Dia da Consciência Negra: quem foi Luiz Gama, figura-chave no movimento abolicionista brasileiro:pixbet 2024

pixbet 2024 Faz 25 anos que a pesquisadora Ligia Fonseca Ferreira estuda a vida e a obrapixbet 2024uma figura singular da história brasileira: o abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882). Ela debruçou-se sobre o personagem parapixbet 2024tesepixbet 2024doutorado, iniciadapixbet 20241995 e concluída no ano 2000 na Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris III. E descobriu um personagem muito mais dinâmico do que as poucas linhas que a historiografia consagrada lhe reservou.

Se nos últimos anos, o abolicionista vem sendo reconhecido como verdadeiro advogado — autodidata, soube utilizar as leis vigentes para conseguir, pela Justiça, alforriar centenaspixbet 2024escravos, inclusive estando à frente da maior ação coletivapixbet 2024libertaçãopixbet 2024escravizados conhecida nas Américas — e figura-chave no movimento abolicionista brasileiro — , como foi retratado no filme Doutor Gama, baseado na vida do abolicionista e lançadopixbet 2024agosto deste ano —, Ferreira foi além.

Professorapixbet 2024Letras da Universidade Federalpixbet 2024São Paulo (Unifesp), ela atentou para os talentos literários e jornalísticospixbet 2024Luiz Gama.

Apenas 12 anos depoispixbet 2024ter aprendido a ler, Gama publicou,pixbet 20241859, seu único livro, Primeiras Trovas Burlescas. Foi assíduo colaboradorpixbet 2024jornais da época, tendo escrito centenaspixbet 2024artigos para publicações tantopixbet 2024São Paulo, onde morava, quanto do Rio, a capital federalpixbet 2024então.

Nascidopixbet 2024Salvador, Gama era filhopixbet 2024uma escrava liberta com um descendentepixbet 2024portugueses. Quando ele tinha 10 anos, seu próprio pai o vendeu como escravo. Então ele foi mandado para São Paulo. Conseguiu a alforria aos 17 anos, ainda analfabeto. Sem nunca ter tido aulas formais mas, provavelmente, frequentando a biblioteca da Faculdadepixbet 2024Direito do Largo São Francisco, tornou-se um estudioso das letras.

"Para a grandiosidadepixbet 2024Luiz Gama, o negro, o libertadorpixbet 2024escravos, o uso da palavra é uma coisa que nem era inesperada. Ele se colocou nesse lugar da produção, na literatura e no jornalismo, depois na advocacia. São áreas que, sem o domínio da palavra escrita, ele não podia nem ser nem se definir", afirma a pesquisadora.

Depoispixbet 2024organizar a edição crítica da obra poética integral do autor — publicada pela editora Martins Fontes, no ano 2000 — epixbet 2024publicar a antologia Com a Palavra, Luiz Gama: Poemas, Artigos, Cartas, Máximas — pela Imprensa Oficial,pixbet 20242011 —, Ferreira está lançando Liçõespixbet 2024Resistência: Artigospixbet 2024Luiz Gama na Imprensapixbet 2024São Paulo e do Riopixbet 2024Janeiro, 1864-1880, pela Edições do Sesc. A obra, que traz 61 artigos escritos pelo abolicionista, é frutopixbet 2024um trabalhopixbet 2024pesquisa e seleçãopixbet 2024três anos.

Para ela, reconhecer o Gama escritor é fundamental para quepixbet 2024biografia não seja reduzida a "um relato chapado, a umas poucas linhas na história do abolicionismo". "Ele é donopixbet 2024uma escrita bastante complexa, poderosa, literária. Naquele momento, a imagem precisava ser construída com a palavra e ele era o homem da imagem. Escrevia assumindo o foco narrativo, como se tivesse uma câmera", afirma.

Um dos trechos que ele usa para destacar o estilo está no texto Emancipação, publicado pela Gazeta do Povopixbet 20241ºpixbet 2024dezembropixbet 20241880. "Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoávelpixbet 2024origem, o estigmapixbet 2024um crime; e vão ao pontopixbet 2024esquecer que esta cor é a origem da riquezapixbet 2024milharespixbet 2024salteadores, que nos insultam ; que esta cor convencional da escravidão, (...) à semelhança da terra, (a)través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade. Vim (lembrar ao) ofensor do cidadão José do Patrocínio por que nós, os abolicionistas, animadospixbet 2024uma só crença, dirigidos por uma só ideia, formamos uma só família, visando um sacrifício único, cumprimos um só dever."

pixbet 2024 BBC News Brasil - Por que até pouco tempo atrás Luiz Gama mal era citado como um dos abolicionistas?

pixbet 2024 Ligia Fonseca Ferreira - Você sabia que (o abolicionista) José do Patrocínio (1853-1905) era negro? Talvez nos livros didáticos, quando se ensinava abolição, isso nem se falava…

pixbet 2024 BBC News Brasil - Sinceramente, não sei precisar se já tinha essa consciência ou se foi uma memória construída depois, já adulto… Mas por que Luiz Gama foi deixadopixbet 2024lado?

