'Hanseníase me fez ficar internadaaplicativo da betanohospital colônia e amputar perna e dedos':aplicativo da betano

Mas para que a transmissão ocorra, o contato precisa ser prolongado e próximo — como oaplicativo da betanopessoas que vivem na mesma casa, por exemplo —, diferentementeaplicativo da betanooutras doenças infecciosas como a covid-19, que podem ser disseminadas por um contato mais superficial.

Ainda assim, não são todas as pessoas que entramaplicativo da betanocontato com a bactéria que desenvolvem a doença. "É necessário ter uma suscetibilidade genética à doença, relacionada a falhas na imunidade inata, ou seja, que vem desde o nascimento. Cercaaplicativo da betano10% da população é mais suscetível à hanseníase, mas isso não quer dizer que os outros 90% não possam ficar doentes - só é provável que desenvolvam quadros mais leves", explica Egon Daxbacher, médico do departamentoaplicativo da betanohanseníase da SBD (Sociedade Brasileiraaplicativo da betanoDermatologia).

Embora a hanseníase seja marcada por feridas grosseiras na pele, que estigmatizam a aparência dos acometidos,aplicativo da betanoimportância para a saúde pública está relacionada aos danos que o baciloaplicativo da betanoHansen pode causar no sistema nervoso periférico (terminações nervosas livres e troncos nervosos), que podem ocorrer quando a doença não é diagnosticada e tratada precocemente.

Nesses casos, os doentes sofrem com a perdaaplicativo da betanosensibilidade nos membros, paralisias musculares e até incapacidades físicas permanentes, como atrofias ou necessidadeaplicativo da betanoamputaçãoaplicativo da betanomembros, quando o bacilo causa danos irreversíveis nas terminações nervosas.

O tratamento feito da forma correta pode durar até um ano e meio e permite a cura — mas não impede, caso demore a ser feito, que o paciente sofra com sequelas irreversíveis.

Internação compulsória marcou história da doença no Brasil

Por séculos, no Brasil e no mundo, pensava-se que a hanseníase era muito mais contagiosa do que realmente é, o que resultou no isolamento e segregaçãoaplicativo da betanomilhõesaplicativo da betanopessoas.

"O Brasil foi um dos primeiros países que se sabe, por conta da comunicação precária da época, a ter casos da doença, por volta do ano 1600, quando surgiram relatos no Rioaplicativo da betanoJaneiro. A coroa portuguesa investiu muito pouco, comoaplicativo da betanotudo no país, o que contribuiu para a disseminação da hanseníase", diz a médica Patrícia Deps, dermatologista e referência no combate à Hanseníase no Brasil, que foi selecionada como membro na "WHO Technical Advisory Group-Leprosy control", um programaaplicativo da betanocombate à doença da OMS (Organização Mundial da Saúde), no qual irá atuar entre os anosaplicativo da betano2022 e 2025.

"O olhar mais cuidadoso para a hanseníase no início do século 20, na 'era dos sanitaristas' [quando o Brasil começou a ter políticas voltadas para à saúde pública, como a vacinaçãoaplicativo da betanomassa]", complementa Deps.

O conhecimento, no entanto, não era abrangente, e parte da solução encontrada com o passar do tempo é hoje vista como medida que fere os direitos humanos.

"Pacientes com hanseníase passaram a ser internadosaplicativo da betanoinstituições focadas apenas na doença. A ideia era tratar os doentes — embora na época não existisse tratamento realmente efetivo — e proteger a população saudável", aponta.

Entre 1920 e 1950, foram inaugurados quarenta hospitais-colônias (chamados pejorativamenteaplicativo da betanoleprosários)aplicativo da betanotodo o Brasil — a maioria deles criados no governoaplicativo da betanoGetúlio Vargas.

Em 1949, o isolamento forçado dos hansenianos virou lei federal, que vigorou até 1986. A legislação permitia até mesmo separar filhosaplicativo da betanosuas mães.

Em 2007, a lei foi tida como um erro das políticas públicas e pacientes que foram internados até 31aplicativo da betanodezembroaplicativo da betano1986 foram considerados aptos a receber pensão mensal vitalíciaaplicativo da betanoR$ 750 conforme o art. 1º da Lei nº 11.520/2007.

