O que é ser evangélico?:roulette
- Matheus Magenta*
- Da BBC News BrasilrouletteLondres
roulette Considerado o primeiro deputado evangélico do Brasil, o pastor da Igreja Metodista Guaracy Silveira chegou à Assembleia Constituinte nos anos 1930 para defender os interesses dos protestantes e a participação deles na política numa épocarouletteque eram uma pequena minoria.
Mas as bandeiras que ele defendia podem causar estranheza para quem acompanha atualmente a bancada evangélica no Congresso Nacional.
Silveira era a favor do divórcio (para proteger as mulheres), tentou impedir que as escolas públicas tivessem aularoulettereligião (por temer serem sóroulettecatolicismo) e foi contra inserir o nomerouletteDeus na Constituição (por considerar desnecessário).
Maisroulette90 anos depois, os evangélicos se tornaram centrais nas eleições brasileiras, somando 30% dos eleitores e 20% da Câmara dos Deputados.
Um exemplo representativo desse avanço no campo político é que o governo Bolsonaro chegou a ter seis ministros protestantes ao mesmo tempo: Onyx Lorenzoni (luterano), André Mendonça (presbiteriano), Milton Ribeiro (presbiteriano), Damares Alves (do Evangelho Quadrangular), Luiz Eduardo Ramos (batista) e Marcelo Antonio (da igreja Cristã Maranata).
Só que esse avanço da população evangélica (que deve superar numericamente aroulettecatólicos na décadaroulette2030) vem sendo acompanhadoroulettedesconhecimento, preconceito e desinformação sobre quem são, o que pensam e por que votamroulettedeterminados candidatos.
Para entender melhor sobre essa população cada vez mais importante na política e na sociedade brasileiras, a BBC News Brasil vai responder a algumas perguntas fundamentais sobre os evangélicos.
Primeiramente, é importante entender as diferenças e as semelhanças entre evangélicos, protestantes e outras vertentes do cristianismo.
Em seguida, vamos explorar as origens do protestantismo no século 16 e a inserção dos evangélicos no Brasil até se tornarem uma força política que teve um enorme impacto na eleiçãorouletteBolsonaro,roulette2018.
Evangélicos, protestantes, crentes…
Para começar, qual é a diferença entre evangélicos, protestantes, pentecostais e neopentecostais?
Em geral, o termo protestante é usado para descrever pessoas que seguem todas as denominações derivadas da Reforma Protestante, movimento ocorrido há maisroulette500 anos que deu origem ao principal desdobramento da Igreja Católica desde o cisma entre as igrejas do Ocidente e do Orienteroulette1054.
Isso incluiria então todas as igrejas cristãs criadas a partir das ideiasrouletteMartinho Lutero, dos luteranos à Igreja Universal do ReinorouletteDeus.
O antropólogo Juliano Spyer resume o protestantismo no livro PovorouletteDeus da seguinte forma: "O foco da experiência religiosa deve ser o próprio cristão, seu contato particular com Deus mediado pela leitura e interpretação da Bíblia, e pelo trabalhoroulettecumprir a vontaderouletteDeus sendo parte das ações evangelizadoras".
Teoricamente, não há diferenças entre protestantes e evangélicos, mas segundo Spyer, muitas vezes "evangélico" é usado para se referir ao protestante pobre, enquanto "protestante" é geralmente adotado para se referir a pessoas das camadas médias e alta — alguns deles rejeitam a classificaçãoroulette"crente" ou mesmoroulette"evangélico", preferindo se identificar como cristãos.
Além disso, os protestantes costumam ser divididosroulettetrês grupos: os protestantes históricos, os pentecostais e os neopentecostais.
O primeiro trata das principais correntes protestantes que surgiram na Europa no século 16, como os calvinistas, os luteranos e os anglicanos. O segundo e o terceiro são ligados a desdobramentos protestantes no século 20 que defendem uma experiência mais pura e simples do cristianismo, num contato com Deus menos formal e mais emocional.
As origens dos protestantes
A corrente religiosa conhecida no Brasil como evangélica derivarouletteum movimento que começou oficialmenteroulette1517.
Naquele ano do século 16, o monge católico e teólogo alemão Martinho Lutero pregou na portarouletteuma igrejarouletteWittenberg (Alemanha) suas "95 Teses".