pixbet 2024 Ferreira - Ele era lembrado como o abolicionista Luiz Gama, tinha lá uma estátuapixbet 2024bronze. Mas realmentepixbet 2024personalidade está sendo trazida agora, por isso meu propósitopixbet 2024identificar a grandezapixbet 2024sua obra. Não temos a obra jornalísticapixbet 2024Joaquim Nabuco,pixbet 2024Josépixbet 2024Alencar, do próprio Machadopixbet 2024Assis? Luiz Gama não foi coisa pouca. Havia uma leipixbet 20241837 que proibia negrospixbet 2024irem à escola. Então o fatopixbet 2024ele escrever e optar por isso, ele deve ter sido um superdotado. Depois, ao escrever nos jornais onde estavam os homens brancos letrados, ele passou a ocupar uma instânciapixbet 2024poder.

Estapixbet 2024pergunta eu também me fiz: por que Luiz Gama não está mais presente na história do abolicionismo? Porque a história da abolição, como nos chegou e foi perpetuada, bem, eu tenho algumas hipóteses. Ela foi contada pela República, que Luiz Gama não viu (ele morreu sete anos antes da Proclamação). E era uma República madrasta, que queria apagar logo essa coisa da escravidão. Mas issopixbet 2024um períodopixbet 2024crenças,pixbet 2024preconceito,pixbet 2024acreditar que a "raça negra" era inferior, issopixbet 2024modo sistematizado e com ares científicos.

O próprio Luiz Gama brinca com issopixbet 2024um versinho, no qual ele dizia "ciências e letras não são para ti; pretinho da costa não é gente aqui". Luiz Gama era o contráriopixbet 2024tudo aquilo, ele era o negro que escrevia, o negro que lia. Ele era praticamente uma contradição. Numa repúblicapixbet 2024ímpeto embranquecedor, a história foi contada tendo as grandes famílias, as famílias poderosas (nos papéis principais).

pixbet 2024 BBC News Brasil - Mas como se deu o resgatepixbet 2024Luiz Gama, essa figura um tanto esquecida, sobre quem pouco se falava até duas décadas atrás?

pixbet 2024 Ferreira - Esse resgate tem a ver com alguns trabalhos no campo da história e, sou obrigada a falar, também por causa das minhas pesquisas. Luiz Gama foi ganhando as dimensões à medida que vamos conhecendopixbet 2024obra. Ele foi um intérprete do Brasil.

pixbet 2024 BBC News Brasil - No sentido do pensamentopixbet 2024Luiz Gama, o que os artigos do seu novo livro revelampixbet 2024novo, além do que tem sido destacado nos últimos anos?

pixbet 2024 Ferreira - Ele já foi reconhecido como advogado, como abolicionista… Eu, por uma deformação profissional, quero mostrar o Luiz Gama homem da palavra escrita. Quero mostrar a figura do jornalista que teve grande audiência, grande influência, que escrevia nos principais jornais, criava polêmicas incríveis, denunciava, usava da força da liberdadepixbet 2024imprensa para se expressar como voz negra daquele momento.

Quem você colocaria no mesmo pé na história da imprensa? Quem conhecemos? Não são as crônicas do dia a diapixbet 2024Machadopixbet 2024Assis. É diferente. Hoje você percebe que é preciso "provar" que o Machado era negro e se interessou pela abolição. Eu diria para você que Luiz Gama não renegoupixbet 2024nenhum momentopixbet 2024carapinha, não há dúvidaspixbet 2024que era um homem negro, não precisamos fazer campanha para enegrecer Luiz Gama como foi feito para o Machado.

Ele estava lá, dizendo: "quero que o mundo me encarando veja um retumbante Orfeupixbet 2024carapinha". Aí você vai ler os artigos e ele diz que todo mundo sabepixbet 2024seu passado, que "eu ombreio com os infelizes", porque ele já tinha sido escravizado. E ele vai dizendo issopixbet 2024várias formas.

Luiz Gama tinha uma escrita que merece ser destacada. E ele não era um ativista que ia simplesmente denunciando. Era um formadorpixbet 2024opinião com inteligência. Ele argumentava, coisa que no Brasilpixbet 2024hoje está muito difícil, né? Em seus textos, existe um diálogo crítico instaurado.

pixbet 2024 BBC News Brasil - De certa forma, percebe-se um raciocíniopixbet 2024jurista, não?

pixbet 2024 Ferreira - Mas ele levava a público, dizia que "o Brasil tempixbet 2024saber". Por isso ele trazia para a imprensa. Fazia todo um arrazoado, comentava, desconstruía. Dizia que tinhapixbet 2024mostrar "o modo extravagante como se administra a justiça no Brasil".

