brasilbingo comJesus Cristo, e está sendo exterminado por uma questão financeira. Não tem explicação", diz.

Na música Apologia ao Jumento (1976), Luiz Gonzaga também cita Jesus quando canta que o jegue "é sagrado": "E na fuga para o Egito/ Quando o julgo anunciou/ O jeguin foi o transporte que levou nosso Senhor".

E continua: "O jumento é nosso irmão, quer queira quer não/ O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sertão/ Ajudou o homem na lida diária/ ajudou o homem/ ajudou o Brasil a se desenvolver".

raya

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