Seus escritos atacavam, entre outros pontos, abusos e fraudesroulettelideranças católicas e a vendaroulette"indulgências" (uma espécieroulette"lugar no paraíso" ou "perdão" dos pecadosroulettequem estava vivo, morto ou na fase intermediária na crença católica, o purgatório).
Para Lutero, as pessoas deveriam ser salvas por meioroulettesua férouletteum contato direto e individual com Deus. E não por meiorouletteperdões concedidos por líderes católicos,rouletteindulgências vendidas ourouletteintermediários para entender a mensagemrouletteDeus (como a tradição escolástica elaborada pelos teólogos católicos).
Uma das principais medidas práticasrouletteLutero foi a tradução da Bíblia do latim para o alemão. Isso não apenas permitiu que as pessoas tivessem acesso direto ao texto bíblico emrouletteprópria língua como também quebrou o monopólio das lideranças católicas sobre a interpretação desses escritos sagrados.
As ideias e açõesrouletteLutero se espalharam como pólvora pela Europa. De um lado, ele acabou condenado por heresia e excomungado pela Igreja Católica. De outro, começou a ganhar seguidores que viriam a ser conhecidos como luteranos ou protestantes (nome dado por causa do protesto que fizeram contra a política religiosa do catolicismo).
"Ele [Lutero] não foi a primeira pessoa que se levantou contra o poder papal e contra os poderes imperiais [do Sacro Império Romano Germânico]. Mas, sem dúvida nenhuma, as consequências [de seu movimento] ocorreramrouletteforma nunca antes vistas para a cristandade ocidental, porque daíroulettefato começa um desenrolar político, econômico e religioso", explica a historiadora JaquelinirouletteSouza, professora na Universidade Regional do Cariri e pesquisadora nas Faculdades EST (antiga Escola SuperiorrouletteTeologia), instituição da Igreja EvangélicarouletteConfissão Luterana no Brasil.
"Nasceu uma nova divisão para a cristandade ocidental, com a necessidaderoulettese trabalharem questões sobre liberdade religiosa, já que Lutero defendia que não era bom — nem são — ir contra a consciência. Questões sobre a ideiarouletteliberdaderouletteexpressão,rouletteresistência ao Estado, tudo isso será desdobramento daquilo", diz Souza.
Esse movimentorouletteseparação da Igreja Católica (que começou com o objetivoroulettequestionamento e nãoroulettecisão) ficaria conhecido como Reforma Protestante, com três grandes vertentes: luteranismo, anglicanismo e calvinismo.
Esse protestantismo histórico,rouletteforma geral, é centrado numa volta à Bíblia como elemento essencial da fé e da prática religiosa.
O calvinismo tem esse nome por causa do teólogo francês João Calvino, que tinha um foco especial no trabalho.
"Calvino e também o calvinismo [ou seja, as interpretações posteriores da teologia dele] entendem que o trabalho deve ser visto como uma bênção, pois deve ser realizado para glorificar a Deus", explicou à BBC News Brasil o historiador, filósofo e teólogo Gerson LeiterouletteMoraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Outro ponto que se destaca no calvinismo é a ideia da escolha, da predestinação. "A partir do século 17, o calvinismo passa a ser visto como uma religiosidade que enaltece a predestinação: só os eleitos são salvos. Mas essa é uma marca do calvinismo [ou seja, dos seguidores] e não do próprio Calvino", explica Moraes.
E isso acabou se tornando muito forteroulettepaíses como a Inglaterra — com os chamados puritanos — e,rouletteseguida, com os colonos que chegaram aos Estados Unidos imbuídos da ideiarouletteque eram os predestinados ao Novo Mundo. No Brasil, a principal denominação ligada ao calvinismo é a Igreja Presbiteriana do Brasil.
"No meio protestante, os calvinistas são reconhecidos como um grupo religioso muito apegado à Bíblia, à tentativaroulettefidelidade, ao viver segundo a tradição", explica Sonia Mota, pastora da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e diretora executiva da Coordenadoria EcumênicarouletteServiço
Mas Mota ressalta que há diferenças ainda mais profundas dentro dessas próprias correntes. "A distância que separa os calvinistas liberais, fundamentalistas e carismáticos é maior do que a distância entre os tradicionais princípios teológicos calvinistas e osrouletteoutras denominações protestantes históricas".