Acho que essa frase do Luiz Gama poderia valer para hoje, para os últimos tempos, para os diaspixbet 2024hoje. Mas ele era um homem da comunicação. Mais do que, digamos, só abolicionista. Luiz Gama foi um homem que preencheu uma cena, um momento, um lugarpixbet 2024ideiaspixbet 2024São Paulo. E fez issopixbet 2024maneira bastante intensa.

pixbet 2024 BBC News Brasil - Em artigo publicado no Correio Paulistanopixbet 2024novembropixbet 20241871, ele escreveu: "Se algum dia (...) os respeitáveis juízes do Brasil, esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres, que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxíliopixbet 2024pessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a 'resistência', que é uma virtude cívica (…)." Juntando-se a isso o fatopixbet 2024que ele conseguia alforriar escravos por meio da esfera judicial, podemos inferir que Luiz Gama defendia uma abolição que seria feita com respeito às leis? Ele era um legalista?

pixbet 2024 Ferreira - Legalistapixbet 2024defesa dos escravos. Uma coisa que ele fez foi desenterrar a bendita leipixbet 20241831 (Lei Feijó, que proibia a importaçãopixbet 2024escravos para o Brasil), colocando na cabeça dos outros. Ele era um defensor dos direitos. Dizia "nós temos leis". Pedia que as leis existentes fossem aplicadas.

Então ele puxava as leis e pegava no pé dos juízes, lembrando que ele mesmo era filhopixbet 2024uma africana, que ele mesmo tinha sido escravizado. Ele sabia o que era ser africano. O que era ser escravo. Ele mexeu no vespeiro. Calculou quepixbet 20241831 até o fim da décadapixbet 20241870, entraram no Brasil contrabandeados quase 750 mil africanos.

pixbet 2024 BBC News Brasil - Mas ele acreditava que a abolição viria somente do cumprimento dessas leis?

pixbet 2024 Ferreira - Não. Para ele, a escravidão teriapixbet 2024se encerrar. Ele era pela abolição, era abolicionista radical.

pixbet 2024 BBC News Brasil -Gama também era republicano,pixbet 2024um texto chega a chamar o governopixbet 2024dom Pedro 2ºpixbet 2024"imoral". Como imaginava que seria feita a República? O que ele pensavapixbet 2024um Brasil republicano?

pixbet 2024 Ferreira - Ele não falavapixbet 2024programas oupixbet 2024um programa republicano. Mas Luiz Gama não se chamavapixbet 2024súdito, e simpixbet 2024cidadão. Naquele momento, isso era como dizer "eu sou democrata". Ele afirmava uma identidade política: sou cidadão, não sou súditopixbet 2024ninguém. E aquelas frases célebres: tenho um sonho sublime, um Brasil sem reis e sem escravos. Para o grupo dele, ter um monarca era outro tipopixbet 2024escravidão.

Ele acreditava numa república com aquela tríadepixbet 2024garantiaspixbet 2024igualdade, liberdade e fraternidade. Não podemos esquecer que era uma corrente progressista e alinhada aos ideais da Revolução Francesa. O programa para a república estava embutido no fatopixbet 2024eles serem abolicionistas e quererem um paíspixbet 2024iguais. Ele também falavapixbet 2024um Brasil americano, no modelo dos Estados Unidos. Queria um modelopixbet 2024república federativa.

pixbet 2024 BBC News Brasil - De que maneira seus textos ajudam a compreender o Brasilpixbet 2024hoje?

pixbet 2024 Ferreira - Ele escreveu que "no Brasil, ladrão que muito furta é protegido". Pega esse Luiz Gama: ele está falando do Brasilpixbet 2024hoje, da rachadinha, parece que está falando dessas figuras presentes aqui. Tem um poema dele, chamado Quem Sou Eu? que é uma espéciepixbet 2024retrato, uma fotografia socio-racial do Brasil.

Ele antecipa aquilo que anos mais tarde seria o movimento da negritude. Ele mostra que os negros e os afrodescendentes estão na sociedade brasileira inteira. Fala das camadas sociais, enfatiza que todos têmpixbet 2024afro-ascendência. Essa que Machado tentou calar, mas Luiz Gama, não.

Ele sempre foi muito específico nessa questão. Nos textos jornalísticos ele deixava bem claro como era alvopixbet 2024preconceitos epixbet 2024racismos. Quando dizia "em nós até a cor é um defeito, um vício imperdoávelpixbet 2024origem", estava dizendo como nós negros somos vítimas do racismo. Ele denunciava que esse "defeito" inclusive impedia a entradapixbet 2024negros no exercíciopixbet 2024algumas funções. Mas uma coisa interessante é que Luiz Gama deixava claro que o abolicionismo e o projeto republicano não era um projeto sópixbet 2024negros, exclusivo.

E a gente comete alguns equívocos quando falamos da luta antirracista: não é um problema só nosso, mas uma coisa que precisa ser abraçada por negros e brancos, um conjuntopixbet 2024valores e princípios que devem ser comungados por todas as pessoas e não apenas por negros.

O Brasil precisa redescobrir isso. Luiz Gama interessa ao Brasil. O Brasil precisa saber que nós tivemos esse patrimônio. Quando eu olho para essa história, Luiz Gama é o pico mais elevado do século 19. Ele é meu Everest, não dá para comparar, não dá para dizer que tudo é igual.

Essa reportagem foi originalmente publicadapixbet 202419pixbet 2024novembropixbet 20242020.

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