Como aumento da temperatura pode matar peixes e causar fome na Amazônia:app apostas futebol

  • André Biernath e Nathalia Passarinho
  • Enviados da BBC News Brasil a Sharm El-Sheikh (Egito)
Homem limpando um peixe

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Pescados representam 90% da proteína consumida pela população que vive na Amazônia

app apostas futebol As pesquisas do biólogo Adalberto Luis Val permitiram entender melhor como os peixes e outros organismos aquáticos da Amazônia vivem, se reproduzem e morrem.

O trabalho dele explora como essas espécies foram capazesapp apostas futebolse adaptar a condições extremas — como a baixa disponibilidadeapp apostas futeboloxigênio e a acidez intensa — ao longo dos milhõesapp apostas futebolanosapp apostas futebolevolução do planeta.

Os estudos também ajudaram a compreender como as últimas décadas submeteram toda essa biodiversidade a um estresse nunca antes visto, com o despejoapp apostas futebolpoluentes, plásticos e metais pesadosapp apostas futebolrios e igarapés.

E tudo isso representa um risco enorme: o aumentoapp apostas futebol1,5 °C na temperatura já seria suficiente para dispersar muitos desses seres, que são vitais na dieta da população local.

Val está participando da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), que aconteceapp apostas futebolSharm El-Sheikh, no Egito.

Numa reunião da sociedade civil com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, realizadaapp apostas futebol17app apostas futebolnovembro, ele foi um dos seis escolhidos para falar e apresentou as demandas do setorapp apostas futebolciência, pesquisa e desenvolvimento.

Um dos pedidos do biólogo foi que o novo governo crie políticas públicas para "trazer os meninos para casa" — uma alusão aos cientistas brasileiros que fizeram toda a formação no país, mas que foram trabalhar no exteriorapp apostas futebolbuscaapp apostas futebolmelhores condiçõesapp apostas futebolvida.

Numa entrevista à BBC News Brasil, Val contou um pouco sobre suas pesquisas, falou da importânciaapp apostas futebolconhecer os saberes tradicionais amazônicos e apontou o caminho para incentivar a pesquisa no país.

A boca volátil do tambaqui

Val nasceuapp apostas futebolCampinas, no interior paulista, estudou bioquímica e depois cursou biologia. Foi a paixão pela pesca — seu passatempo favorito nos finaisapp apostas futebolsemana durante a infância e a adolescência — que o levou a estudar esses animais.

Em 1978, ele foi para a Amazônia pela primeira vez e, no ano seguinte, resolveu fixar residência na região.

"Quando cheguei lá e vi aquela quantidadeapp apostas futebolpeixes no mercado, entendi que ali era o meu lugar", lembra.

Pesquisador do Instituto Nacionalapp apostas futebolPesquisas da Amazônia (Inpa), Val explica queapp apostas futebollinhaapp apostas futebolpesquisa busca entender como os organismos aquáticos, como peixes, anfíbios, répteis e mosquitos, se adaptam às mudanças ambientais.

Ele aponta que a oscilação do nível das águas nos rios e reservatórios naturais coloca os peixesapp apostas futebolcontato com a floresta por um tempo prolongado no período das cheias.

Tambaqui

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Entender a boca do tambaqui pode levar à melhor compreensão sobre os mecanismosapp apostas futebolcicatrização da pele, avalia cientista

Pule Podcast e continue lendo
BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

Na contramão, durante o períodoapp apostas futeboláguas baixas, esses animais ficamapp apostas futebollocais mais isolados.

"A Amazônia tem maisapp apostas futebol3 mil espéciesapp apostas futebolpeixes, mas vamos pegar como exemplo o tambaqui", diz.

"Na fase adulta, ele se alimentaapp apostas futebolfrutas, e temos estudos mostrando que é possível encontrar até 140 variedades diferentes desses alimentos no sistema digestivo deles", calcula.

"No período das secas, o peixe perdeapp apostas futebolparte essa conexão com o resto do meio ambiente."

O professor conta outro atributo curioso do tambaqui: nos momentos do anoapp apostas futebolque a espécie fica exposta a uma baixa disponibilidadeapp apostas futeboloxigênio na água, ela expande significativamente os lábios.

"Com isso, esse peixe vai para a superfície do rio e coleta aquela camada superficialapp apostas futebolágua que, pelo contato com o ar, é mais ricaapp apostas futeboloxigênio", explica.

Quando o oxigênio volta aos níveis superiores nos rios, os lábios do animal regridem.