Chegada e expansão do protestantismo no Brasil
Essas e outras correntes protestantes começariam a chegar ao Brasil ainda no século 16, mas só se consolidariam mesmo no século 19.
Muitos fatores favoreceram a chegada delas, como a abertura dos portos brasileiros às nações amigas,roulette1808, e a crescente liberdade religiosa para além da Igreja Católica.
O luteranismo e o anglicanismo foram trazidos principalmente por imigrantes alemães e ingleses, respectivamente. O calvinismo,rouletteseguida, se espalhou graças ao trabalhoroulettemissionáriosroulettecorrentes como a presbiteriana e a metodista.
O marco fundador do calvinismo no país, por exemplo, é considerado a chegada do pastor americano Ashbel Green Simonton,roulette12rouletteagostoroulette1859. Três anos depois, ele fundaria a Igreja Presbiteriana do Brasil, hoje com cercaroulette650 mil adeptos. Estima-se que, no total, sejam 1,2 milhão os praticantes do calvinismo no Brasil.
Como dito acima, o protestantismo é divididoroulettetrês vertentes: os protestantes históricos (calvinistas, luteranos, anglicanos etc.), os pentecostais e os neopentecostais.
No Brasil, os protestantes históricos incluem as igrejas Luterana, Batista, Presbiteriana, Metodista, Episcopal, entre outras.
O segundo grupo (pentecostal) tem entre seus integrantes AssembleiarouletteDeus, Deus é Amor, Evangelho Quadrangular e Congregação Cristã do Brasil.
O terceiro grupo (neopentecostal), uma subdivisão dos pentecostais, inclui denominações como RenascerrouletteCristo, Igreja Universal do ReinorouletteDeus, Sara Nossa Terra, Igreja Internacional da GraçarouletteDeus e Igreja Mundial do PoderrouletteDeus.
Segundo estimativa do Datafolharoulette2016, a cada 100 evangélicos no Brasil, 34 são da AssembleiarouletteDeus, 17 sãorouletteigrejas que não pertencem a nenhuma grande denominação, 11 da Igreja Batista, oito da Universal, seis da Congregação Cristã do Brasil, cinco da Quadrangular, três da Deus é Amor, dois da Adventista e dois da Presbiteriana, entre outros. E a cada 100 evangélicos, 44 são ex-católicos.
Vale lembrar que, no Brasil, a face típica do evangélico é feminina, negra e jovem: 58% são mulheres, 59% são pretos ou pardos e maisroulette60% têm entre 14 e 44 anos. Os dados sãorouletteuma pesquisa Datafolharoulette2020, a mais ampla feita até agora sobre o perfil dos evangélicos brasileiros.
Surgido entre pessoas mais pobres e menos favorecidas no início do século 20 nos EUA, o pentecostalismo é uma formaroulettecristianismo que também enfatiza a experiência direta da presençarouletteDeus por aquele que crê.
Em linhas gerais, os pentecostais acreditam que a fé precisa ser uma experiência poderosa, e não apenas algo ligado a rituais ou reflexões, e que os crentes são movidos pelo poderrouletteDeus.
Um aspecto pentecostal importante na conversão é o batismo no Espírito Santo, que acredita-se preencher a vida do crente com o Espírito Santo e conceder a ele a força para viver uma vida verdadeiramente cristã.
A maioria dos pentecostais acredita que esse movimento representa um retorno do cristianismo à forma pura e simplificada, como o que era praticado nos primeiros anos da própria Igreja Católica. A formarouletteorar pentecostal, por exemplo, é menos formal e mais emocional do que a tradição católica.
Esse movimento pentecostal (que não é uma igrejaroulettesi, mas várias denominações que discordamroulettediversos aspectos) chega ao Brasil ainda no início do século 20. Especialistas falamroulettetrês ondasrouletteexpansão no país.
A primeira onda tem umrouletteseus marcosroulette1911, anorouletteque missionários suecos fundam a AssembleiarouletteDeus no país.
O trabalho deles começarouletteBelém direcionado aos indígenas, mas décadas depois se volta para o restante da população. Hoje, a AssembleiarouletteDeus é a mais popular denominação pentecostal, reunindo cercarouletteum terço dos evangélicos.
A segunda onda pentecostal ganha força nos anos 1950 e 1960 por meioroulettedenominações como Brasil para Cristo e Deus é Amor.