'Não era capaz nemaplicativo da betanosegurar uma escovaaplicativo da betanodentes'

Maria Catelli, 74, foi uma das milharesaplicativo da betanobrasileiras que passaram por uma instalação com foco no tratamento e reabilitaçãoaplicativo da betanopacientes hansenianos. Moradoraaplicativo da betanoMaringá, no Paraná, ela foi internadaaplicativo da betano1986, quando o isolamento já não era mais obrigatório.

Mãe solteiraaplicativo da betanotrês crianças pequenas, Maria já sofria com a doença havia anos, mas foi durante uma crise que provocou dores intensas que concordouaplicativo da betanoser internada.

"Três anos antes, eu perdi um chinelo porque meu pé inchou demais, sem explicação. Era o primeiro sinal. Depois as articulações também aumentaramaplicativo da betanotamanho. Fizeram um testeaplicativo da betanohanseníase no qual pegaram uma amostraaplicativo da betanopele, mas como eu não tinha feridas, foi inconclusivo. O diagnóstico demorou meses, só veio depoisaplicativo da betanovários exames", conta.

Enquanto esperava o diagnóstico, Maria foi perdendo a força. Quando carregava uma caixaaplicativo da betanobebidas na padariaaplicativo da betanoque trabalhava, sentiu as mãos falharem e derrubou a encomenda. Foi o último trabalho que teve.

Mesmo seguindo o tratamento indicado pelos médicos, os medicamentos não controlavam a doença por completo e ,alguns anos depois do diagnóstico, Maria teve o que os médicos chamamaplicativo da betanoreação hansênica, quadro que causa sintomas dolorosos.

"Em 1986 tive uma crise muito forte, com febre e dor que não passavam, e me encaminharam para internaçãoaplicativo da betanoCuritiba, no Paraná. Quando cheguei lá, não era capaz nemaplicativo da betanosegurar uma escovaaplicativo da betanodentes."

Foram quatro mesesaplicativo da betanointernação com remédios para controleaplicativo da betanodor, fisioterapia e atividades para ocupar a mente, como oficinasaplicativo da betanoartesanato.

Lá, Maria conta ter sido bem tratada e presenciado histórias tristesaplicativo da betanooutros pacientes com hanseníase. "Havia muitas pessoas com problemas mentais e com membros amputados. Me lembroaplicativo da betanouma menina bem jovem, 20 e poucos anos, que chorava muito por que ela perderia a perna. No centro cirúrgico ela teve complicações e acabou falecendo."

A médica Patrícia Deps explica que, mesmo com o fim da internação compulsória, os pacientes continuaram a ir para os hospitais-colônias por anos, não só por motivosaplicativo da betanocrise, como no casoaplicativo da betanoMaria, mas também por conta do estigma que os acompanhava.

"A vida era tão ruim para as pessoas na comunidade, que sofriam preconceito e tinham um pavor enormeaplicativo da betanoinfectar as pessoas amadas, que às vezes preferiam se isolar", explica a médica.

Maria contou que já foi hostilizada mesmo sem apresentar marcas graves na pele. "Houve um burburinho na igreja onde eu frequentava os cultos. As pessoas começaram a falar que eu tinha hanseníase e pedir uns aos outros para não se aproximaremaplicativo da betanomim."

Passados alguns anos da internaçãoaplicativo da betanoCuritiba, Maria começou a apresentar úlceras na pele, as feridas características da doença. A gravidade das lesões resultouaplicativo da betanoamputações. Ela perdeu os dois dedos menores dos pés.

Ela também desenvolveu uma osteomielite, infecção óssea grave geralmente causada por bactérias, micobactérias (gêneroaplicativo da betanobactérias) ou fungos, que resultou na amputaçãoaplicativo da betanosua perna esquerda. "Os médicos me explicaram que essas perdas ao longo dos anos foram todas sequelas da hanseníase", conta Maria.

Maria conta que tentou conseguir a pensão mensal oferecida pelo governo para pessoas que foram internadasaplicativo da betanohospitais-colônias, mas ela não tinha todos os documentos necessários.

"Há 40 anos, as pessoas tinham muito mais preconceito com a doença, apesaraplicativo da betanoainda existir. Eu agradeço a Deus por ter me mantido forte, porque sei que a hanseníase fez muita gente perder a cabeça."

