O que sabemos sobre São José, o paibwin ptJesus — e as dúvidas a respeitobwin ptsua biografia:bwin pt

  • Edison Veiga
  • De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
José idoso na época do nascimentobwin ptJesus,bwin ptquadrobwin ptJean Bourdichon

Crédito, Domínio público

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José idoso na época do nascimentobwin ptJesus,bwin ptquadrobwin ptJean Bourdichon

bwin pt Quando se fala sobre uma figura que viveu há 2 mil anos, é natural que seja difícil comprovar fatos elementaresbwin ptsua biografia. Se esta pessoa tinha uma vida simples e moravabwin ptuma região pobre, as chancesbwin ptregistros oficiais preservados caem consideravelmente.

Se o personagem acabou se tornando um dos elementos básicosbwin ptuma religião — no caso, o cristianismo — é altamente provável que lendas se somem às verdades, e tudo isso ajude a compor não mais uma biografia, mas uma hagiografia.

Por isso que São José, o homembwin ptNazaré que teria sido maridobwin ptMaria, mãebwin ptJesus, tembwin pthistória recheadabwin ptcontrovérsias. Teria ele realmente sido carpinteiro? Era mesmo um senhor idoso quando se casou com a jovem Maria?

"Tudo o que sabemos a respeitobwin ptJosé se baseiabwin pttrês tiposbwin ptfontes: os evangelhos que falam dele, o material que chamamosbwin pt[textos] apócrifos e a tradição", explica o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leitebwin ptMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Juntando tudo isso temos alguma informação a respeito da pessoabwin ptJosé."

Ele constata, entretanto, que se tratabwin ptuma pessoa "bastante controvertida", já que mesmo os textos canônicos — aqueles relatos que integram a bíblia contemporânea — apresentam algumas discrepâncias nas poucas informações a respeito da figura paterna humana da criaçãobwin ptJesus.

"Na bíblia ele é sempre apresentado como um homem justo, essa é a expressão recorrente", diz o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregorianabwin ptRoma e vice-diretor do Lay Centrebwin ptRoma.

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De acordo com as escrituras, Maria era uma moça virgem prometidabwin ptcasamento a ele. Quando ele percebe que Maria estava grávida, conclui que ébwin ptoutro homem e, para não expô-la para a sociedade, planeja deixá-labwin ptsegredo.

"Em sonho, e isso é uma característica fortebwin ptSão José, o anjo explica a ele que Maria está grávida do Espírito Santo. Ele aceita essa situação e, consequentemente, aceita o papelbwin ptpai adotivobwin ptJesus", contextualiza Domingues.

O vaticanista explica que essa construção da imagembwin ptJosé é a tônica:bwin ptum homem forte, quebwin ptsonho ouvia a vozbwin ptDeus.

"E ele não fala, não tem falabwin ptJosé na bíblia, mas apenas fala sobre ele. Portanto, pode ser considerado um homem silencioso, sereno, introspectivo", analisa.

"Era uma pessoabwin ptouvir e agir,bwin ptação."

Doutor pela Universidade Estadualbwin ptCampinas (Unicamp) e pesquisador da Universidade Federalbwin ptSão Paulo (Unifesp), o estudiosobwin ptnarrativas e documentos sobre santos Thiago Maerki pontua que "sabemos pouco sobre São José porque os evangelhos oficiais nos apresentam poucos momentos da vida dele".

"José viveubwin ptNazaré, na Galileia. Os evangelhos se referem a ele aclamando-o como 'homem justo' escolhido por Deus para ser o pai amorosobwin ptseu filho Jesus, ao casar-se com Maria", resume o pesquisador e estudioso da vidabwin ptsantos José Luís Lira, fundador da Academia Brasileirabwin ptHagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará.

"José passou pela provação da gravidezbwin ptMaria,bwin ptquem ele era noivo, mas não era o pai do filho dela", pontua Lira.