A terceira onda, a partir dos anos 1970 estaria mais ligada a um desdobramento do pentecostalismo chamadarouletteneopentecostalismo. Um dos marcos é a fundação da Igreja Universal do ReinorouletteDeus,roulette1977.
Não há consenso sobre o que diferencia o neopentecostalismorouletterelação ao pentecostalismo e nem seroulettefato há uma unidade entre essas denominações que não seja apenas temporal (ou seja, neopentescostais, por essa classificação, seriam todas as que tenham surgido a partir dos anos 1970).
"O neopentecostalismo transformou as tradicionais concepções pentecostais acerca da conduta e do modorouletteser do cristão no mundo. Propagou a ideiarouletteque ser cristão constitui o meio primordial para permanecer liberto do Diabo e obter prosperidade financeira, saúde e triunfo nos empreendimentos terrenos. 'Ter um encontro com Cristo' passou a significar gozarrouletteuma vida próspera e feliz, ou a certezaroulettepoder contar com a efetiva intervenção divinaroulettetoda circunstância, até para satisfazer ambições materiais", escreve o sociólogo e professor Ricardo Mariano (USP)rouletteartigo sobre o tema.
Potência política e social
Mas, se a história dos protestantes no Brasil começaroulettemeados do século 19 e avança no século 20, por que só no século 21 os evangélicos se tornaram uma potência política e social?
O sociólogo peruano José Luis Pérez Guadalupe aponta no livro Novo ativismo político no Brasil: os evangélicos do século 21 alguns fatores importantes para essa transformação evangélica:
O primeiro foi a percepção, com o amadurecimento das igrejas evangélicas,rouletteque era válido reivindicar um lugar legítimo na sociedade, defender a liberdade religiosa e atuar como cidadãos imbuídos da mensagem cristã.
O segundo foi uma mudança teológica significativa, segundo Guadalupe. Antes, a mentalidade dominante (pré-milenarismo) rejeitava participarroulettecoisas "mundanas", como a política, porque a vida era vista como uma "salarouletteespera" da segunda vindarouletteJesus Cristo.
"Houve (na época) grande pressão nas comunidades evangélicas para abandonar as coisas mundanas e se dedicar inteiramente à evangelização, uma vez que a segunda vinda do Salvador poderia ocorrer a qualquer momento", escreve. Era quase como uma "greve social" contra o que chamavamroulette"mundo".
Mas, a partir dos anos 1990, o pós-milenarismo começa a ganhar força na América Latina. Essa doutrina afirma que o milênio atual é "temporoulettecolheita", ou seja, que os cristãos protestantes deveriam não apenas esperar a segunda vindarouletteCristo, mas trabalhar ativamente pelo usufruto da vida e pela restauração do ReinorouletteDeus na Terra.
Um exemplo dessa mudançarouletteuma fuga do mundo para uma conquista do mundo é a Teologia do Reino Presente, pregada por algumas denominações neopentecostais.
"É uma escatologia (doutrina que trata do destino final do homem e do mundo) da vitória, que torna os devotos verdadeiros herdeiros do poder, da autoridade e do direito divinorouletteconquistar as naçõesroulettenomerouletteDeus. O ReinorouletteJesus Cristo não se refere mais a uma promessaroulettebênçãos futuras, mas ao tempo presente do fiel eroulettesua igreja", explica o sociólogo argentino Joaquín Algranti na obra Política e Religião nas Margens: Novas formasrouletteparticipação social das megaigrejas evangélicas na Argentina.
Especialistas apontam outros três teologias influentes na transformação da atuação políticarouletteevangélicos no Brasil: a Teologia da Prosperidade (desfrutar o mundo criado por Deus), a Teologia da Guerra Espiritual (purificar o mundo dos demônios do mal) e a Teologia do Domínio (conquistar o poder e comandar o mundo segundo a palavrarouletteDeus).
Segundo Juliano Spyer, na teologia da prosperidade pregada no neopentecostalismo, por exemplo, "a conversão e adoção da prática religiosa são recompensadas por Deus via ascensão financeira".
Nessa vertente, o fiel é "estimulado a atuarroulettemaneira empreendedora para enfrentar as adversidades da vida", e prosperidade não se trata apenasrouletteuma questão financeira, masrouletteviver melhor.
"A disciplina e o esforço para abraçar valores e ideais cristãos se fortalecem quando a pessoa está menos vulnerável socialmente, tem casa, está empregada, pode estar e tem comidaroulettecasa."