Tratamento e prevenção da hanseníase

Ainda não há uma vacina considerada completamente efetiva que proteja contra a hanseníase. A BCG, oferecida contra a tuberculose na infância, parece oferecer alguma proteção.

A melhor formaaplicativo da betanoconseguir um desfecho positivo é começar o tratamento antes que a doença avance demais. Nesse sentido, o Brasil tem um ponto positivo: foi o primeiro país do mundo a oferecer teste rápido e gratuito, via SUS (Sistema Únicoaplicativo da betanoSaúde), para detecção precoce da hanseníase.

"Campanhas, examesaplicativo da betanocontato e busca ativa são essenciaisaplicativo da betanoum país com tantos casos como o Brasil. Mas junto a isso, precisamos formar profissionais que entendam da doença e reconheçam as reações - a hanseníase é uma doença complexa com manifestações clínicas diversificadas", aponta a dermatologista Patrícia Deps.

O tratamento contra a hanseníase demorou a evoluir. Na décadaaplicativo da betano1940, foi descoberta a dapsona, primeiro antibiótico empregado contra o baciloaplicativo da betanoHansen. Na décadaaplicativo da betano1960, a clofazimina, remédio antibacteriano, também passou a ser usado. Na década seguinte, 1970, outro antibiótico, a rifampicina, entrouaplicativo da betanocena. A utilização conjunta dos fármacos trouxe a tão esperada cura.

Em 1981, a OMS passou a recomendar,aplicativo da betanonível mundial, a terapia múltipla ou PQT (poliquimioterapia), incluindo os três medicamentos.

Na maioria dos casos, a terapia conjunta, que está disponível gratuitamente no SUS, é capazaplicativo da betanomatar o bacilo, tornando inviável a transmissão da doença, alémaplicativo da betanoevitar a evolução dos quadros e consequentemente as incapacidades e sequelas causadas por ele.

Efeitos colaterais podem incluir irritação gástrica, doraplicativo da betanocabeça, fotodermatite (sensibilidade ao sol), anemia, até condições mais graves (e também mais raras) como agranulocitose (doença aguda do sangue) e hepatite.

"Mas há também pessoas que são resistentes ao tratamento padrão. Nesses pacientes, mesmo com remédios, os bacilos continuam íntegros, o que pode causar as reações hansênicas. Se a resistência for comprovada, remédios como os antibióticos minociclina e ofloxacina e o antibacteriano claritromicina podem ser usados", explica Deps.

Na avaliação da médica, há uma necessidadeaplicativo da betanocriaçãoaplicativo da betanonovos fármacos.

"Temos relatosaplicativo da betanoresistência à dapsona e fincina, principalmente. Falta atenção, investimento farmacêutico e pesquisa sobre hanseníase. É uma das 20 doenças negligenciadas no Brasil."

No Brasil, covid-19 pode ter causado 'falsa redução'aplicativo da betanocasosaplicativo da betanohanseníase

A Sociedade Brasileiraaplicativo da betanoDermatologia aponta que a pandemia da covid-19 pode ter levado a um númeroaplicativo da betanodiagnósticos menor do que a realidade apresenta, uma situação marcada pela reorganizaçãoaplicativo da betanoprofissionais que precisaram focaraplicativo da betanoatender pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, serviços fechados e políticasaplicativo da betanodistanciamento.

Em 2019, antes da pandemia da covid-19, foram notificados 27.864 casosaplicativo da betanohanseníase no Brasi,aplicativo da betanoacordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, foram 17.979 casos - uma quedaaplicativo da betano35%.

Em nível mundial, a OMS estima que 37% dos novos casosaplicativo da betano2020 não foram diagnosticados. Como o Brasil é a segunda maior nação com casos da doença, é esperado que muitas pessoas não tenham sido diagnosticadas aqui.

"Essas pessoas que não foram tratadas podem ter sequelas graves. E como o períodoaplicativo da betanoincubação éaplicativo da betano3 a 7 anos até desenvolver a doença, passado esse tempo, poderemos ter um número ainda maioraplicativo da betanopessoas com hanseníase no Brasil", conclui Deps.