"Entender esse mecanismo nos ajuda a compreender, por exemplo, como acontece a proliferaçãoapp apostas futebolcélulas. E isso poderá ajudar no futuro a cicatrizar mais rapidamente os ferimentos na pele", antevê.

Muitas mudançasapp apostas futebolpouco tempo

Embora várias dessas espécies aquáticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes extremos ao longoapp apostas futebolcentenasapp apostas futebolmilharesapp apostas futebolanos, elas nunca foram submetidas a uma situação tão complicada, acredita Val.

Por trás disso, está a ação humana na destruição dos rios que correm pela região.

"É possível observar um conjuntoapp apostas futeboloutras modificações produzidas pelo homemapp apostas futebolforma rápida e imediata, como a poluiçãoapp apostas futeboltudo que é tipo, com medicamentos, agrotóxicos, nanopartículasapp apostas futebolplástico, petróleo…", lista.

"Tudo isso nos preocupa muito, porque as alterações causadas pelo homem são rápidas demais, e não dá tempoapp apostas futebolas espécies aquáticas se adaptarem", diz.

A distribuiçãoapp apostas futeboluma fina camadaapp apostas futebolpetróleo na superfície da água, por exemplo, impede que os tambaquis acessem o oxigênio que os mantêm vivos.

"Estamos concluindo vários estudos que detectaram a presençaapp apostas futebolmicroplásticos nos peixes, inclusive com uma transferência direta desse material da mãe para os filhos", informa.

"Uma proteína nos ovos dos peixes se liga às moléculasapp apostas futebolplástico, então a larva já inicia a vida com esse poluente no corpo."

Alémapp apostas futebolrepresentar um risco à biodiversidade da Amazônia, a extinçãoapp apostas futebolespécies é um perigo à segurança alimentar do povo que vive ali.

"Vale lembrar que 90% da proteína consumida pela população local tem origem nos peixes. Trata-seapp apostas futeboluma fonte alimentar extremamente importante para a região", chama a atenção.

Val alerta que, apesar do clima local, os peixes amazônicos são extremamente vulneráveis à variaçãoapp apostas futeboltemperatura.

"Muitos deles já vivem no seu limite térmico superior, e qualquer variação futura pode levar ao desaparecimentoapp apostas futebolvárias espécies", diz.

O biólogo Adalberto Luis Val

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

O biólogo Adalberto Luis Val foi um dos representantes da sociedade civil a apresentar demandas a Lula na COP27

O biólogo entende que a urgência da situação exige que os cientistas façam pesquisas genéticas para detectar quais são as espécies mais adaptadas às altas temperaturas, para que elas sejam criadasapp apostas futebolfazendas e possam suprir a demanda num futuro próximo.

"Um aumentoapp apostas futeboltemperatura na ordemapp apostas futebol1 °C ou 1,5 °C já é suficiente para testemunharmos o desaparecimentoapp apostas futebolmuitas espécies da Amazônia, principalmente daquelas que vivem nos pequenos igarapés dentro da floresta", alerta.

Jaraqui velho não sobe o rio

Durante a reunião com Lula, Val também destacou a importânciaapp apostas futebol"aliar os saberes tradicionais com a ciência contemporânea".

Para ilustrar a relação entre esses dois universos, ele se recordaapp apostas futeboluma história que viveu.

"Existe um peixe na Amazônia chamado jaraqui que é extremamente popular e muito consumido pela população", descreve.

Sabe-se que essa espécie viveapp apostas futebolcardumes e desce do Alto Rio Negro até o encontro das águas com o Solimões, onde aconteceapp apostas futebolreprodução.

"Na prática, as fêmeas depositam os óvulos na água e os machos liberam o esperma para fecundar. À medida que os novos peixes se desenvolvem, eles nadamapp apostas futebolvolta para a cabeceira do Rio Negro, e sabem exatamente como ir até lá", ensina.

O biólogo conta que durante um período coletou alguns jaraquis para tirar amostrasapp apostas futebolsangue, que seriam depois analisadas no laboratório.

"Nessas pesquisas, eu sempre encontrava três ou quatro animais que destoavam do resto do grupo e tinham parâmetros sanguíneos completamente diferentes", diz.

Mas ele não fazia ideia do motivo. Até que um dia estava fazendo trabalhoapp apostas futebolcampo, no meio da floresta, quando o barco que o grupo utilizava quebrou.

"Decidimos então dormir ali mesmo e fizemos uma fogueira para assar um peixe", lembra.

"Nisso, veio um caboclo que morava ali perto conversar com a gente. O resto do grupo foi dormir, mas fiquei batendo papo com ele."