Spyer ressalta que parte do crescimento das igrejas evangélicas se dá justamente porque entrar para uma dessas denominações geralmente melhora as condiçõesroulettevida dos brasileiros mais pobres e conduz à ascensão socioeconômica. Por quê?
Segundo ele, o conjuntoroulettecausas inclui tanto questões religiosas quanto práticas, como o "fim do alcoolismo e consequentemente da violência doméstica (associada ao vício), fortalecimento da autoestima, da disciplina para o trabalho e aumento do investimento familiarrouletteeducação e nos cuidados com a saúde", alémroulette"conforto emocional, dinheiroroulettemomentosroulettedificuldade, acesso a empregos, consultas com profissionais da saúde, encontros com advogados ou com representantes do poder público e até vagasrouletteclínicasroulettedesintoxicação".
Spyer menciona também o papel como nova rederouletterelacionamentos que igrejas pentecostais tiveram para milharesroulettetrabalhadores rurais que migraram do interior do Nordeste para a periferiaroulettegrandes centros urbanos e se afastaramroulette"redesrouletteajuda mútua dentro dos espaços familiares"roulettesuas terras natais.
Já no caso do protestantismo histórico, o progresso econômico "resultarouletteum estiloroulettevida austero" que se relaciona com o mundo por meio do trabalho e da produçãorouletteriqueza.
Segundo Spyer, "pentecostais e especialmente protestantes históricos frequentemente rejeitam a ideiarouletteque a conversão possa ser justificada por uma ambiçãorouletteprosperidade material. Muitos entendem que a melhoraroulettecondições pode acontecer como consequênciarouletteuma vida mais regrada e pela influência da igreja, por exemplo, na promoção da educação formal".
Segundo Spyer, o incômodorouletterelação à teologia da prosperidade, mais ligado a setores médios e altos da sociedade (incluindo os protestantes históricos), "seria uma desaprovação a que o pobre ambicione para si aquilo que faz parte da vida dos brasileiros mais ricos, como viajarrouletteavião, fazer turismo para o exterior e consumir produtos caros".
O terceiro fator apontado por Guadalupe para a transformação evangélica no Brasil seria ligado à política.
O panoroulettefundo era uma criserouletteideologias e dos partidos políticos tradicionais, cujo auge foi o declínio do comunismo, gerando "vácuos e bolsõesroulettepoder que foram deixados sem uma representação política viável na região".
Assim, a política se mostraria um meiorouletteevangelização das massas eroulettegruposrouletteinfluência na sociedade, como políticos, empresários e comunicadores.
Um dos marcos na participação políticarouletteevangélicos no Brasil se deu nos anos 1980, simbolizada na mudança do lema dominante "crente não mexe com política" pelo avanço do slogan "irmão votarouletteirmão".
Preconceito e atuação no debate público
Por causa desse conjuntoroulettecaracterísticas, o evangélicos costumam ser alvoroulettepreconceitoroulettediversos lados. Em algumas situações, são pejorativamente chamadosroulettefanáticos, hipócritas (por supostamente praticarem o oposto do que pregam), alienados e preconceituosos.
Parte disso acontece porque evangélicos não aceitam a posição passivaroulettevulneráveis, submissos ou humildes, na visão do antropólogo Juliano Spyer,rouletteseu livro PovorouletteDeus. "(O evangélico) é acusadorouletteser manipulado ourouletteser avarento por querer ter as mesmas coisas que seus críticos desfrutam: viajar, se vestir bem e ir a restaurante."
Para alémrouletteataques com ou sem fundamento, o antropólogo e professor Ronaldo Almeida, da Unicamp, identifica quatro eixos na atuação da camada evangélica mais conservadora no debate público.
São eles: a defesa da moral (antiaborto, antieducação sexualrouletteescolas, etc.), o discurso da ordem (redução da maioridade penal, endurecimento das lei penais etc.), a defesarouletteum Estado menos intervencionista nas relações sociais e econômicas e a demonizaçãorouletteadversários políticos e religiosos (esquerda e religiões fora da tradição judaico-cristã).
Mas a brasilianista e cientista política americana Amy Erica Smith (Iowa State University) lembra,rouletteartigo sobre o tema, que a atuação políticaroulettereligiososroulettedireção aos eleitores mais conservadores nos últimos anos não se resumiu aos evangélicos.