José mostrando seu trabalho a Jesus,bwin ptquadrobwin ptGeorgesbwin ptLa Tour

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José mostrando seu trabalho a Jesus,bwin ptquadrobwin ptGeorgesbwin ptLa Tour

111 anos, muita saúde, todos os dentes na boca

Se faltam palavras a respeitobwin ptJosé nos chamados textos canônicos, há informações importantes que pesquisadores coletaram nos chamados textos apócrifos, relatos sobre o períodobwin ptJesus que foram redigidos nos primeiros séculos da era comum e acabaram não sendo reconhecidos como basilares do cristianismo.

O mais completo e importante desses relatos é o texto chamadobwin ptHistóriabwin ptJosé, o Carpinteiro, possivelmente escrito entre os séculos 6 e 7.

Ali, esse trabalhador nazareno é apresentado como uma figura mais velha, um homem viúvo já paibwin ptalgumas crianças.

Maria, ainda menina, é encarregadabwin ptajudá-lo a cuidar dos filhos. Nesse sentido, quando ela atingisse a idadebwin pt14 anos e meio, eles deveriam se casar.

E é nesse contexto que Maria engravidabwin ptJesus e toda a narrativa cristã se principia.

Um dos aspectos mais curiosos desse texto é que, nele, a mortebwin ptJosé é descrita — quando ele tinha impressionantes 111 anos.

"E o texto ressalta que ele tinha uma ótima saúde, com todos os dentes intactos e tendo trabalhado até seu último diabwin ptvida, o que mostra certo vigor apesar da idade avançada", pontua Maerki.

Sobre a morte, aliás, o relato apócrifo recupera essa ideiabwin ptum homem que era sempre avisado e orientado pela voz divina.

"Ele teria sido avisado por um anjo da morte", diz o pesquisador.

"Muito provavelmente isso não tem nenhum fundamento", admite Moraes.

"Mas ajuda a consolidar uma sériebwin ptcoisas. É um textobwin ptpelo menos 1,4 mil anos sobre uma figura controvertida, que é José, sobre quem os evangelhos não dizem muito. Pela tradição, até para preservar o dogma da virgindadebwin ptMaria, faz sentido montar a cenabwin ptuma jovenzinha com um sujeito muito mais velho."

"A última vez que a bíblia fala a respeitobwin ptSão José é no episódio do encontrobwin ptJesus no templo, quando ele tinha 12 anosbwin ptidade", assinala Lira.

"Quando Jesus iniciabwin ptvida pública, com maisbwin pt30 anos, não se fala maisbwin ptJosé. Numa das pregaçõesbwin ptJesus anunciam quebwin ptmãe ali estava, mas não José. E no momento da crucificação fica claro que Maria era viúva e Jesus a confia a João, evangelista, que dela cuidou daquele diabwin ptdiante."

"Isto posto, não se pode afirmar quando ele morreu", conclui o hagiólogo.

Para Lira, "a fonte mais segura" sobre a biografiabwin ptJosé é o pouco que está escrito nos evangelhos.

"Existem outras fontes como os apócrifos, com destaque para a Históriabwin ptJosé, o Carpinteiro, escritobwin ptcopta entre os séculos 6 e 7", lembra.

O pesquisador, contudo, acredita que o documento seja um relatobwin pt"duvidosa veracidade", enfatizando que a "própria língua copta surgiu no Egito no século 3, muito depois, portanto, da passagembwin ptJosé na Terra".

"Eu diria que [o livro apócrifo] é um romance. Muitos foram os escritosbwin ptsantos, teólogos, historiadores, mas nenhuma fonte é mais segura do que os evangelhos", analisa.

Josébwin ptquadrobwin ptGuido Reni

Crédito, Domínio público

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Teria sido José realmente carpinteiro?

Profissão

Dentro da construçãobwin ptJosé no imaginário contemporâneo, um elemento que se faz presente é o aspecto profissional. José era o carpinteiro.

Jesus era o filho do carpinteiro. José era o trabalhador dedicado e Jesus teria aprendido o ofício com o pai, tendo-o praticado até o iníciobwin ptsua missão evangelizadora.