Foi aí que o pesquisador comentou do mistério que o intrigava — e descobriu a resposta prontamente.

"Ele olhou pra mim e disse: 'Mas professor, isso é muito simples. Acontece que os peixes sobem e descem o rio várias vezes ao longo da vida. Mas, quando eles ficam mais velhos, não aguentam fazer isso. Eles permanecem então aqui na mata inundada dos igapós. Só que, ao ver o cardume saindo, eles pensam que estão recuperados e se misturam aos peixes mais novos'."

"Eu não tinha pensado nisso e fui verificar. Aí notei que, dito e feito, esses três ou quatro peixes diferentes que eu encontrava no meio do grupo eram justamente os mais velhos."

"Eu tenho um monteapp apostas futebolhistórias desse tipo, que mostram como a ciência precisa do apoio dos indígenas e das comunidades locais para entender todas as coisas que existem na Amazônia", aponta.

"Para mim, não há contraste entre o conhecimento tradicional e a ciência contemporânea. Uma se vale da outra", conclui.

Jaraqui

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

O jaraqui é um dos peixes mais consumidos na Amazônia

O resgate dos 'meninos'

Por fim, Val enumerou alguns caminhos possíveis para desenvolver a ciência no Brasil — e mais especificamente na Amazônia.

"Da totalidade do orçamento nacional para a ciência e a tecnologia, apenas 2% são investidos na Amazônia", calcula.

"E não será possível avançar a conservação ambiental e a redução dos impactos climáticos se a gente não contar com a ciência na região. Não adianta o mundo estudar a Amazônia, porque as informações não serão acessíveis para o caboclo que está no interior e não conseguirá ler o artigo científico publicado numa revista internacional", critica.

O biólogo aponta que, nos últimos quatro anos, houve uma "degradação muito significativa das instituiçõesapp apostas futebolpesquisa no Brasil, sendo que na Amazônia a coisa foi ainda pior".

"O Inpa (Instituto Nacionalapp apostas futebolPesquisas Ambiental da Amazônia) mesmo tem cercaapp apostas futebol140 pesquisadores, sendo que metade deles já estáapp apostas futebolidadeapp apostas futebolaposentadoria, mas continuam a trabalhar por faltaapp apostas futebolgente."

Val acredita que o primeiro grande desafio do próximo governo é "viabilizar oportunidades para que os meninos e as meninas fiquem no Brasil".

Ele explica que os termos "meninos" ou "meninas" são maneiras carinhosasapp apostas futebolse referir aos mais jovens na região amazônica.

"As pessoas têm o direitoapp apostas futebolmorar no exterior, mas não porque não há condiçõesapp apostas futebolfazer pesquisa no país", lamenta.

"Nós gastamos uma fortuna para formar esses profissionais e, quando eles chegam aos 28 anos, recebem propostas melhores para trabalhar fora."

Ele cita o exemploapp apostas futebolum aluno que era eletricistaapp apostas futebolSão Paulo e foi ao Ipam para fazer mestrado e doutorado.

Durante o trabalho, o jovem cientista desenvolveu um mecanismoapp apostas futebolinteligência artificial que ajuda a saber se peixes ornamentais estão saudáveis — e foi contratado por uma empresa no Reino Unido.

Val também acredita que ao menos 2% do PIB do país deveria ser investidoapp apostas futebolciência e tecnologia.

"Precisamos utilizar nossos recursos para criar estruturas capazesapp apostas futeboldesenvolver novas tecnologias", aponta.

"Por último, precisamos transformar a informação que temos produzidoapp apostas futeboltecnologias sustentáveis, que possam ser socializadas com a população."

"E o foco dessa inclusão social precisa acontecer principalmente nas regiões periféricas, como a Amazônia, o Nordeste, o Pantanal e o Centro-Oeste", sugere.

Ele cita como exemplo o fatoapp apostas futebolnenhum peixe amazônico ser exportada para o exterior a partirapp apostas futeboluma produção sustentável.

"Há algumas décadas, o então governador do Estado do Amazonas deu dez casaisapp apostas futeboltambaquiapp apostas futebolpresente para uma delegação chinesa", lembra.

"Logo depois, o presidente chinês determinou que um timeapp apostas futebolpesquisadores fosse enviado ao Brasil, onde os cientistas aprenderam mais sobre a espécie e coletaram informações da literatura."

"E, há alguns anos, a China começou a exportar a carneapp apostas futeboltambaqui", finaliza.

- Este texto foi publicado originalmenteapp apostas futebolhttp://www.mi-rob.com/brasil-63670566