Em 2010, por exemplo, o papa Bento 16 instruiu bispos a orientarem os brasileiros católicos que não votassemroulettecandidatos pró-legalização do aborto.
"Católicos e evangélicos se encontram com frequência no mesmo ladoroulettedebates ideológicos sobre questões ligadas à sexualidade, ao aborto e aos direitos das mulheres."
Mas ao longo dos anos, conta Smith, lideranças católicas se tornaram mais cautelosasroulettese posicionar politicamente, enquanto as evangélicas seguem caminho inverso.
Segundo Smith,roulette2014 quase metade dos evangélicos brasileiros ouviram seus pastores falarem sobre campanha eleitoral nas semanas que antecederam o pleito.
Isso não significa, ressalta a pesquisadora, que seja direta e automática a influênciaroulettebispos e pastores nos votos dos fiéis. Em geral, o principal efeito é a maior participação política dos eleitores evangélicos, e não o direcionamento deles para votosrouletterebanho no candidato A ou B.
Há, no entanto, grande influência na pauta legislativa.
"A presença evangélica na crescente direita ideológica só tende a crescer nos próximos anos. Entre os evangélicos brasileiros, a defesaroulettepolíticas que promovem posições conservadorasroulettequestõesroulettesexualidade e família parece estar crescendo com fortes ligações à missão teológica", afirma Smith.
Em quem os evangélicos votam e por quê?
No segundo turno da eleição presidencialroulette2018, por exemplo, quase 105 milhõesroulettepessoas foram às urnas.
Dentre eles, estima-se que 31,4 milhões eram evangélicos — 21,7 milhões votaramrouletteJair Bolsonaro (então PSL) e 9,7 milhões,rouletteFernando Haddad (PT). Ou seja, quase 70% dos evangélicos votaramrouletteBolsonaro. Em comparação, entre os católicos Bolsonaro obteve 51% dos votos válidos.
Grande parte das lideranças evangélicas aderiram à campanharouletteBolsonaroroulette2018, como Edir Macedo, Silas Malafaia (AssembleiarouletteDeus VitóriarouletteCristo), Valdemiro Santiago e R.R. Soares (Igreja Internacional da GraçarouletteDeus).
"Eu vou votar no Bolsonaro, analisei todos os projetos e o dele é o melhor, principalmenterouletterelação à ideologiaroulettegênero. Estão convencendo que meninos podem ser meninas, e meninas podem ser meninos", disse à época o missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da GraçarouletteDeus.
Mas qual é o peso dos pastores nas escolhas dos fiéis nas urnas? Pesquisas com eleitores apontam que esses líderes influenciam o votoroulettesomente trêsroulettecada 10 fiéis evangélicos — a taxa é um pouco maior entre neopentecostais (como as denominações Universal e Renascer),roulette31%, do que entre os evangélicos como um todo,roulette26%.
"Não é um votoroulettecabresto. Mesmo quando o pastor é candidato e toda a igreja é mobilizada para votar nele, há casosroulettederrota fragorosa. Os membros parecem estar obedientes, mas não estão", disse o sociólogo Paul Freston, que estuda o papel dos evangélicos na política desde os anos 1980,rouletteentrevista à BBC News Brasil sobre o tema.
"Estamos falandoroulettepessoas que são cidadãos comuns, têmrouletteinserção na sociedade. Elas levamrouletteconsideração fatores pessoais, profissionais,roulettefamília,rouletteclasse."
Muitos pesquisadores brasileiros investigam o que motiva os votos dos evangélicos, e quão diferentes são esses motivos do restante da população. Como dito antes, é importante ressaltar que os evangélicos não são um grupo uniforme, formado apenas por pessoas com as mesmas posições políticas.
Um exemplo disso é o fatorouletteque o apoioroulettelideranças neopentecostais populares a Bolsonaro continua forte, mas, segundo pesquisasrouletteintençãoroulettevoto, o apoio e a vantagem eleitoral dele entre eleitores deste segmento têm caídorouletterelação a 2018.
O que, então, está por trás do comportamento eleitoral dos eleitores evangélicos? Eles são mais conservadoresroulettemédia do que outros grupos da sociedade brasileira?
Especialistas apontam que pautas conservadoras têm atraído tanto católicos quanto evangélicos há décadas no país.