Essa narrativa parte dos textos bíblicos, a partir das traduções consolidadas, e é carregadabwin ptelementos da tradição.

Moraes observa que o termo utilizado para descrever José nos textos gregos antigos, contudo, não deixam claro o ofício exato praticado por ele.

"É uma palavra meio genérica, no mundo antigo, para significar artesão ou qualquer profissãobwin pttrabalho braçal. O que ele fazia especificamente é muito difícil dizer", comenta o professor.

"A tradição optou por chamá-lobwin ptcarpinteiro. Pode ter sido? Pode, mas pode ter sido qualquer trabalhador braçal. Era um fabricante, um artesão, um técnico que fazia alguma coisa. Tanto que depoisbwin ptimagem fica vinculada ao trabalho, sendo ele reconhecido como patrono dos trabalhadores na tradição católica", completa ele.

"[O termo carpinteiro] é da tradução. O que a gente sabe é que ele fazia trabalhos manuais", contextualiza Domingues.

"Aí há a discussão: se ele tinha um negócio próprio, então eles não eram tão pobres assim. É, pode ser que não. Mas, por outro lado, erambwin ptNazaré. Que era e até hoje é uma cidade marginalizada, não era o centro da história toda."

A ideiabwin ptum homem mais velho

Domingues conta que são tradições cristãs orientais, como a Igreja Ortodoxa, que consolidaram a ideiabwin ptque José já era viúvo quando se casou com Maria.

"A Igreja Ortodoxa aceita que ele tenha tido um casamento antes. Porque,bwin ptfato, seria muito estranho um homem mais velho ainda não ter se casado. Por essa narrativa, ele teria tido filhos antes e, nesse sentido, Jesus poderia ter irmãos, mantendo a virgindadebwin ptMaria", afirma.

O vaticanista ressalta, contudo, que para a Igreja Católica a narrativa é "simplesmente que José se casou com Maria" sem nada, nos textos, que diga "que ele era um homem velho".

"Criou-se uma tradição. Por muitos anos ele foi apresentado como um homem mais velho. Talvez pela sabedoria, por conseguir ouvir a voz do espírito, por ser uma pessoa tranquila que já viveu muito da vida."

"Não há nada explícito nesse sentido, mas uma tradição que se criou. Na época era normal que o homem fosse um pouco mais velho, mas essa visãobwin ptque ele era muito mais velho, enfim, faz partebwin pttodas essas lendas e tradições posteriores. Que, importante dizer: não mudam a essência do que José representa para a Igreja", comenta Domingues.

Lira concorda que não exista, "concretamente, qualquer registro da idadebwin ptJosé oubwin ptMaria, pelo menos biblicamente falando".

"Uma comparação é feita pela idadebwin ptque comumente se considera que as pessoas casavam naquela época, mas não é uma regra absoluta, por isso não considero tais idades", argumenta.

"Essa 'velhice'bwin ptJosé se propagou, principalmente, para mostrar que ele teria respeitado a virgindadebwin ptMaria. Mas, eu, particularmente, creio que tudo foi obra do Espírito Santo, e José poderia ser jovem ou velho e mesmo assim respeitaria e honraria a missão que lhe foi confiadabwin ptcuidar da mãe do filhobwin ptDeus e do próprio filhobwin ptDeus, a quem ele, José, deu nome: Jesus", afirma o hagiólogo.

Maerki credita à tradição essa construção da imagembwin ptJosé como um ancião.

"É uma ideia baseada nos livros apócrifos como uma tentativabwin ptmostrar que José, por ser idoso, não teriabwin ptfato tido relações sexuais com Maria e não era o pai carnalbwin ptJesus. Foi uma construção ideológica dos evangelhos apócrifos", defende ele.

"Essa concepção acabou muito difundida pela arte religiosa, pela escultura, pelo teatro, pela pintura. E se propagou. Enraizou-se no cristianismo por meio da arte e acabou defendida por grandes teólogos expoentes do cristianismo", explica Maerki.

Quando a questão esbarra na questãobwin ptum casamento celibatário ou não, contudo, o dogma católico da virgindade perpétuabwin ptMaria acaba sendo um entrave a mais para qualquer discussão.

Na própria bíblia há passagens mencionando irmãosbwin ptJesus. Várias leituras são feitas, conforme o viés interpretativo e conforme a denominação religiosabwin ptquem promove tal interpretação.

O catolicismo, que defende Jesus como filho único, entende a questão como reflexãobwin pttradução, defendendo quebwin ptidiomas orientais antigos seria a mesma palavra para designar irmão e primo, por exemplo.

"A origem dessa polêmica pode ser uma questãobwin pttradução da bíblia a partir dos idiomas primitivos", ressalta Maerki.

"No aramaico [falado por Jesus] não havia uma palavra específica para designar primos, isso é comprovado."

Há ainda a ideia, aceita por vertentes protestantes,bwin ptMaria tendo outros filhos com José depois do nascimentobwin ptJesus.

"O protestante não tem nenhum problema com o fatobwin ptela ter continuado combwin ptvida", afirma Moraes.

"O protestante acredita que Jesus é filho do Espírito Santo, que foi gerado nela como obra do Espírito Santo e que José não participa desse processo. Mas, depoisbwin ptnascido Jesus, ela continuou abwin ptvida conjugal com seu esposo e, juntos, tiveram filhos e filhas sem nenhum problema", explica.

"Para os católicos, a coisa não é assim porque existe o dogma da virgindadebwin ptMaria, como uma mulher que nunca foi tocada por homem algum, manteve-se virgem mesmo vivendo com José."

Em meio a tantas controvérsias, uma passagem do evangelhobwin ptJoão suscita uma outra polêmica.

"É quando, no capítulo 8, a questão da paternidadebwin ptJesus é trazida à tona, com judeus dizendo para Jesus: 'Não somos bastardos, temos um pai que é Deus'", diz o teólogo.

"Alguns intérpretes entendem algo como 'não somos bastardos, enquanto você, Jesus, é'."

"Ou seja, por essa leitura, Jesus teria sido filhobwin ptprostituição e a mãe dele saiu com essa conversabwin ptque tinha sido gerado pelo Espírito Santo. Pode significar que, na virada do primeiro século [quando o evangelhobwin ptJoão teria sido escrito], o judaísmo já não engolia isso [de Jesus como filhobwin ptDeus]", afirma ele.

"São interpretações polêmicas que também mostram conflitos a respeito da paternidadebwin ptJesus", completa.

"José é uma figura extremamente controvertida."

Mensagem

O vaticanista Filipe Domingues ressalta que a importância da hagiografiabwin ptJosé se baseia na mensagem.

"Jesus nasceubwin ptum contextobwin ptfamília. Ele tinha um pai, uma mãe e foi criada por uma família com um modelobwin ptmasculinidade presente", diz.

"Na época, isso significava que ele teve alguém que lhe ensinou uma profissão e o amparobwin ptum pai protetor", pontua ele.

"A ideiabwin ptque Deus se encarnou como menino e nasceu no seiobwin ptuma família é muito importante."

Domingues ressalta que essa imagem incorpora então as característicasbwin ptJosé como "homem justo", "modelobwin ptpai", "homem que protege", "homem que ensina".

Acabou se tornando um modelo cristãobwin ptpaternidade.

"Não à toa, aqui na Itália o Dia dos Pais é o diabwin ptSão José [19bwin ptmarço]", afirma ele.

"Tornou-se o modelo masculinobwin ptsantidade, conforme a tradição do catolicismo."

Sua figura passou a ser venerada como abwin ptum santo deste os cristãos primitivos.

"No século 9º, essa devoção propriamente dita se incrementou", explica o hagiólogo Lira.

A data comemorativa, 19bwin ptmarço, foi oficializada apenasbwin pt1621, sob o papa Gregório 15 [(1554-1623)].

"Papa Pio 9º (1792-1878) proclamou-o 'patrono universal da Igreja'. E, ao longo da história, cada vez mais se teve adeptos àbwin ptdevoção", comenta Lira.

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