Mas, para os pesquisadores Paulo Gracino Junior e Carlos Henrique Souza, parte dos evangélicos brasileiros aproveita esse novo espaço no debate público para expor suas posições, o que fez com que o grupo se tornasse central na onda conservadora recente no país — que culminou na eleiçãorouletteJair Bolsonaro,
Segundo Gracino Junior e Souza, a candidaturarouletteBolsonaro impulsionou e sintetizou discursivamente o conservadorismo a partirrouletteuma articulaçãoroulettetorno da família, educação, moralidade e segurança.
Os pesquisadores lembram que algo equivalente ocorreu durante a ditadura militar (1964-85) com o catolicismo conservador.
O elo e o combustível da nova onda conservadora, segundo os pesquisadores, foi o antipetismo, que conseguiu sintetizar todos esses diversos afetos difusos na sociedade, como a fobia ante as novas identidadesroulettegênero e outras pautas minoritárias, a nostalgia da ordem militar e o ódio contra a corrupção na política.
Em outro trabalho sobre o tema, Gracino Junior (Iuperj), desta vezrouletteconjunto com as cientistas políticas Mayra Goulart (UFRJ) e Paula Frias (Uerj), afirma que o "ressentimento é o afeto que catalisa os vínculosrouletteidentificação entre a candidaturarouletteBolsonaro e seu eleitorado, sobremaneira, o evangélico".
Há uma perspectivarouletteabandono por trás desse ressentimento, explicam os pesquisadores, ligada a uma demandarouletteeleitores órfãos que acabaria casando com a oferta do populismoroulettedireitarouletteBolsonaro.
Segundo o triorouletteestudiosos, isso ocorre principalmente com os evangélicos porque nas últimas três décadas eles passaramroulettegrupo ressentido, que se sentia humilhado cultural e socialmente, para uma camada social organizada, heterogênea, mas com forte representação cultural e política.
E agora esse grupo se vê quase que profeticamente uma variaçãorouletteum dos versículos bíblicos mais populares no meio evangélico pentecostal: "os humilhados serão exaltados".
Segundo os pesquisadores Ricardo Mariano e Dirceu André Gerardi,rouletteestudo sobre o tema, o antipetismo evangélico começouroulette1989 na política brasileira, perdeu força nos governos Lula e Dilma, mas ganhou novo impulso a partirroulette2006, a partir das propostasroulettecombate à homofobia eroulettedescriminalização do aborto.
Em 2015, o afastamento desse grupo político chegou ao auge, com 89% da bancada evangélica votando a favor do impeachmentrouletteDilma.
Por outro lado, a cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Iser (InstitutorouletteEstudos da Religião), ressalta que a identidade religiosa pesa menos na escolha eleitoral dos evangélicos do que diversas demandas sociais, políticas, econômicas e também religiosas.
Para Evangelista, a chamada "agenda moral" tem servido menos a demandas e propostasroulettemudanças e mais ao papel antiesquerdarouletteacionar medos e pânicos no eleitoradorouletteeixos como defesa da moral e da família e força e ordem na segurança pública.
José Luis Pérez Guadalupe, por outro lado, afirma que não há um "voto evangélico" único, mas sim "o voto dos evangélicos" plural e pulverizado.
Em 2018, segundo ele, houve uma maior união (e não unanimidade) desses votos por causa da agenda moral (contra o direito ao aborto e pró-família), que se tornou central na atuação político-eleitoralroulettelideranças e denominações evangélicas.
Uma das evidênciasrouletteque o voto dos eleitores evangélicos não é baseado apenasroulettefatores religiosos, segundo Guadalupe, é a sub-representação eleitoral desse segmento religioso na Câmara dos Deputados.
Em 2019, havia 82 representantes evangélicos na Casa, equivalente a 16% dos 513 deputados — aquém da proporçãorouletteevangélicos na população brasileira (cercaroulette30%).
Mesmo assim, isso não significa que a Frente Parlamentar Evangélica, conhecida como "bancada evangélica", tenha pouca influência no Congresso. Pelo contrário. Ao se associar a outros gruposrouletteinteresse, como a bancada ruralista, por exemplo, ela consegue avançar ou barrar projetos sem precisar ser majoritária na Câmara.
*Com informações adicionais da BBC,rouletteRafael Barifouse (BBC News Brasil) erouletteEdison Veiga (colaboração para a BBC News Brasil)
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